Censura política no Facebook?

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Rede retira do ar texto de Patrick Cockburn, que aponta responsabilidade dos EUA na origem da onda de refugiados que chega à Europa. Questionado, Facebook silencia

Por Antonio Martins

As práticas de censura adotadas pelo Facebook podem ter assumido caráter aberto de controle político. Na madrugada de hoje, a plataforma excluiu um texto publicado por Outras Palavras sobre um dos temas centrais da conjuntura global: a crise dos refugiados que se espalha pela Europa. Redigido pelo jornalista irlandês Patrick Cockburn, considerado em todo o mundo1 um dos principais especialistas em questões do Oriente Médio (vale conhecer seu livro magistral sobre o ISIS), o texto tem uma marca especial. Amparado em farta pesquisa e análise, ele aponta a responsabilidade dos Estados Unidos e seus aliados no deslocamento em massa das populações islâmicas – que compõem o grosso da maré humana em movimento. Ao intervir militarmente sobre países árabes, ou desestabilizar de modo consciente seus Estados, argumenta Cockburn, Washington engendrou guerras que estão desabrigando milhões.

Estampado ontem como manchete, em nosso site, o texto teve seu título, subtítulo e imagens publicados no Facebook à tarde. Foi compartilhado e curtido por algumas centenas de pessoas, e alcançou algumas dezenas de milhares. Porém, pela madrugada, foi excluído sumariamente e sem aviso prévio. Todas as pessoas que o compartilharam também tiveram o texto excluído. Como “aviso”, a rede registrou, de modo lacônico: “Esta mensagem contém conteúdo que foi bloqueado pelos nossos sistemas de segurança”. Nossa contestação à censura, enviada por volta das 10h, não recebeu resposta até o momento. Diversas tentativas de repostar o conteúdo foram igualmente bloqueadas, com idêntico aviso.

facebook censura

O declínio da democracia nas nações ocidentais que por séculos juraram defendê-la é uma ameaça crescente e assustadora. Outras Palavras tem tratado do tema com insistência. Procuramos demonstrar que a ameaça já não se expressa apenas no sequestro da política por uma elite (a “casta”, diriam os espanhóis) que evita a qualquer custo o debate dos temas cruciais para a definição do futuro coletivo. Manifesta-se também em ataques mais diretos às próprias liberdades civis: perseguição de dissidentes, vigilância, violação constante da privacidade na brutalidade das polícias contra os que divergem. A censura praticada costumeiramente pelo Facebook é parte deste retrocesso. Os laços entre o Facebook e o setor de espionagem politica do Estado, nos EUA, são fartamente conhecidos. Mas os métodos de controle social empregados pela rede pareciam ter, até o momento, um caráter mais sutil.

Por um lado, a censura era “justificada” pelo suposta opção de não ferir sensibilidades dos leitores. Corpos nus, por exemplo, são banidos – mesmo quando retratam povos que optam por não se vestir, ou quando estão presentes em obras de arte com as quais a própria Inquisição era mais tolerante… Por outro lado, o Facebook parece optar, na maior parte do tempo, por um controle mais difuso e pervasivo. Ao invés de excluir, escolhe os conteúdos que chegarão a seus leitores. Afirma fazê-lo por meio de algoritmos “neutros”, mas se recusa a revelar que critérios orientam tais instruções – evidentemente construídas por seres humanos. Outras Palavras tem publicado, aliás, textos (1 e 2) que apontam os gravíssimos riscos de manipulação política presentes nesta prática.

Se a esta forma mais dissimulada de manipulação veio somar-se, agora, a censura política primária, é porque podemos estar diante de algo grave. Como diz John Pilger — um autor que nos orgulhamos de traduzir e publicar –; e como mostram, por exemplo, o encarceramento de Chelsea Manning e a perseguição a Julian Assange e Edward Snowden, podemos estar à beira de algo como “um 1984 high-tech”.

Outras Palavras continuará usando o Facebook. Vê as redes sociais como bens comum da humanidade, por reunirem conhecimento, diálogo e experiência imensamente superiores às pretensões de seus “proprietários”. Mas atitudes como a censura de hoje levam a lançar ao menos duas perguntas. Não é hora de incluir em nossas agendas políticas a democratização das redes sociais? Enquanto este objetivo permanecer distante, não será preciso multiplicar esforços para a criação de alternativas aos gigantes que ameaçam controlar a internet?

