Agrotóxicos e câncer: irresponsabilidade torna-se explícita

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Instituto Nacional do Câncer estabelece relação entre doença e venenos agrícolas. Governo e Congresso insistem em manter política que incentiva, com isenção de impostos, uso maciço do produto

Finalmente o assunto recebeu a divulgação que merece. No Dia Mundial da Saúde, 8 de abril, o veneno que está em nossa mesa foi apontado pelo Inca (Instituto Nacional de Câncer) como causador de vários tipos de câncer – e a informação, sempre abafada, chegou aos telejornais. Relatório sobre o uso de agrotóxicos nas lavouras alerta para a gravidade do problema para a natureza, os trabalhadores e toda a população. O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo: mais de um milhão de toneladas por ano, ou 5,2 kg por habitante.

Cerca de 280 estudos sobre a relação entre câncer e pesticidas vêm sendo publicados anualmente em revistas científicas internacionais – ressaltou o pesquisador do Inca Luiz Felipe Ribeiro Pinto, no lançamento do documento – quatro vezes mais que vinte anos atrás. O Inca recomenda criar políticas de controle e combate desses produtos, cujos fabricantes são isentos de impostos!, para proteger a saúde da população. Apoia o consumo de alimentos orgânicos, livres de agrotóxicos, e reivindica políticas públicas que apoiem a agroecologia com mais recursos – hoje, muito menores que os carreados para o agronegócio. Recorda que o país isenta de impostos a indústria produtora de agrotóxicos. Alerta que o Brasil permite o uso de agrotóxicos proibidos em outros países.

“No Brasil, a venda de agrotóxicos saltou de US$ 2 bilhões para mais de US$7 bilhões entre 2001 e 2008, alcançando valores recordes de US$ 8,5 bilhões em 2011. Assim, já em 2009, alcançamos a indesejável posição de maior consumidor mundial de agrotóxicos, ultrapassando a marca de 1 milhão de toneladas, o que equivale a um consumo médio de 5,2 kg de veneno agrícola por habitante”, informa o Inca.

Contudo, são venenos para nós e o ambiente. Para quem trabalha em contato direto com eles, o risco é de intoxicação aguda, caracterizada por irritação da pele e olhos, coceiras, dificuldades respiratórias, convulsões e até morte. Landa Rodrigues, 40 anos, desde criança trabalhadora com agrotóxicos na lavoura em Teresópolis (RJ), conta que aos 20 anos começou a sentir os olhos arderem e incharem. Nunca mais voltariam ao normal, e hoje enxerga pouco. Há muitas outras vítimas na sua região, conta. “Câncer aqui é igual epidemia de dengue no Rio. Não falta caso para contar.” Seu pai, tio e avô morreram de câncer, assim como vizinhos. [1]

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Já quem ingere – os 99% da população brasileira – pode ter intoxicação crônica, que demora vários anos para aparecer, resultando em infertilidade, impotência, cólicas, vômitos, diarreias, espasmos, dificuldades respiratórias, abortos, malformações, neurotoxicidade, desregulação hormonal, efeitos sobre o sistema imunológico e câncer. Que tal? Quantas doenças de hoje, muitas femininas, não teriam a ver com esses venenos que ingerimos como alimentação? Lembremos aqui o leite materno contaminado de Lucas do Rio Verde.

“Mês passado, a Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (Iarc) publicou relatório no qual classificou cinco agrotóxicos como ‘provavelmente’ ou ‘possivelmente’ cancerígenos, dos quais três são permitidos no Brasil pela Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa). Diante da publicação, o órgão afirmou que reavaliará a segurança dos produtos. No Brasil, além disso, pelo menos outras dez substâncias usadas na lavoura estão proibidas em países como Estados Unidos e os da União Europeia. E mesmo proibidos ou não, as evidências científicas não garantem a segurança dos agrotóxicos, critica o Inca.”

Mais impactante, o aumento do consumo se deu com a liberação e expansão das lavouras de transgênicos. “É importante destacar que a liberação do uso de sementes transgênicas no Brasil foi uma das responsáveis por colocar o país no primeiro lugar do ranking de consumo de agrotóxicos, uma vez que o cultivo dessas sementes geneticamente modificadas exigem o uso de grandes quantidades destes produtos.” – afirma o relatório. Ironicamente, um dos argumentos favoráveis a sua liberação era de que reduziriam o uso de agrotóxicos, visto que a semente geneticamente modificada vinha justamente combater as pragas de cada lavoura.

