O quebra-cabeças político de Lula

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O primeiro ato – denunciar as arbitrariedades e o caráter elitista da Lava Jato – ele fez com maestria. Mas para prosseguir, terá de enfrentar as contradições de seu próprio projeto político

Por Antonio Martins

Certos gestos políticos têm a capacidade de transformar cenários. Até sexta-feira, o Brasil vivia o pesadelo de uma intensa ofensiva conservadora. As ações policiais da Operação Lava Jato eram complementadas, no Congresso, pela tentativa de impor, sem debate algum com a sociedade, uma vasta pauta de retrocessos. Esta agenda era comandada por parlamentares (Renan Calheiros e Eduardo Cunha, especialmente) implicados até o pescoço nas próprias investigações da operação. Agiam sem constrangimento algum da mídia – o que expõe o caráter hipócrita da suposta cruzada moralizadora. O governo Dilma, incapaz de iniciativa e interessado apenas em preservar o mandato da presidente, havia passado a colaborar com as medidas regressivas, imaginando talvez ser premiado com um gesto complacente dos que a pressionavam com o impeachment.

Todo este quadro está em questão, desde que Lula recusou o papel acovardado que alguns esperavam dele e denunciou não apenas a violência ilegal de que fora vítima — mas também o que descreveu como conspiração das elites para evitar que volte à Presidência e amplie sua obra em favor das maiorias. A resposta a seu gesto foi uma radicalização em três frentes, claramente desenhada no fim de semana. Primeira: as lideranças da oposição decidiram alterar sua postura no Congresso. Ao invés de manter o esforço para aprovação de sua pauta, que avançava com aval do governo, decidiram obstruir os trabalhos, para tentar mostrar que o país tornou-se ingovernável. Segunda: a chamada “força-tarefa” de delegados, promotores e juízes que conduz a Lava Jato produziu uma sequência impressionante de vazamentos de informação, voltada contra Lula. O último deles, nesta segunda-feira, já não esconde a intenção. Deseja-se encontrar, onde for possível, um artifício que bloqueie a candidatura do ex-presidente em 2016. Terceira: Jornais, revistas semanais e noticiários da TV também tornaram-se mais agressivos contra Lula, algo especialmente nítido no Jornal Nacional nas capas de Veja, IstoÉ e Época.

“A jararaca está mais viva do que nunca. Agora, aguentem”, disse o ex-presidente ao encerrar sua entrevista coletiva na sexta-feira. Mas esta frase desafiadora expressa uma espécie de antítese do lulismo, que tem, entre suas características essenciais, a busca de moderação e a realização de reformas sem rupturas. Como reagirá a jararaca, agora que as elites, depois de acertá-la no rabo, querem emparedá-la numa jaula de vidro? Nos próximos dias, Lula terá de enfrentar dois desafios centrais, intimamente relacionados às contradições de seu próprio projeto político.

O primeiro é o horizonte a apresentar – não em 2018, mas agora. Na sexta, a emoção suscitada pela coerção ao ex-presidente lotou a quadra dos bancários em São Paulo, despertou a solidariedade de adversários (como os deputados Milton Temer e Marcelo Freixo, do PSOL). Mas para percorrer o país mobilizando a sociedade – como anunciou, e agora parece indispensável –, Lula precisará de mais. Como entusiasmar de novo multidões, num momento em que seu partido, no governo, aplica medidas que ampliam o desemprego e mergulham o país na recessão?

E como articular-se com as lideranças sociais capazes de levar a população às ruas? Vale ler, a este respeito, a nota sobre a conjuntura publicada no domingo pelo MTST. O movimento foi, nos meses anteriores, quem mais mobilizou para os atos em defesa da legalidade e contra o impeachment. Agora, sua mensagem central parece ser outra: crítica ácida ao governo Dilma e suas “concessões ao mercado financeiro e à direita”. Contradição emblemática: na nota, o MTST anuncia sua participação nas manifestações convocadas para 31 de Março. Mas dá a elas caráter muito distinto ao proposto pela Frente Brasil Popular, que também os convoca. Para os sem-teto, não se trata agora de defender o governo federal, mas de lutar “contra a reforma da Previdência e o ajuste fiscal”, duas pautas promovidas diretamente pelo Palácio do Planalto.

