Para ampliar a campanha contra publicidade infantil

150514_publicidade_infantil2

.

Por apelarem a pessoas vulneráveis, certas propagandas estabelecem relação de dependência e cristalizam um modo de ver o mundo. Quais são. Como enfrentá-las. Por que mercado insiste em repeti-las

Por Desirée Ruas*

A proteção da criança aos apelos publicitários tem respaldo legal há quase 25 anos. Desde sua criação, o Código de Defesa do Consumidor estabelece, no artigo 37, que é abusiva e ilegal a publicidade que “se aproveita da deficiência de experiência e julgamento da criança”. Também desrespeita a legislação vigente toda publicidade discriminatória, que desrespeita valores ambientais, incita à violência, explora o medo ou a superstição, ou que induza o consumidor a se comportar de maneira prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança. Mas, como determinar a infração concreta a estas normas, em imagens ou palavras nos milhares de comerciais que chegam às pessoas diariamente, no país?

Há pouco mais de um ano, em abril de 2014, entrou em vigor a resolução 163 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), que explicita os critérios para determinar o que é uma publicidade infantil e como ela tenta convencer a criança para o consumo. E o que há para comemorar nesse período? Para quem defende a reflexão sobre a infância e o consumo, a resolução inaugurou um debate importante, mas não gerou medidas concretas por falta de fiscalização e punição para os que desrespeitam a medida. E a dúvida persiste: até quando a criança vai continuar sendo alvo de mensagens comerciais nos diversos meios de comunicação?

É natural que quem sempre fez publicidade para crianças não aceite a mudança de bom grado. O que não é natural é que, mesmo após um ano da resolução em vigor, o mercado não se esforce para encontrar caminhos para anunciar seus produtos sem se valer da desigual relação entre publicidade e infância. Não dá para entender. Vão continuar na tecla do “é inconstitucional”, “o Conanda não tem competência para tal” e outros argumentos assim. É importante lembrar que a Constituição Federal, no artigo 227, estabelece a responsabilidade de todos em proteger a infância de toda forma de negligência, discriminação, violência, crueldade, opressão e também de exploração.

O cuidado com a infância de forma integral passa necessariamente pelos conteúdos da mídia que são oferecidos para as crianças, assim como pelo incentivo ao consumo e os valores que estão embutidos na publicidade. Sabemos que nenhuma criança vai ficar imune à publicidade. Mesmo sem a publicidade direcionada para a criança, continuaremos tendo os demais comerciais, as ações nos pontos de venda, os encartes promocionais, os outdoors, a influência dos amigos da escola que também afetam meninas e meninos. Não há uma tentativa de se isolar a criança do mundo do consumo mas entender que a publicidade infantil, aquela que faz uso dos elementos listados na resolução 163 do Conanda, tem um impacto muito grande sobre as crianças. Ela é feita com o objetivo de persuadir e cristalizar um modo de ver o mundo que não é nem saudável nem sustentável. Os movimentos em defesa da infância e contra a publicidade infantil, que aglutinam pais, mães, educadores, profissionais de saúde e de outras áreas, repudiam estratégias de convencimento específicas para as crianças e não a publicidade em geral.

Sabemos que toda criança tem direito ao consumo, o que significa ter acesso a alimentação, vestuário e produtos e serviços necessários ao seu desenvolvimento. Mas isso não significa que a criança tenha condições de decidir o que quer consumir ou que possa consumir qualquer tipo de alimento, produto ou conteúdo. O processo de construção da autonomia da criança não pode ser confundido com a pressão para que as crianças se tornem consumidoras. Crianças não são consumidoras porque não têm condições de estar numa relação de consumo. A escolha dos itens que serão consumidos é uma responsabilidade da família. Mas se o mercado cria mecanismos que fazem com que a persuasão para o consumo recaia sobre a criança, e não sobre os adultos, estamos diante de uma prática abusiva.

O Código de Defesa do Consumidor reconhece a vulnerabilidade do consumidor, parte mais frágil da relação de consumo, e que por isso tem que ser protegida. Se o adulto é vulnerável, segundo o CDC, a criança é ainda mais vulnerável. Por isso ela não pode ser tratada como um miniadulto que vai ser alvo de estratégias de marketing, como é feito com o restante da sociedade.

É uma conversa muito desigual. De um lado temos neuropsicólogos, pedagogos, publicitários e diversos especialistas em marketing reunidos em uma sala, por semanas ou até meses, para chegar ao produto “perfeito” e à campanha perfeita que serão usados para persuadir a criança para o consumo. Quem aprova este bate-papo entre especialistas e nossos filhos por meio de peças de comunicação com bichinhos fofinhos e cenários repletos de magia?

Não importam o produto, o veículo ou o estilo. Se a publicidade fala com a criança, que não tem condições de fazer uma leitura crítica da mensagem, ela é abusiva e ilegal. Além de abusiva, por ser direcionada para a criança, a publicidade que induza o consumidor ao erro, por divulgar informações falsas, é uma publicidade enganosa, também ilegal segundo o CDC, como brinquedos que parecem se movimentar sozinhos. Apesar dos lindos cenários e da comovente atuação das crianças, a publicidade com apelo infantil deveria sair de cena. É o caminho a seguir pela proteção ampla da infância e por uma sociedade mais responsável, sustentável e ética.

*Jornalista,especialista em Educação Ambiental e Sustentabilidade e Integrante da Rede Brasileira Infância e Consumo, Rebrinc

Leia Também:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *