O novo (e frágil) Consenso de Brasília

141204-Dilma

.

“Ajuste fiscal” iniciado por Dilma não visa “acertar contas públicas”, mas mostrar adesão a mito conservador. Caminho pode levá-la ao desastre

Por Antonio Martins | Imagem: Bob Row

Estranha é a matemática dos que alardeiam a necessidade de um “ajuste fiscal”. Nas últimas semanas, afirmou-se que o Orçamento da União, para 2015, contém um “rombo de 100 bilhões de reais”. Defendeu-se a nomeação de Joaquim Levy para o ministério da Fazenda, sob o argumento de ser um “especialista em gastos públicos”, cujo “descontrole” seria responsável pelas agruras econômicas do Brasil. Abriu-se a caça às despesas a cortar – do seguro-desemprego e auxílio-doença pagos pela Seguridade às linhas de crédito dos bancos públicos.

Então, quase em surdina, sem nenhum destaque nas manchetes, o Banco Central promoveu, em duas tacadas, a elevação de 0,75% na taxa de juros paga pelo Estado a seus credores. Em termos reais, já era de longe, a mais alta do mundo. Agora, subiu a 11,75% ao ano – contra 0,23% nos EUA, 0,08% na zona do euro, 1,8% nas Filipinas ou 4,42% na Colômbia. Calcule, você mesmo, o impacto sobre os gastos públicos. Se a dívida pública monta a R$ 2,183 bilhões, a União transferirá em 2015, aos possuidores de títulos de Tesouro – quase todos já fartamente endinheirados –, R$ 256 bilhões (o dobro do suposto “rombo”). Só as duas elevações da taxas de juros mais recentes decretadas pelo BC custarão R$ 16,37 bilhões, cinco vezes mais que os recursos destinados ao ministério da Cultura, em 2014.

* * *

A construção de mitos políticos completa-se, às vezes, de modo abrupto. Nos últimos meses, o arranjo lulista, que marcou o Brasil durante doze anos, deparou-se com um impasse descrito com sagacidade do Luiz Gonzaga Belluzzo e André Singer. Após seis anos, a crise econômica global minou as condições antes existentes para contentar ricos e pobres; para melhorar o padrão de vida das maiorias sem atingir lucros e privilégios das elites. Sabia-se, também, que o PT e seus parceiros estavam muito capturados pela máquina institucional e muito pouco preparados para dar um passo adiante.

Porém, poucos haviam previsto que o governo Dilma descrevesse, em apenas seis meses, o impressionante ziguezague que o fez render-se ao “ajuste fiscal” proposto, desde antes das eleições, pelos conservadores. Hoje, percebe-se com clareza que a guinada à esquerda de Dilma, durante a campanha, era apenas aparente. A candidata afirmou ter “coração valente” e prometeu “mais mudanças”. Mas ao “desconstruir” Marina Silva e ressuscitar Aécio Neves, para tê-lo como adversário no segundo turno, gerou a onda que levou à eleição de um Congresso ultra-retrógrado e tornou-se refém de seus correligionários mais fisiológicos. Um grande sucesso de marketing eleitoral produziu, em poucas semanas, uma terrível sinuca política.

Subitamente, o “ajuste fiscal” converteu-se numa espécie de “Consenso de Brasília”. A oligarquia financeira exalta-o (com previsível apoio da mídia) porque atende a seus mais caros interesses. Os políticos conservadores regozijam-se porque ele obrigará Dilma a descumprir seu programa e corroer sua própria popularidade. O governo crê que, ao apaziguar os mercados, conquistará uma trégua.

Mas tudo indica que está preso no que os estrategistas militares costumam chamar de “movimento de pinça”. A oligarquia financeira, agora instalada no ministério da Fazenda, exigirá concessões crescentes: já se aposta em novos aumentos das taxas de juros, nos próximos meses. Mas, ao invés de se satisfazer com estas concessões, a oposição conservadora irá explorar cada uma delas para desgastar o governo. Ontem, no Congresso Nacional, parlamentares do PSDB e do DEM solidarizaram-se com “manifestantes” que, da galeria, xingavam a deputada Vanessa Granhotim (PCdoB-AM) de “vagabunda”.

O Consenso de Brasília é frágil: ampara-se numa adesão de conveniência. Será crescentemente contestado pelo setor não-fisiológico da base parlamentar do governo e, em especial, pelos movimentos sociais que esperavam “mais mudanças”. Mas inverter o rumo inaugurado pela nomeação de Joaquim Levy exigirá um movimento intelectual de envergadura. Implica construir, como alternativa ao impasse do lulismo, um projeto de redistribuição de riquezas muito mais intenso e profundo que o ensaio tímido vivido entre 2002 e 2014. Quem poderá fazê-lo?

Leia Também:

3 comentários para "O novo (e frágil) Consenso de Brasília"

  1. Crasnic disse:

    Tenho apenas qunzie anos,mas jc3a1 sei que o PT nc3a3o presta,como um partido pode se denominar partido do trabalhador sendo que sc3b3 roubam os trabalhadores?c389 um partido cheio de pessoas de baixo nc3advel,de carc3a1ter pobre,hipc3b3critas,ladrc3b5es,mentirosos,que sc3b3 estam no poder grac3a7as a ignorc3a2ncia do povo que acredita em tudo que vc3aa na TV.Jc3a1 passou da hora de prenderem nc3a3o sc3b3 petistas como todos os corruptos,fora PT,fora Dilma!

  2. Ruy Pagano disse:

    Absolutamente terríveis estes primeiros momentos pós-eleição.Dilma comporta-se como se tivesse sido derrotada e nunca uma vitoriosa determinada a executar o seu modelo de governança.O que acontece no Brasil com os governos que eventualmente, e após tantas barreiras, vencem o status-quo? Quem fez escola neste particular foi Mestre Lula que, por trás de tanto carisma e identificação com a maior parte do eleitorado, redigiu e assinou aquela vergonhosa “Carta aos Brasileiros” (brasileiros que trabalham em Wall Street, é claro).Pronto.Jurou solenemente se comportar, não ficar inventando Socialismos, Reformas Agrárias, Tributações de Opulentos, Concessões de Rádio e TV, e por aí vai.”Todo mundo lucrou, todo mundo ganhou”, jactava-se posteriormente, como se a história terminasse aí.Agora vem Dilma e trilha o mesmo caminho. Só que Dilma é bem mais “removível”.Mestre FHC já sentenciou: “quase ilegítima”.Quanta bondade, quanta generosidade pelo “quase”.Deve ter se contido, sem dúvida, a bem da sua biografia póstera.Quanto a esta propensão mórbida destes governos brasileiros, ditos progressistas, se borrarem de medo ao assumir o poder, ao contrário do que Shakespeare acreditava, não é a Consciência, mas a Gorilada que “fez de nós todos covardes”. Parabéns, Costa e Silva, Sizeno Sarmento, Garrastazu Medici, Clovis Stenzel, Sergio Fleury! Vocês vivem!

  3. Uma ótima análise. Muito pertinente e vai na contramão do que alguns analistas vem dizendo, na tentativa de apoiar a Dilma. A questão fundamental é enfrentar a profunda desigualdade social e isso leva necessariamente a confrontar interesses oligárquicos, que o Governo, desde o tempo de Lula, jamais fez. Como construir uma força, um movimento forte capaz de fazer isso? Seguramente não é o PT que irá liderá-lo. Mas é o que precisa ser feito.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *