O Quênia e a Revolução do Graffiti

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Em Nairóbi, onde o poder nunca muda de mãos e frequentemente instiga violência étnica, coletivos de jovens veem arte de rua como expressão estética e política 

No Afreaka

Em março de 2013, o Quênia viveu eleições gerais carregadas de tensão. Faltando poucas semanas para o pleito, o povo torcia para que o episódio ocorrido na votação anterior não se repetisse. Em 2008, o continente parou para tentar entender o que ficou conhecido como violências pós-eleição, que depois de um resultado com suspeitas de fraude, culminou em um conflito étnico e na morte de centenas de pessoas. Na época, muitas perguntas ficaram sem retorno e desde então se luta para que suas respostas cheguem aos cidadãos, uma luta que está sendo encabeçada pela arte, sobretudo a de rua. Nos muros da capital, os graffitis assumiram um papel de conscientização política, assumiram o papel de uma revolução.

No começo da madrugada, os gatos da noite se reuniam e coloriam, em algumas horas, uma arte que normalmente demoraria dias para ser constituída. Eram ilustrações que denunciavam a corrupção política, o uso do povo, a compra de votos, os ‘políticos abutres’. Eram graffitis que davam nome aos grandes bois, acusavam os culpados e questionavam, sobretudo, os principais líderes do país. A ideia era fazer com que as pessoas parassem de culpar umas às outras e percebessem que a dimensão do problema não era étnica, mas estava atrelada diretamente à corrupção política. O dia acordava e os muros brancos ganhavam novas caras. A denúncia vinha de dentro da cultura urbana e encontra suava mais refinada expressão nas cores lançadas pelas latas de tinta.

Os poetas do spray são vários e em Nairóbi cada vez mais jovens aderem à arte e à luta, revelando o alento de uma cidade que resolveu não se calar. Entre os artistas, o movimento ficou conhecido como ‘Intervenções Anti-Abutres’, em referência aos políticos que ganhavam com a crise. R., um dos pioneiros da área, explica que depois das eleições um grande branco permeava a compreensão dos acontecimentos. Segundo ele, apesar das muitas notícias e propagandas que eram vinculadas, nada estava direcionado para os jovens. Ainda, as informações relatavam exclusivamente a parte crua da violência, não propondo novas soluções e nem explicando as origens da crise. “Tínhamos que chamar essa obrigação para nós”, ilustrou o artista.

S., também grafiteiro da revolução, critica a longa continuidade do poder no país: “Na nossa geração, sempre escutamos da geração mais velha que seríamos os líderes do amanhã. Mas o amanhã nunca veio e eles continuaram na liderança, mentindo para nós sobre esse futuro”. E, lembrando que no Quênia desde a independência, os mesmos chefes políticos encabeçam o país, continua: “Então pensamos: por que não tomar a liderança ao invés de esperar o amanhã? Por isso tomamos a iniciativa de olhar para frente e parar de reclamar sobre todos os problemas. Decidimos ser a mudança, porque se esperarmos pelo amanhã, ele nunca vem”.

Para os revolucionários culturais, o graffiti faz parte de um processo de conscientização política. Segundo R., que vai aos muros pela liberdade, é uma plataforma que excita as mentes, um novo jeito de se comunicar com os jovens, que tem a nostalgia da arte crua, mas a celebração das novas mídias. “O mundo sempre foi a gente se comunicando pelas paredes: se antes era nas pedras, agora é nos prédios. Para mandar a mensagem certa, é preciso apenas uma causa forte”.

Como estilo de Nairóbi, ambos os grafiteiros resumem como “Urbano Étnico” ou “Fusão Afro Urbana”, que se caracterizaria nas representações de África, com impressões diferentes, traços espessos, sombreamento com highlights e grafismos fortes que escapam do estilo “wild” e do wavy abstrato e vão mais direto ao ponto, relacionando a arte com o ambiente e com a cultura. Trabalha-se muito com personagens, máscaras, joalheria e cores vibrantes – tudo à africana.

Não é a primeira vez que a cidade ganha destaque na área. No começo do novo milênio, os artistas criaram um estilo, que se tornou marca da capital. Os graffitis das matatus, nome local dado às vans e ônibus pequenos, responsáveis pelo transporte público no país. As ruas da capital eram telas de cores em movimento até 2006, quando a pintura foi banida pelo ministério dos transportes para que o serviço fosse uniformizado.

Os graffitis não sumiram apenas das vans. Dezenas das pinturas realizadas pelas ‘Intervenções Abutres’ foram apagadas. Mas os artistas não se preocupam: “acreditamos ter atingido nosso objetivo. As pessoas estão cientes hoje do que estava acontecendo e estão tentando tomar ações agora. E há mais por vir. Alguns mais duros, outros mais suaves, mas acharemos um meio de mandar a mensagem!” , conta R. Não haverá tinta branca suficiente para conter as denúncias dos revolucionários de Nairóbi.

O vídeo abaixo não trata de uma intervenção Anti-Abutre e não está relacionado diretamente com a matéria. Trata-se da composição de uma obra artística pessoal e está sendo utilizada pelo Afreaka apenas para ilustrar o estilo ‘Urbano Étnico’ ou ‘Fusão Afro Urbana’ de Nairóbi.

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