Tortura: Obama prende quem denunciou…

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Estado norte-americano não puniu nenhum membro da CIA envolvido em sevícias contra prisioneiros — mas encarcera quem as revelou ao mundo

Por Cauê Seignemartin Ameni

O reatamento de relações diplomáticas com Cuba, anunciado pelo presidente norte-americano, Barack Obama, na quarta-feira (17), varre para as sombras do noticiário uma injustiça em curso. Ninguém será responsabilizado pelas torturas praticadas pela CIA durante o governo Bush, relatadas num relatório de 6.700 páginas, divulgado semana passada pelo Comitê de Inteligência do Senado dos EUA. A única pessoa presa que responde a um processo relacionado ao programa de tortura é John Kiriakou, ex-funcionário da agência que revelou a existência de métodos medievais utilizados pela CIA para obter informação. Barack Obama, sucessor de Bush, é responsável pela impunidade — um sinal de que o chamado “complexo industrial-militar” tem poder cada vez maior nos Estados Unidos, seja qual for o ocupante da Casa Branca.

O vazamento das informações sobre tortura, ocorrido graças a Kiriakou, estimulou uma investigação de três anos. Um resumo de seu relatório, com 500 páginas, foi publicado semana passada. Relata em detalhes o programa de “reforço de interrogatórios” usado pela CIA. Entre as barbaridades, pode-se encontrar técnicas medievais como: manter prisioneiros em celas escuras obrigando-os a ficar acordados por 180 horas; práticas de “quase afogamento”, conhecidas como waterboarding, só que perpetradas com repetições; ameaças de abusos sexuais com cabos de vassoura e furadeiras; e entre outras atrocidades, a sujeição a “alimentação retal” sem razão médica aparente.

Em 2012, o governo Obama processou Kiriakou por ter vazado informações confidenciais sobre as torturas praticadas contra Abu Zubaydah – suposto membro da Al Qaeda. O próprio Kiriakou, veterano com 15 anos de CIA, participou da operação de captura de Zubaydah em 2002, e resolveu desabafar cinco anos depois à ABC News. Ele foi o primeiro funcionário da agência a falar publicamente sobre as práticas de afogamento simulado. Ameaçado a pegar décadas de prisão em retaliação, Kiriakou se declarou culpado em 2012 e aceitou uma pena de 30 meses. Descobriu-se posteriormente que o torturado Zubaydah não tinha, de fato, fortes ligações com a al-Qaeda.

O relatório comprova a tese de Kiriakou: a CIA enganou a Casa Branca e o Congresso sobre a brutalidade e eficiência do programa. “As técnicas de simulação de afogamento eram fisicamente prejudiciais, induzindo convulsões e vômito”, diz o relatório. “Abu Zubaydah, por exemplo, passou a ‘não responder mais à técnica, com bolhas subindo por sua boca aberta e cheia’”. Documentos internos da CIA descrevem que o waterboarding evoluiu, literalmente, para uma série de ‘quase afogamentos’. Mesmo assim, as práticas continuaram e a CIA nunca perdoou-o por ter contato a verdade à população.

Kiriakou é o sexto funcionário norte-americano acusado por revelar informações confidenciais sob o governo Obama. Apesar de ter assinado a Lei de Melhoria de Proteção ao Denunciante no ano passado, o presidente fez mais acusações contra denunciantes que qualquer outro presidente na história. (Edward Snowden foi o sétimo a ser acusado por revelar supostos segredos de Estado.)

O caso Kiriakou é tema do documentário “Silenced” [Silenciado], exibido esse ano no festival AFI Docs, indicado ao Oscar em 2012 e financiado via crowdfunding (financiamento colaborativo). Kiriakou mantêm um site onde divulga seus textos e arrecada colaboração.

Para ele, a “política de inteligência de Obama é essencialmente uma extensão da que foi estabelecida no governo Bush, só que mais sangrenta. Especialmente o uso de drones”. “Estou desapontado, porque o governo virou as costas para os direitos humanos. Obama cercou-se de verdadeiros falcões”, declarou em recente entrevista, concedida na prisão federal em Loretto, Pensilvânia.

Grande parte das informações contidas no relatório é nova para o público, mas sempre foi uma realidade conhecida para alguns. George Orwell, escritor inglês muito usado pelos americanos para atacar países totalitários no século passado, dizia que: “Se a liberdade significa alguma coisa, será sobretudo o direito de dizer às outras pessoas o que elas não querem ouvir”. Os EUA ainda preservam algum tipo dessa liberdade, mas perseguem implacavelmente, sobretudo após 11 de setembro, as pessoas capazes de promovê-la.

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