Theodor Adorno e o triunfo da ignorância

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Em tempos marcados por brutalidade, o filósofo alemão, expoente da Escola de Frankfurt, escreveu: os estúpidos “já não precisam sentir nenhuma intranquilidade da consciência” — porque “a debilidade espiritual, confirmada como princípio universal, surge como força de vida”.

Curadoria e Narração: Alexandre Machado

[Este é um trecho de Minima Moralia (1951). A obra completa está disponível (em formato digital) aqui. O livro, em português, é encontrado aqui].

As relações privadas entre os homens formam-se, parece, segundo o modelo do bottleneck (gargalo) industrial. Até na mais reduzida comunidade, o nível obedece ao do mais subalterno dos seus membros. Assim, quem na conversação fala de coisas fora do alcance de um só que seja comete uma falta de tato. O diálogo limita-se, por motivos de humanidade, ao mais chão, ao mais monótono e banal, quando na presença de um só “inumano”.

Desde que o mundo emudeceu o homem, tem razão o incapaz de argumentar. Não necessita mais do que ser pertinaz no seu interesse e na sua condição para prevalecer. Basta que o outro, num vão esforço para estabelecer contato, adote um tom argumentativo ou panfletário para se transformar na parte mais débil. Visto que o bottleneck não conhece nenhuma instância que vá além do factual, quando o pensamento e o discurso remetem forçosamente para semelhante instância, a inteligência torna-se ingenuidade, e isso até os imbecis entendem.

A conjura pelo positivo atua como uma força gravitatória, que tudo atrai para baixo. Mostra-se superior ao movimento que se lhe opõe, quando com ele já não entra em debate. O diferenciado que não quer passar inadvertido persiste numa atitude estrita de consideração para com todos os desconsiderados. Estes já não precisam sentir nenhuma intranquilidade da consciência. A debilidade espiritual, confirmada como princípio universal, surge como força de vida. O expediente formalisto–administrativo, a separação em compartimentos de tudo quanto pelo seu sentido é inseparável, a insistência fanática na opinião pessoal na ausência de qualquer fundamento, a prática, em suma, de reificar todo o traço da frustrada formação do eu, de se subtrair ao processo da experiência e de afirmar o “sou assim” como algo definitivo, é suficiente para conquistar posições inexpugnáveis. Pode estar-se seguro do acordo dos outros, igualmente deformados, como da vantagem própria. Na cínica reivindicação do defeito pessoal pulsa a suspeita de que o espírito objetivo, no estágio actual, liquida o subjetivo. Estão down to earth, como os antepassados zoológicos, antes de se alçarem sobre as patas traseiras”

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