O Brasil é hoje – recorde alarmante – o segundo maior produtor mundial de transgênicos, com mais de 42 milhões de hectares plantados com sementes geneticamente modificadas: 65% do algodão, 93% da soja, 82% do milho que consumimos são transgênicos. Assim, podemos estar ingerindo transgênicos + veneno não apenas nos alimentos in natura, mas também em muitos produtos industrializados, tais como biscoitos, salgadinhos, pães, cereais matinais, lasanhas, pizzas e outros que tenham como ingredientes o milho e a soja, por exemplo. Assim, olho vivo nos rótulos de supermercados: veremos que as milharinas da vida, outrora inocentes farinhas de milho do mingau, contêm aquele T da transgenia (que por sinal tem projeto de lei para tentar esconder).

O Inca não poderia ter sido mais contundente em seu alerta à população e ao governo. “Ainda podem estar presentes nas carnes e leites de animais que se alimentam de ração com traços de agrotóxicos, devido ao processo de bioacumulação. Portanto, a preocupação com os agrotóxicos não pode significar a redução do consumo de frutas, legumes e verduras, que são alimentos fundamentais em uma alimentação saudável e de grande importância na prevenção do câncer. O foco essencial está no combate ao uso dos agrotóxicos, que contamina todas as fontes de recursos vitais, incluindo alimentos, solos, águas, leite materno e ar. Ademais, modos de cultivo livres do uso de agrotóxicos produzem frutas, legumes, verduras e leguminosas, como os feijões, com maior potencial anticancerígeno” – afirma o Inca.

Não há fiscalização de fato para o uso do veneno. Os últimos resultados do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos (PARA) da Anvisa revelaram amostras com resíduos de agrotóxicos em quantidades acima do limite máximo permitido e com a presença de substâncias químicas não autorizadas para o alimento pesquisado. Constataram também a existência de agrotóxicos em processo de banimento pela Anvisa ou que nunca tiveram registro no Brasil.

Outras questões merecem destaque, recorda o Inca. Uma delas é o fato de o Brasil ainda realizar pulverizações aéreas de agrotóxicos, que ocasionam dispersão destas substâncias pelo ambiente, contaminando amplas áreas e atingindo populações. A outra é a isenção de impostos que o país continua a conceder à indústria, um grande incentivo ao seu fortalecimento, na contramão das medidas recomendadas. E ainda, o fato de o Brasil permitir o uso de agrotóxicos já proibidos em outros países.

Na grande mídia, o Ministério da Agricultura declarou que os agrotóxicos são “extremamente relevantes no modelo de desenvolvimento da agricultura no país” e que “a legislação para o setor agrícola é a mais rigorosa do mundo e adota padrões reconhecidos pela comunidade científica internacional”, inclusive para os transgênicos. [1] Na contramão de todas as evidências, a indústria de agrotóxicos e transgênicos limitou-se a negar as evidências apontadas pelo Inca, e a CTNbio acaba de aprovar o plantio de eucalipto transgênico.

Ao longo dos últimos anos, o Inca tem apoiado e participado de diferentes movimentos e ações de enfrentamento aos agrotóxicos, tais como a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, o Fórum Estadual de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos do Estado do Rio de Janeiro, o Dossiê da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) “Um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde”, a Mesa de Controvérsias sobre Agrotóxicos do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – Consea e os documentários “O Veneno Está na Mesa 1 e 2”, de Silvio Tendler.

Além dos efeitos tóxicos evidentes descritos na literatura científica nacional e internacional, as ações para o enfrentamento do uso dos agrotóxicos têm como base o Direito Humano à Alimentação Adequada – DHAA (previsto nos artigos 6º e 227º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988), a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Decreto nº7.272, de 25/08/2010), a Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo e da Floresta – PNSIPCF (Portaria nº 2.866 de 02/12/2011), a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da #rabalhadora (Portaria nº 1.823, de 23/08/2012) e a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica – PNAPO (Decreto nº 7.794, de 20/08/2012).

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[1] http://oglobo.globo.com/sociedade/saude/brasil-lidera-ranking-de-consumo-HYPERLINK “http://oglobo.globo.com/sociedade/saude/brasil-lidera-ranking-de-consumo-de-agrotoxicos-15811346″de-agrotoxicos-15811346

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10 comentários para "Agrotóxicos e câncer: irresponsabilidade torna-se explícita"

  1. Paulo Amdrade disse:

    É você, trabalha num circo?

