Maconha: os EUA legalizam, mas querem proibir no resto do mundo

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Novos Estados norte-americanos podem derrotar proibicionismo em plebiscitos hoje. Mas a política de “guerra às drogas”, que já matou milhares, segue em vigor…

Por Antonio Martins

Quando forem às urnas, hoje, os norte-americanos não estarão elegendo apenas um – ou uma – presidente. Em pelo menos nove Estados, haverá plebiscitos sobre um tema antes tabu: a legalização do uso, cultivo e comércio maconha. As pesquisas indicam que o eleitorado tende a dar este passo na Califórnia e Massachussets (é menos certo que o façam no Maine, Arizona e Nevada). Além disso, quatro outros Estados, entre eles a Flórida, poderão aprovar a descriminalização ao menos para uso médico. A tendência à legalização parece impor-se. Nos últimos anos, ela – até há muito pouco um tabu – já foi decidida no Colorado, Washington, Oregon e Alaska. Pesquisas recentes demonstram que 60% dos norte-americanos defende descriminalizar.

Mas há um paradoxo curioso, nesta recente virada. Ela não foi acompanhada por uma mudança – mínima que seja – na política norte-americana de impor ao mundo, desde 1971, sua “guerra às drogas”. Ela já causou inúmeros conflitos, milhares de mortes, ações agressivas de fumigação de agrotóxicos, estímulo à formação de cartéis criminosos que lucram com uma “reserva de mercado” objetivamente criada pelos Estados.

A “guerra às drogas” foi oficialmente instituída em 18 de janeiro de 1971, pelo então presidente norte-americano Richard Nixon. Numa mensagem ao Congresso, seguida de entrevista à imprensa, ele declarou que o consumo de substâncias psicoativas era o “inimigo público número um” dos EUA – e deveria ser combatida por meio de “proibição, erradicação e encarceramento”.

Uma rápida consulta à Wikipedia revela algumas das consequências. Embora sejam provavelmente os maiores consumidores de psicoativos do mundo, os EUA procuraram “exportar” permanentemente a interdição, pressionando países que proíbem estas substâncias a erradicar seus cultivos.

A América Latina foi especialmente vitimada. Entre 1999 e 2006, os governos de Washington e Bogotá desencadearam, juntos, o Plan Colombia. Além de fumigações agressivas de plantações de coca, o plano incluiu o apoio aberto a milícias paramilitares. Supostamente encarregados de combater os plantios, eles eram também conhecidos pelas violações constantes e brutais aos direitos humanos. Em certos períodos, estes grupos chegaram a ser remunerados segundo o número de corpos de supostos traficantes que entregavam às autoridades.

Política semelhante foi aplicada na Bolívia entre 1997 e 2004 – até a eleição de Evo Morales. “Eles apareciam de repente, a qualquer hora do dia ou da noite, e começavam a te interrogar — eles te chutavam ou batiam sem motivo. Tínhamos que dormir no relento, no meio da plantação de coca, para que eles não nos achassem”, contou à revista Vice um plantador tradicional de coca, referindo-se a forças paramilitares apoiadas pela Drug Enforcement Administration (DEA) dos EUA. A coca é cultivada e consumida na forma de folha há milênios, pelas culturas indígenas da Bolívia. No entanto, os agricultores tinham de se curvar a uma política decidida no Norte. Ele mesmo um cocaleiro, Evo desativou gradualmente o programa até encerrá-lo em definitivo – e expulsar a DEA do país – em 2008, após um conflito que levou à morte trinta camponeses.

O fracasso destas e outras intervenções levou a um movimento internacional de críticas à “guerra às drogas”. Ela trava-se hoje na ONU. Em 1971 e 88, as Nações Unidas adotaram duas convenções que repetiam, em essência, as posições norte-americanas. A partir de 2014, ganhou corpo um movimento para rever esta posição – ainda com oposição de Washington. Finalmente, este ano, surgiram os primeiros sinais de mudança. Em assembleia-geral, a ONU reconheceu que a política até então vigente precisa ser revista – mas o processo apenas começou.

Nos três Estados norte-americanos que já legalizaram a maconha, os resultados foram expressivos. Caiu o consumo da planta entre jovens. O número de prisões despencou. A arrecadação de impostos superou as expectativas.

Uma nova derrota das políticas proibicionistas, hoje, tornará ainda mais insustentável a posição de Washington – e talvez contribua para abalar preconceitos em países como o Brasil, onde o sistema político, as forças policiais e parte da população parecem incapazes de enxergar o desastre da política em curso.

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Um comentario para "Maconha: os EUA legalizam, mas querem proibir no resto do mundo"

  1. Emanuel disse:

    Pena , que enquanto os estados unidos , nao rever sua politica sobre o assunto dificilmente o Brasil ira rever sua politica interna.

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