SP sem água, 10 e 11/11 – Da interminável limpeza do Rio Tietê

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Hipótese de recursos federais para obras de Alckmin leva a perguntar: por que, prevista para 2003, despoluição não avançou? Quais as razões para não ouvir sociedade civil sobre crise?

Por Camila Pavanelli de Lorenzi

11/11/14

– No estado cujo governador afirma que não falta água, quarenta pessoas compareceram à CPI da Sabesp na Câmara de SP para dizer que falta água em suas casas (http://bit.ly/1qDeUHv).

– A Sabesp achou importante informar que uma das quarenta pessoas que depôs na Câmara, o presidente da Sociedade de Amigos do Bairro Parque Edu Chaves, é do mesmo partido que o presidente da CPI (http://bit.ly/1qDeUHv).

– Obrigada, Sabesp, o recado foi dado: agora já estamos sabendo que essa CPI é coisa de petralha (ainda que o partido do presidente da CPI seja o PHS).

– E por falar em CPI, por favor acompanhem meu raciocínio um instante. Ontem, comentei que a proposta apresentada por Alckmin ao governo federal não incluía a recuperação florestal e de mananciais (http://bit.ly/10TDv3R), mas isso obviamente não significa que o governo estadual não tenha obras de recuperação ambiental. Vejamos, por exemplo, o caso do Rio Tietê.

– Em 2003, Alckmin prometeu entregar o Rio Tietê limpo e navegável até o segundo semestre de 2004 (http://bit.ly/10Xn1bs).

– Em 2014, Alckmin prometeu entregar o Rio Tietê limpo até 2019 (http://bit.ly/1pP7gPx).

– Ao renovar a promessa este ano, Alckmin disse que houve avanços na despoluição: segundo o governador, a “mancha de poluição” do rio retrocedeu 130km de Barra Bonita para Salto.

– De fato, há bastante poluição no rio na altura de Salto, conforme verificou a repórter Laura Capriglione. Ela esteve em Itu (a menos de 8km de Salto) e viu um rio completamente poluído, “espumando sabões e detergentes” e com as margens cheias de lixo (http://bit.ly/1AXEhxz).

– Não consegui descobrir o quanto a situação do rio melhorou de 2003 para cá na altura de Barra Bonita, mas o presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Tietê afirmou o seguinte em setembro deste ano: “O rio Tietê ainda recebe uma grande carga de poluidora. Existe um grande número de cidades que não tratam os seus esgotos e lançam esse esgoto in natura e esse esgoto, obviamente, causa poluição” (http://glo.bo/1zL5Usa).

– Se um projeto que:

– deveria ter sido concluído há uma década e não o foi;

– permanece em andamento com nova previsão de término para daqui a cinco anos;

– tem investimentos previstos de U$2bi (R$5,1bi) entre 2009 e 2016 (http://bit.ly/10TCUz6) (bem mais, portanto, do que os R$3,5bi pedidos ao governo federal para as obras de infraesturutura);

– apesar de todo esse investimento, não apresentou resultados positivos no ano de 2013 (http://bit.ly/10TCUz6)…

– … se esse projeto não merece ser investigado em uma CPI – com ampla divulgação para a sociedade do quanto foi investido nos últimos dez anos, de onde vieram esses recursos, quais os resultados obtidos, o que funcionou, o que fracassou etc –, então não sei o que merece.

(- Essa CPI teria de ser instaurada preferencialmente na Alesp, já que diz respeito a todo o estado de São Paulo.)

***

– Que mais? O nível de todos os sistemas que abastecem a Grande São Paulo continua caindo (http://bit.ly/1qDeJfl).

– A água que está sendo distribuída em áreas públicas de Itu está contaminada (http://bit.ly/1tEVDpc).

– Diz a Folha: “devido à escassez de chuva, a população de Itu enfrenta racionamento de água” (http://bit.ly/1tEVDpc).

– Pobre São Pedro; depois de tudo o que aprendemos sobre Itu (https://outraspalavras.net/brasil/reportagem-agua-em-itu/), ainda há quem o considere culpado.

10/11/14

– Começo o boletim de hoje com uma notícia que, se não chega a ser boa, sem dúvida é um alento: foi publicada hoje a melhor reportagem já feita sobre a crise da água em Itu (https://outraspalavras.net/brasil/reportagem-agua-em-itu/). Tentarei resumi-la aqui, mas fica minha mais enfática recomendação para que ela seja lida na íntegra:

– O serviço de água e esgoto de Itu foi privatizado em 2007, quando a Águas de Itu venceu a concorrência da Prefeitura prometendo acabar com os problemas de abastecimento enfrentados pela cidade no passado.

– Este ano, em alguns bairros as torneiras já estão secas há 55 dias.

