Vigilância global: Casa Branca isola-se mais um pouco

Legenda imagem: Edward Snowden com prêmio Sam Adams de integridade em inteligência, com ex-funcionários do governo dos EUA Coleen Rowley, Thomas Drake, Jesselyn Raddack, Ray McGovern, e Sarah Harrison do Wikileaks. Fotografia: Sol Imprensa / Getty Images

Edward Snowden ao lado ex-funcionários do governo dos EUA Coleen Rowley (ex-FBI), Thomas Drake (ex-NSA), Jesselyn Raddack, Sarah Harrison do Wikileaks e Ray McGovern (ex-CIA).

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Antigos funcionários na inteligência norte-americana premiam Snowden em Moscou. Comitê para Proteção de Jornalistas compara Obama a Nixon

Por Cauê Seignemartin Ameni

Sumido desde agosto, após despistar o governo norte-americano e conseguir asilo político na Rússia, o ex-analista de sistema da Agência Nacional de Segurança (NSA), Edward Snowden reapareceu quarta-feira passada (09/10) em cerimônia organizada por ex-agentes da inteligência norte-americana, críticos assíduos da vigilância estatal.

Responsável por revelar o maior esquema de espionagem em massa da história, Snowden recebeu o prêmio Sam Adams Awards, oferecido pela associação Sam Adams Associates for Integrity in Intelligence. A associação reúne agentes aposentados da segurança nacional norte-americana e premia, anualmente, profissionais do serviço de inteligência que tenham se distinguido pela integridade ética. Uma comissão composta por Ray McGovern, ex-analista da Agência Central de Inteligência (CIA); Coleen Rowley, ex-agente do FBI; Jesselyn Radack, ex-autoridade no Departamento de Justiça; e Thomas Drake, ex-alto funcionário da NSA, se deslocou dos Estados Unidos à Rússia para homenagear o mais novo inconfidente. Uma ironia: o país é presidido pelo ex-espião do KGB, polícia secreta da antiga União Soviética, Vladimir Putin.

Vídeos do encontro foram postados no portal do Wikileaks, na madrugada do sábado (12/10). Neles, o ex-analista foragido, acusado pela corte norte-americana de violar a Lei de Espionagem, em vigor desde 1917, no final da Primeira Guerra Mundial, voltou a apontar a hipocrisia do governo, que insiste em perseguir “alguém que diz a verdade”, enquanto se “nega a processar altos funcionários que mentiram ao Congresso e ao país”.

Com clareza política, o jovem esmiuçou a falta de transparência do governo: “é uma tendência que se verifica na relação entre governantes e governados, nos Estados Unidos, e cada vez mais conflitante com o que espera um povo livre e democrático. Se não podemos entender as políticas e programas do nosso governo, não podemos dar consentimento para sua regulação”.

Snowden deixou claras as diferenças entre a legalidade das instituições e a ilegalidade praticada por elas: “existe um grande abismo entre os programas legais, a espionagem legítima, a polícia legítima, e um tipo de vigilância em massa que, sem necessidade, põe toda a população sob a vigilância de um grande olho que vê tudo”.

O prêmio, que em 2010 foi dado ao Wikileaks e Julian Assange, leva o nome de Samuel A. Adams, ex-analista da CIA reconhecido por acusar oficiais militares da Guerra do Vietnã de subestimar, com fins políticos, a força do inimigo. A ex-agente Collen Rowley, presente na cerimônia, foi a primeira a ser premiada, em 2002, por denunciar o descaso das agências de segurança na investigação de evidências sobre o planejamento do ataque de 11/09/2001.

O ex-agente da NSA Thomas Drake, quarto whisteblower na história dos EUA, conseguiu em 2011, após intensa briga judicial, fazer com que o governo retirasse as principais acusações contra ele. Ao depor semana retrasada no Comitê de Liberdades Civis, Justiça e Assuntos Internos do Parlamento Europeu, acusou os Estados Unidos de utilizar o manual da Stasi, antiga polícia secreta da Alemanha Oriental, como modelo para seu próprio regime de vigilância patrocinado pelo Estado.

Barack Obama, Francois Hollande

De mal a pior

Enquanto isso, no outro lado do Pacífico, Obama continua recebendo duras criticas. O Comitê para Proteção de Jornalistas (CPJ) apontou, em relatório apresentado na quinta-feira (10/10), a crescente ameaça à liberdade de imprensa no país. Nele, o relator Leonard Downie Jr, ex-diretor executivo do Washington Post, afirma que “a guerra do governo aos vazamentos e outros esforços para controlar as informações são os mais agressivos desde a administração Richard Nixon, quando eu era um dos editores envolvidos na investigação do caso Watergate no Washington Post”. O documento cita declarações de profissionais importantes do The New York Times (NYT), maior jornal do país, como a do repórter de segurança nacional, Scott Shane, quando afirma que as fontes estão “morrendo de medo.”

De acordo com o relatório, houve apenas três processos desse tipo em todas as administrações dos EUA anteriores a Obama. Sob o democrata, porém, seis funcionários do governo e dois prestadores de serviços, incluindo Edward Snowden, já foram alvo de processos criminais pela Lei de Espionagem, e ainda há investigações sobre vazamentos em andamento. Para James Goodale, advogado geral do NYT durante as lutas épicas contra a administração Nixon, “Obama vai passar Richard Nixon como o pior presidente em questões de segurança nacional e liberdade de imprensa”.

O relatório observa a ironia de Obama ter prometido, em campanha, inaugurar a administração mais transparente jamais vista. Pelo contrário, lembra Glenn Greenwald, repórter investigativo do The Guardian. “Em 2006, quando eu estava escrevendo a respeito dos ataques do governo Bush à liberdade de imprensa, o foco estava em meras ameaças, gerando revolta entre vozes progressistas. Com esse relatório [do Comitê para Proteção de Jornalistas], passamos da esfera das meras ameaças a uma realidade inegável – e o silêncio é tão ensurdecedor quanto é claro o perigo”.

Nessa questão, assim como nos infelizes ataques de drones no Oriente Médio, parece que, de Bush a Obama, tudo mudou para continuar igual – ou ainda pior.

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Um comentario para "Vigilância global: Casa Branca isola-se mais um pouco"

  1. josé mário ferraz disse:

    O descontentamento contra a situação atual mal está começando. A morte de Bin Laden em nada evitará que o povo religioso dos Estados Unidos continue a pagar elevado preço por apoiar governos que massacram mundo afora quem quer que tenha o que eles querem. É contra-senso esperar que as massas trabalhadoras por mais enganadas que sejam permanecerão apenas contemplando as imensas riquezas por elas produzidas serem utilizdas por apenas alguns gatos pingados tão inocentes que fazem questão de demonstrar as montanhas de dinheiro que possuem na revista Forbes.

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