O segundo desafio de Lula, portanto, será resolver sua relação com o governo Dilma. Há duas maneiras de fazê-lo. A primeira, hoje impensável, é romper com Dilma. A segunda é levar a presidente a um giro em sua agenda. Uma sinalização clara do governo contra as pautas regressivas que tramitam no Congresso Nacional (inclusive as de sua própria iniciativa) indicaria aos movimentos sociais que há caminho para o diálogo. Ela poderia ser complementada por medidas de cunho social, ainda que simbólicas – um reajuste nos valores da Bolsa-Família, para fazer frente a inflação, uma redução nos preços do gás de cozinha, agora que há folga nas cotações internacionais do petróleo.

O problema, para o lulismo, é que este giro seria interpretado como uma declaração de guerra pelas elites. A pressão delas pelo impeachment cresceria ainda mais. A disputa iria inevitavelmente para as ruas. Na sexta-feira, Lula prometeu entregar seu destino a elas. Terá forças e vontade para fazê-lo?

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4 comentários para "O quebra-cabeças político de Lula"

  1. Nando Ponti disse:

    Como diz um amigo meu: “Para quem imagina que apenas simpatizantes e militantes de partidos supostamente defensores dos pobres e desvalidos tem sido punido por “fascistas” é bom analisar o que está acontecendo. Por exemplo, o Juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, condenou (08/03/2016) a 19 anos de prisão, por corrupção ativa, lavagem de dinheiro e associação criminosa o senhor Marcelo Bahia Odebrecht, presidente afastado do grupo Odebrecht, controladora da empreiteira investigada na “Operação Lava-Jato”. São 11 crimes de corrupção ativa (pagamento de propinas para que sua empresa obtivesse contratos na Petrobras) e 50 operações de lavagem de dinheiro. Mas outros membros da empresa também receberam o seu quinhão. Os executivos Márcio Faria e Rogério Santos Araújo foram condenados por corrupção ativa, lavagem e associação criminosa. O diretor financeiro César Ramos Rocha foi condenado por corrupção ativa e associação criminosa. O executivo Alexandrino Alencar foi condenado por corrupção e lavagem de dinheiro. Existem outros casos, mas fico neste para não aporrinhar a sua paciência. Em toda decisão humana podem ser encontrados erros e, por isso, ser questionada. MAS, AINDA QUE MAL PERGUNTE: a) os membros do ministério público federal, da polícia federal e os magistrados envolvidos nessa operação são fascistas, conservadores, retrógrados, inimigos dos pobres e dos autodeclarados impolutos salvadores da pátria? b) Isso seria um golpe contra a democracia? c) Isso é um ataque às conquistas dos trabalhadores pós Constituição de 1988? d) As grandes corporações que há muito tempo loteiam entre si os braços do Estado não estariam encontrando limites em virtude dos pequenos avanços democráticos? e) Teria errado o movimento político com traços populistas que, no desejo de perpetuar-se no poder, associou-se aos interesses dessas corporações?”

  2. Fátima Rocha Perini disse:

    Sinceramente, não consigo entender esse discurso do PT de jogar pobres contra classe média e elite, pois não é exatamente a elite os maiores apoiadores de Lula? As maiores empresas do Brasil e entre as maiores do mundo estão envolvidas no escândalo da LJ e estão do lado do Lula. Não há uma contradição nessa história? São exatamente os pobres e classe média que mais pagam impostos enquanto ao contrário de todos os países onde a maior parte do dinheiro público vem dos DIVIDENDOS. Isso sem falar nos impostos de carros populares e a isenção dos aviões. Os bancos nunca ganharam tanto como nos governos petistas. De novo, sinceramente, não consigo entender essas contradições. Será pelo meu olhar crítico de “apartidária política”?

  3. luiz disse:

    apresenta alguns desafios, mas faz uma critica timida não aborda as forças secretas do capitalismo americao

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