1. Patrick Cockburn foi considerado melhor jornalista no Oriente Médio pela British Journalism Awards e melhor repórter do ano pela The Press Awards em 2015.

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18 comentários para "Censura política no Facebook?"

  1. George disse:

    Gostaria de saber que providências legais quando um post do Facebook é apagadoapagado.
    Participo de uma comunidade onde um dos moderadores não aceita bem argumentos contra seu partido político, então toda vez que posto links com pesquisas e informações que mostram o problema dos seus líderes, ele diznque isso é papo de nazista e apaga tudo.
    A comunidade é de professores, eu sou professor e deveria ter o direito de me manifestar, independente da posição política dos moderadores.
    Mas os eventos de ridicularização e censura continuam…

  2. fabyo disse:

    Sugestão: venham para a Diáspora, que é uma rede mundial federada verdadeiramente livre: http://www.diasporabr.com.br

  3. Pierre disse:

    Bom dia tod@s,
    Acho que para ter uma boa informação precisa ler inglês, francês e espanhol idiomas nos quais tem a maioria dos sites de divulgação alternativa. Em portugês, infelizmente, tem pouco. Outras Palavras, Brasil de Fato, Carta Capital, Sul21 … Os melhores para mim que lê, gosto muito, português, mas não é suficiente. Acho que devemos ser capazes de ir ler em outros idiomas e passar links encontrados para os sites brasileiros citados acima que tem tradutores de boa qualidade para difundir ao povo brasileiro. A ferramenta Facebook é boa para difundir, mas como foi mostrado pouco tempo atras, tem limites. Que faço com FB quando tem censura, é divulgação em mensagem privada @s meus contatos que fazem o mesmo. Assim passa; quando tem poucos contatos …
    Abraço a tod@s,
    Pierre, Lyon, França.

  4. Rafael Raposo disse:

    Beatriz, não concordo com o seu argumento. O que tem que ser regulamentado é a Internet, e não o Facebook, o que foi feito por exemplo com a aprovação do Marco Civil da Internel. O FB nunca foi uma rede livre, talvez você esteja confundindo o que um dia o Sr. Zuckerberg e companhia permitiu que fosse feito e depois mudou conforme seus próprios desejos. O ditador benevolente continua sendo um ditador, não achei legal a comparação com lista telefônica, acho que se trata de outra coisa. Ao contrário da telefonia que lida com uma infraestrutura física financiada pelas empresas, o FB tecnicamente não passa de mais um site na Internet entre outros. O fato de muitas pessoas usarem ou poucas não o torna um site especial que deva ser “socializado”. Ele continua sendo o que sempre foi, um site privado. Se você acha legal ficar implorando ao Sr. Zuck que seja mais democrático, tudo bem, mas outras pessoas prefere investir em redes realmente livres e libertadores, sem amarras como o diaspora*, redmatrix, etc.

  5. Arthur Araujo disse:

    Corrigindo uma falha na mensagem que enviei acima, quero dizer que, desde que soube que uma pessoa teve seu acesso negado ao “facistabook” por se chamar Iran passei a repudiar ainda mais esse verdadeiro lixo comunicativo controlado pelo imperialismo ianque.

  6. Arthur Araujo disse:

    Desde que alguns anos atrás soube que uma pessoa teve seu acesso ao ” facistabook” por se chamar Iran, eu passei a repudiar esse falso instrumento de comunicação democrática do qual, aliás, jamais participei.

  7. Dulcéa Machado Martins disse:

    Muito bom Antonio. Tenho o texto do Cockburn que vai ao centro da questão dos imigrantes, sem dúvida. Vou ampliar a divulgação. Quanto a “criação de alternativas aos gigantes que ameaçam controlar a internet”, como você coloca no seu texto, concordo plenamente. Precisamos de independência e uma internet efetivamente democrática.
    Vamos em frente
    Abraços, Dulcéa

