Biopoder à moda das elites matogrossenses

Liderença dos Terena do Mato Grosso do Sul denuncia, em 2013, assassinato de integrante da etnia, em reintegração de posse executada pela polícia

Liderença dos Terena do Mato Grosso do Sul denuncia, em 2013, assassinato de integrante da etnia, em reintegração de posse executada pela polícia

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Anulação de demarcação das terras dos Guarani Kaiowá e dos Terena, decidida pelo STF em 2014, viola os parâmetros internacionais de direitos humanos

Por Konstantin Gerber e João Vitor Cardoso

I´ll take to a place, where we should find our roots, bloody roots

Sepultura

Os letrados utilizam-se de um termo sofisticado, a biopolítica, para se referir a um poder disciplinar e normalizador que se aplica, da mesma forma, ao corpo e à população, que permite a um só tempo controlar o corpo e os acontecimentos aleatórios de uma multiplicidade biológica; mas aqui é preciso ser mais didático, bastando trocar as letras de lugar, trata-se da boipolítica, em que a vida de um boi vale mais do que a vida de um Kaiowá.

Sob uma crença no Deus-mercado, é melhor exportar gado do que viver na e com a floresta. Este era o dito projeto de desenvolvimento da Presidenta Dilma Rousseff, que também é o mesmo da ditadura, sem qualquer perspectiva de interculturalidade.

Este é um conflito que reflete o contraste entre tradição e modernidade. Nele, povos indígenas sofrem os efeitos “modernizantes” do colonialismo. São oprimidos pela violência do poder disciplinar e reduzidos às reservas indígenas atuais, geralmente consideradas uma negação aos direitos do Juruá (como os Guarani se referem ao branco). Tratam-se estas áreas como nada mais que um obstáculo ao progresso econômico, mais uma anomalia do que um instituto jurídico.

Que a fronteira agrícola representa a exceção econômica, não há dúvida. O caso da soja transgênica é o exemplo mais evidente de como a necessidade econômica cria a regra. A sementinha ingressou na Argentina de Menem, depois foi ao Paraguai por contrabando e, finalmente, chegou às plantações do Rio Grande do Sul, obrigando a editar Medida Provisória. Outro exemplo também ilustrativo é o da Emenda Constitucional nº 6, a eliminar o conceito de empresa nacional.

A questão é mesmo de estado de coisas inconstitucional, pelo evidente bloqueio institucional das gavetas do Poder Executivo em se cumprir com o art. 67 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias para a demarcação de terras. O Brasil descumpre os parâmetros interamericanos de garantir a propriedade comunal para povos originários. Em matéria de retardo injustificado para se garantir a propriedade comunal, tem-se o julgado Comunidade Indígena Sawhoyamaxa vs. Paraguai. Mas em casos de expulsão e massacre, como em Comunidade Moiwana Vs. Suriname: há um direito de voltar à terra.

A jurisprudência do STF sobre anulação de demarcação da terra Guyraroká, do povo Guarani Kaiowá, e da terra Limão Verde do povo Terena, ambos do Mato Grosso do Sul, viola os parâmetros internacionais de direitos humanos. O Brasil precisa ser denunciado internacionalmente!

A resposta para a discriminação sistemática – assassinatos, suicídios, desnutrição, racismo estrutural, despejo violento, desaparecimento forçado de líderes e professores –, para a situação de violência sofrida pelo povo Guarani Kaiowá, não virá do Congresso Nacional. Virá do Parlamento Europeu. Da mesma forma que houve a rotulação para produtos advindos do território ocupado palestino, deverá haver rotulação para produtos advindos do território Kaiowá.

Esse é o ponto, quando o direito internacional dos investimentos encontra-se com o direito internacional dos direitos humanos. A discussão é a mesma quando se trata de madeiras advindas do território Mapuche, no Chile.

É preciso não só solicitar medidas cautelares na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, mas, sobretudo, levar a cópia do protocolo para os acionistas das multinacionais que aportam capitais nas empresas nacionais.

O agronegócio terá de negociar. O que os Kaiowá reivindicam é 2% do território do Estado do Mato Grosso do Sul diante de uma omissão inconstitucional e inconvencional da, do, dos Presidente(s) da(s) República, merecendo estes também o julgamento das instâncias internacionais. Nhaguyjevete!

Konstantin Gerber é advogado Consultor em São Paulo, mestre e doutorando em filosofia do direito pela PUC-SP, onde integra o grupo de pesquisas em direitos fundamentais. É professor convidado do curso de especialização em Direito Constitucional da PUC-SP.

João Vitor Cardoso é advogado Consultor em São Paulo. Graduado em Direito pela PUC-SP, onde integra o Grupo de Pesquisa em Direitos Fundamentais. Pesquisador-membro do Núcleo de Estudos em Tribunais Internacionais da Universidade de São Paulo.

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3 comentários para "Biopoder à moda das elites matogrossenses"

  1. Igor disse:

    Interessante.

  2. essa criminalidade travestida de legalizada é absolutamente cinica, hipocrita é estarrecedor pois que se traveste como legislaçao de povo , sociedade civil organizada de povo culto e humanista. Coitados dos indios…?

  3. josé mário ferraz disse:

    Falar em direitos humanos no mundo capitalista que dá as cartas no mundo inteiro é o mesmo que falar em respeito à nossa Constituição Federal com a pretensa igualdade perante a lei de um lado e, de outro lado, o Foro Privilegiado. Que direitos têm os infelizes seiscentos milhões de escorraçados que vagam mundo afora e encontram muralhas em vez de amparo?

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