– Apenas após o protesto de 22/09 a Prefeitura e a Águas de Itu anunciaram a construção de uma adutora para trazer água de um rio próximo da cidade – garantindo, assim, o abastecimento de 100 mil dos cerca de 163 mil habitantes de Itu.

– Além disso, foi só na semana passada que a Águas de Itu anunciou o desassoreamento dos reservatórios que abastecem a cidade, o que aumentará sua capacidade de armazenamento em 30%.

– Estas medidas só estão sendo implementadas AGORA. Em janeiro, quando já se sabia que a seca era grave, nada foi feito. Se a construção da adutora tivesse sido iniciada em janeiro, em maio já estaria pronta e os problemas hoje não seriam tão graves.

– São inúmeros os casos de idosos, doentes e crianças sem água em Itu (http://bit.ly/1uriKKM). Para alguns, porém, há água em abundância: a Brasil Kirin, fabricante da cerveja Devassa e outras bebidas, capta 64,25% dos 3,250 bilhões de litros de água que utiliza por ano diretamente dos lençóis freáticos da cidade, através de poços artesianos.

– Tampouco falta água para os moradores de condomínios de luxo da cidade. Para os *moradores*, bem-entendido: a reportagem da Ponte constatou que um funcionário de um desses condomínios, responsável pelos cuidados com a piscina, estava há 22 dias sem água em casa.

(- Pausa para associação livre (1): minha avó sempre me disse que “a gente pode até ser pobre, mas porco jamais”. Segundo ela, pobreza não era desculpa para deixar a casa suja e descuidada: mesmo a pessoa mais pobre tinha condições de manter a casa limpa. Essa lição de vida de minha avó obviamente não vale mais: experimente manter uma casa limpa sem água nas torneiras há 22 dias.)

((- Pausa para associação livre (2): bons tempos aqueles em que se media a riqueza de uma pessoa pela quantidade de objetos que ela era capaz de adquirir: pobre era quem tinha pouco ou nenhum dinheiro para comprar bugigangas, rico era quem tinha dinheiro suficiente para adquirir mais bugigangas do que era capaz de utilizar. A diferença agora, como mostra esta reportagem sobre a privatização da água em Itu, é que a água entrou definitivamente para a categoria de coisas que o dinheiro pode comprar. Próximo item a entrar para essa categoria: o ar – http://bit.ly/10O1nWw.))

– Um último spoiler do texto: já está rolando TRÁFICO DE ÁGUA em Itu. (E tem gente preocupada com o tráfico de maconha.)

***

– Mas a principal notícia de hoje, claro, é a reunião (http://bit.ly/10SPbEi) em que Alckmin propôs ao governo federal a realização de oito obras com efeitos de curto e médio prazo para melhorar o abastecimento de água em São Paulo (muito embora me seja difícil compreender como é possível *melhorar* um sistema de abastecimento que já é perfeito – afinal, segundo o governador, não falta água em São Paulo – vimeo.com/109652047). Deixemos, porém, essa questão retórica de lado; agora é #FocaNaObra

– As obras vão custar caro – R$ 3,5 bi –, mas o governo federal vai ajudar, então tá dibôua (http://bit.ly/1swVxka). A proposta é construir e interligar reservatórios, construir estações de produção de água de reúso e construir poços artesianos.

– As obras de construção e interligação de reservatórios e as estações de produção de água de reúso são obviamente bem-vindas; já sobre os poços artesianos para captar água do aquífero Guarani, há controvérsias (http://bit.ly/146wiQe).

– Comparemos a proposta do governo estadual com a Agenda Mínima (http://aguasp.com.br/#agenda) da Aliança pela Água (http://bit.ly/1ys7U4y), uma coalização de ONGs ambientais que propõe soluções para a crise da água em São Paulo.

– Das 20 ações sugeridas pelas ONGs, apenas UMA foi contemplada pela proposta levada por Alckmin ao Planalto: a construção de estações de água de reúso.

– Destaco quatro ações fundamentais – duas de curto e duas de longo prazo – elencadas pela Aliança pela Água que não foram propostas pelo governo estadual (nem sugeridas pelo governo federal): multa para usos abusivos; ações para grandes consumidores (indústria e agronegócio); recuperação e proteção dos mananciais; recuperação florestal.

– Isto posto, não posso deixar de perguntar: é pedir muito que o governo estadual tenha uma abertura maior à sociedade civil? Em termos práticos: o que impede o governo de estabelecer um diálogo efetivo com essas ONGs (WWF, SOS Mata Atlântica, ISA, dentre outras), que obviamente entendem do assunto e teriam muito a colaborar?

***

– De resto, nada mudou: reservatórios caem (http://bit.ly/1ugQokw); represas sofrem (http://bit.ly/1GJMl5m); bispos oram (http://bit.ly/1oEaioP).

E este foi o boletim de hoje. Pode entrar em pânico que amanhã tem mais.

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