  8. Beatriz disse:

    Isso não quer dizer que os usuários não possam ter nenhum controle sobre o funcionamento da rede. A prestação de serviços tem que ser regulamentada. Uma companhia telefônica privada não pode vigiar, interferir e bloquear ligações com o argumento de que as pessoas podem mudar de prestadora quando quiserem, principalmente quando a interferência não é tão flagrante que compense a inconveniência.
    Pensamos: e daí que o Google registre cada movimento que fazemos na web se precisamos pesquisar uma informação, visitar um site que usa o Analytics. O Facebook funciona hoje, pelo menos para mim, como uma lista telefônica; para alguém me encontrar, eu tenho que estar lá. Para acessar informações sobre eventos e instituições que só se comunicam pela plataforma, eu tenho que ter uma conta. Usar o Ello? Não conheço ninguém que esteja lá.
    O Facebook era livre quando começou. Com o novo algoritmo do feed de notícias, passou a censurar pelo controle do fluxo de informações, privilegiando inclusive grandes marcas patrocinadores em detrimento das pequenas, prejudicando sua comunicação institucional. No caso desta notícia, nem mesmo houve preocupação com pretextos para “justificar” a censura completa.

  9. Luiz Michelazzo disse:

    Ou seja, meu barato (o contrário de caro) Raposo, tem censura no Facebook.

  10. Lucas Lee Gonzo disse:

    Estamos diante de uma situação na qual dizer a verdade está se tornando um crime. O que o texto fez foi apenas mostrar que o abacaxi maduro é amarelo. Não fossem as sucessivas décadas de ação militar e política desestabilizadora no Oriente Médio, orquestradas pelos EUA e pelas potências aliadas, e também os séculos de imperialismo e intervenção que ainda são praticados em África e Ásia e na América Latina, não estaríamos testemunhando a crise de refugiados atual, que é apenas a maximização de um problema que não é de hoje. Isso é um microcosmo do que está acontecendo em escala global. As grandes potências e os poderes aos quais servem como títeres, os grandes bancos, a elite financeira mundial, não querem que as pessoas saibam de quem é a verdadeira culpa. Toda informação que leve a um despertar de consciência por parte do público será silenciada.

  11. Pierre disse:

    Bom dia,
    Para francofonos, tem também um texto de um universitario francês explicando outros aspetos da destabilização dos países muçulmanos pelo Ocidente.
    Aqui: “Mamelouks modernes, mafias sécuritaires et djihadistes – De la dynamique contre-révolutionnaire”, http://orientxxi.info/magazine/mamelouks-modernes-mafias-securitaires-et-djihadistes,1012. E um outro texto, “De l’Irak à la Syrie, aux origines de l’État islamique”, http://orientxxi.info/magazine/de-l-irak-a-la-syrie-aux-origines,0639.
    Abraços,
    Pierre, Lyon, França.

  12. Rosinei Silva disse:

    Tentei postar uma reportagem do Valor Economico sobre politica e essa mensagem “Esta mensagem contém conteúdo que foi bloqueado pelos nossos sistemas de segurança” me foi exibida também, impedindo a postagem. Tentei varias vezes e não consegui, Achei que era um problema de segurança anti viral, mas parece que não foi só comigo que aconteceu. Agora são 2 casos. Se o Facebook não der explicação ficará claro a intenção de CENSURA.

  13. Rafael Raposo disse:

    Disse bem Antonio, está livremente publicado em vosso site. A moderação (não censura) foi feito em um espaço privado, com dono e regras, chamado Facebook. Comentei isso mais abaixo ( https://outraspalavras.net/blog/2015/09/18/censura-politica-no-facebook/#comment-5256 )

  14. Rafael Raposo disse:

    Não existe censura no Facebook. As pessoas confundem o Facebook com a Internet em si. Não deve haver censura na Internet, ela deve ser pública, livre. Já o Facebook é um serviço privado, com um dono que faz as moderações que bem entender, vigilância, venda de dados, todos ficam acordados com isso previamente e depois quando a fatura é cobrada vem reclamar.

  15. Fernando disse:

    Enquanto as pessoas teimarem em usar esta arma maçônico-sionista chamada facebook – de um judeu sionista, aliás – estarão submetidas aos tentáculos desse big brother. Abaixo esse lixo nazi-sionista!

  16. Antonio Martins disse:

    Cara Andréa, obrigado pela atenção. O texto está publicado em nosso site: https://outraspalavras.net/capa/de-onde-vem-tantos-refugiados/. A censura foi no Facebook: a postagem que continha título, subtítulo e link para o artigo foi sumariamente apagada.

  17. não como vcs me enviarem o texto censurado por e-mail? ou pulicá-lo novamente?

  18. Tili Dantas disse:

    Prof. de História e Política Arábe da USP, a partir do frame 26:26 responde com clareza.
    http://tvcultura.cmais.com.br/jornaldacultura

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