Numerosa: primeira rapper brasileira apresenta canções de novo CD

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De Zumbi dos Palmares às condições de vida da mulher da periferia, Sharylaine canta músicas que marcaram seus 27 anos de carreira e canções de seu novo CD, Soul Soul

Por Júlia Matravolgyi e Gabriel Salgado

O show está quase terminando, mas Sharylaine não deixa a plateia ficar parada e pede que todos deem “uma ajudinha” no refrão. É fácil: basta repetir a sequência ritmada: “se renova – vitoriosa – generosa – numerosa”. Essas palavras, baseadas na vida da trabalhadora descrita na canção, não estão na música à toa. Pelo contrário, referências semelhantes costumam fazer parte das composições da MC, que se apresentou ao lado das rappers cubanas Las Krudas na última quinta-feira (29/08), no Centro Cultural da Penha – durante o 3º Encontro Estéticas das Periferias.

Sharylaine é, de fato, numerosa. Pioneira do rap feminino brasileiro, ela compõe, canta e produz há 27 anos e se utiliza da prática de “conselheira” como inspiração para suas criações. “Na minha família e entre os meus amigos, sempre fui aquela que os outros procuram para pedir conselhos”, conta. Sabendo que os mesmos conselhos que dava (para aflições sobre questões de gênero, raciais e casos como gravidez na adolescência, por exemplo) poderiam servir a muitas outras pessoas, a MC viu na música uma oportunidade de transmitir sua mensagem. Ela iniciou sua carreira no hip hop em 1986, formou o primeiro grupo de rap feminino no Brasil, o Rap Girls, e integra o Fórum Nacional de Mulheres do Hip Hop.

A cantora não foge da responsabilidade inerente à função do MC, o Mestre de Cerimônias: levar um recado ao público. “A importância de ser rapper é a de realmente mandar uma mensagem. A festa é a sonoridade, mas o conteúdo é o mais importante”, ressalta a cantora. “Quando você está com o microfone, tem um poder muito forte”. Ajudada pela backing vocal Vanessa Gonzaga, pelo DJ Zulu e com participações da b-girl Potira, Sharylaine fez um show animado, com batidas envolventes e letras francas.

Suas composições falam de feminismo, de luta e de generosidade, sem esquecer das fortes referências às reivindicações e à valorização da identidade negra. Já na primeira música de seu show Zumbi dos Palmares, a rapper entra ao palco com uma túnica de estampas africanas e, por meio da letra, reforça: “a inspiração de luta de um povo que espera uma igualdade; uma hora de marcar sua existência; que deverá marcar data importante; para justificar a memória nacional que ainda tenta te matar neste país que ainda hoje te renega”.

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Após o término de sua apresentação, a MC explica que muitos motivos a levam a acreditar que as coisas no Brasil não deveriam ser como são hoje em dia. “Não dá para ignorar o que está acontecendo à minha volta e, caminhando no hip hop, falar delas se tornou uma prioridade na minha vida”, diz. Conta então sobre sua formação pelo movimento negro, quando conheceu a história dos líderes negros que não são incluídos no currículo educacional – fundamentado na história europeia.

O mercado continua masculino. Além de ressaltar em suas músicas a defesa dos direitos das mulheres, Sharylaine destaca a reserva do mercado para os rappers homens. “Tenho brigado o tempo todo pela inserção da mulher no cenário da música. Existe uma meia dúzia de mulheres que explodem e o restante fica na margem. E no hip hop essa separação é ainda mais forte. Em 1993, quando eu já fazia rap há sete anos, a presença da mulher ainda era considerada uma novidade – e isso se mantém até hoje. O foco se mantém na figura masculina”, argumenta.

Sharylaine acaba de lançar o CD Soul Soul, uma coletânea das principais canções de sua carreira e, ao mesmo tempo, uma tentativa de responder às transformações do mercado fonográfico. “Meu desafio é manter essa originalidade que é minha, natural, fruto do conhecimento que eu tenho. E também entrar nesse novo pique, esse novo momento”. Se a animação da plateia durante sua apresentação servir como termômetro, a cantora continua no caminho certo – não demorou para que as cadeiras do auditório ficassem vazias e grupinhos se formassem para dançar e cantar nas laterais das fileiras.

Veja neste link o clipe da música Livre no Mundo, de Sharylaine

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