  2. Ana disse:

    Cê trabalha na Monsanto? kkkkkkkkkkkkkk

  3. José Geraldo Coelho disse:

    Brasil – o país da corrupção, do agrotóxico, da violência, etc, e Educação de baixa qualidade.

  4. Paulo Andrde disse:

    Passados vários dias a crítica ao documento do INCA, feita no meu blog, se concretiza em outras críticas, mais amplas e mais contundentes. Sugiro a leitura de duas delas, que copie e colei para os leitores:
    Instituto culpa transgênicos por aumento no uso de agrotóxicos, sem provas; especialistas rebatem http://genpeace.blogspot.com.br/2015/05/instituto-culpa-transgenicos-por.html
    Transgênicos: benefícios e diálogo http://genpeace.blogspot.com.br/2015/05/transgenicos-beneficios-e-dialogo.html

  5. Paulo Andrade disse:

    Um novo texto sobre a inexistência de correlação entre transgênicos e agrotóxicos está aqui: http://genpeace.blogspot.com.br/2015/04/a-adocao-dos-transgenicos-na.html
    O INCA precisa rever seus conhecimentos em agricultura.

  6. Paulo Andrade disse:

    Celso, só tem você honesto no mundo, né?

  7. carla disse:

    agrotoxicos nao tem nada a ver com cancer.todos cancer tem cura so fazer uma alimentacao abase de frutas e verduras cura todos cancer nas temque ser cruz nada cuzidos. cura todas doenca diabetes e muitas outras.
    senao verdureiro todos teria cancer por pasar agrotoxicos nas plantas

  8. Empresários que vivem apenas para lucros,
    seus funcionários que querem, a todo custo, manter os empregos,
    Ministério da Agricultura omisso (mesmo com servidores que lutam para preservar sua honra profissional),
    profissionais da agricultura (agrônomos e técnicos agrícolas, por exemplo) que desconhecem a Ética e a solidariedade
    e consumidores apáticos e submissos,
    fazem esses produtos contaminados serem utilizados todos os dias,
    envenenando-nos, causando doenças e morte
    e trazendo sofrimentos indizíveis.

  9. Isabela disse:

    Gostaria de tirar um dúvida: qual a fonte para dizer que o Ministério da Saúde negou as informações do posicionamento do INCA? Poderia citar aonde na grande mídia isso foi falado? Muito obrigada.

  10. Paulo Andrde disse:

    O INCA está certo em alertar sobre os impactos dos pesticidas na saúde. Afinal, a agricultura intensiva brasileira controla as pragas com pesticidas e isso tem um impacto no trabalhador rural e, em muito menor grau, no consumidor. Mas o INCA erra quando atribui aos transgênicos o aumento do uso de pesticidas. Primeiro, porque as plantas transgênicas resistentes a insetos RUEDUZIRAM, e muito, o uso de inseticidas na lavoura. Segundo, porque todas as lavouras, transgênicas ou não, usam pesticidas, e os transgênicos só são tolerantes a 3 deles. Mesmo estes três são extensamente empregados por todos os agricultores: glifosato, 2,4-D e glufosinato de amônio. Aliás, muito antes dos transgênicos o gliifosato já era campeão de vendas aqui e o perfil mudou muito pouco nos últimos 15 anos. Números OFICIAIS: a área plantada no Brasil não cresceu nada nos últimos 10 anos, mas a produção dobrou. O uso de agrotóxicos também. Entretanto, a área plantada com transgênicos cresceu 13 vezes!! O que demanda mais agrotóxico é a intensificação da cultura, não a genética da planta… O INCA deveria ouvir com mais atenção o pessoal da agricultura antes de dizer que os transgênicos são a causa do aumento dos agrotóxicos.
    Apenas para fechar: apesar do aumento de duas vezes no uso de pesticidas, os casos de intoxicação aguda não aumentaram nada, ao contrário: há uma pequena tendência de baixa (vejam os dados oficiais no SINITOX). A casuística roda em torno de 5000 casos por ano, sendo metade no campo (em geral por erros no manuseio ou aplicação), a outra metade devido a tentativas de suicídio e apenas 10 casos (ou menos) devido à intoxicação alimentar. Se consultarem o PARA (Anvisa) os leitores verão que as plantas que apresentam resíduos de agrotóxicos acima dos limites ou de agrotóxicos não aprovados são sempre as hortaliças e frutas. Isso nada tem a ver com os transgênicos.

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