Um terreno, uma luta e dois projetos de cidade

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No centro de São Paulo, dois quarteirões de Mata Atlântica podem virar concreto. Movimentos resistem, propõem alternativa e cobram ação imediata da Prefeitura e do Judiciário

Por Bruna Bernacchio

Jacarandás, seringueiras, ipês, entre outras espécies nativas, inclusive em extinção, se erguem num terreno de 25 mil metros quadrados na rua Augusta, entre a Caio Prado e a Marquês de Paranaguá [vizinho da redação Outras Palavras]. Um dos últimos pulmões da região Paulista-Consolação, que abrigou, de 1907 a 1969, o colégio feminino de elite Des Oiseaux. O proprietário atual, Armando Conde, 81, ex-banqueiro do BCN, quer derrubar a mata para construir duas torres, mais duas em meio a tantas ali. Os paulistanos resistem, pressionando o poder público para transformar a área num parque municipal.

Os grupos Sociedade Amigos do Bairro de Cerqueira César (Samorcc) e Aliados do Parque Augusta têm em quem se inspirar, em sua luta para preservar o que restou ali de Mata Atlântica, contra a especulação imobiliária. Este ano, moradores da Vila Ema, mobilizados, conseguiram a desapropriação de rara área verde na região para a criação de um parque. Grupos culturais continuam lutando pela preservação do edifício do Cine Belas Artes. E vale recordar: enquanto no Brasil a população se inflamava nas jornadas de junho, na Turquia os protestos gerados pela tentativa de destruir uma área verde e erguer um shopping na praça Taksim, de Istambul, transformaram-se numa rebelião nacional contra o primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan.

“O movimento não é mais local, já se ampliou pela cidade”, considera o morador Fábio Canova, do movimento Aliados do Parque. “Várias pessoas de outros bairros estiveram presentes na manifestação de ontem [18.08]”. Graças à luta desses grupos, o ex-prefeito Gilberto Kassab assinou em 2008 o Decreto de Utilidade Pública (DUS) 49.922, autorizando a desapropriação do imóvel para criação do Parque, até a data-limite de 18 de agosto. Mas não assumiu o custo da desapropriação, então de 55 milhões de reais, deixando a bomba para o sucessor. O ato do ex-prefeito resultou também de um abaixo-assinado com mais de 10 mil assinaturas e do Projeto de Lei 1144/08 para a criação do Parque. Protocolado em 2006 pelos vereadores Aurélio Nomura e Juscelino Gadelha, o PL foi aprovado por unanimidade em primeira votação na Câmara Municipal, em abril de 2012, mas falta a segunda, sem data prevista. Se aprovado, vai para sanção do prefeito.

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Fernando Haddad decepcionou ao afirmar, em encontro com vereadores da Frente Parlamentar Pela Sustentabilidade, que não há dinheiro e, se houvesse, “usaria essa verba para fazer mais creches”. Mas bastaria uma pequena parcela dos recursos economizados com a suspensão de dois projetos voltados ao transporte individual, que Haddad herdou das administrações anteriores – os túneis ligando a Avenida Jornalista Roberto Marinho à Rodovia dos Imigrantes, e a Sena Madureira à Ricardo Jafet, ambos na Zona Sul, num total superior a 2,5 bilhões de reais – para bancar a desapropriação. E ainda sobraria muito dinheiro para as tão necessárias creches.

A urbanista Raquel Rolnik, em seu blog, afirma que a desapropriação – paga pela população – não é a única saída. Sugere que “outros instrumentos urbanísticos podem e devem ser usados em casos como este” e que o Plano Diretor – cuja proposta revista será apresentada nesta segunda, 19, e no qual estava antes previsto o projeto do Parque Augusta – é uma maneira de estabelecer esses instrumentos.

Além dessas, haveria ainda outras possíveis saídas. Para Fábio Canova, a Prefeitura poderia, em troca do terreno, oferecer áreas vazias do governo municipal para a construtora executar seu projeto. Também seria possível investir a verba de outorgas onerosas já efetivadas em construções da região. Outorgas Onerosas são exceções à lei de zoneamento, pelas quais se paga ao município uma compensação. “Isso foi muito utilizado nessa área”, diz Fabio. Segundo a Prefeitura, a verba da Outorga Onerosa vai para um Fundo Municipal de Urbanização – FUNDURB –, utilizado na implantação de melhorias na cidade. Essa possível fonte de recursos foi também citada pelo vereador Nabil Bonduki.

O ex-banqueiro Armando Conde declarou que, diante do vencimento do Decreto no domingo, 18 de agosto, começaria na segunda-feira a levantar, junto com as incorporadoras Setin e Cyrela, as duas torres, de 30 andares cada, que ocupariam 18% do terreno, mas que apenas 10 mil dos 25 mil metros quadrados seriam preservados e transformados em parque. Segundo Fábio, contudo, há no Departamento Jurídico da Prefeitura uma discussão sobre a validade do Decreto, que em 2012 teria sido estendida até 2017.

Questionada, a assessoria de imprensa da Secretaria do Verde e do Meio ambiente afirmou que o Decreto expirou mesmo dia 18. Haveria apenas um senão: por ser o terreno tombado desde 2004 por resolução do Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo), o empreendimento precisaria de autorização do órgão, além de Licença de Execução de Obras do Departamento de Aprovação de Edificações (Aprov), da Secretaria Municipal de Habitação.

Reportagem de 2012 sugere que o Conpresp já fez essa avaliação e aprovou a construção não só de duas, mas de três torres. Ao ser questionado, o órgão confirmou a existência de um processo em análise, de regime particular – ou seja, o documento não é público. Afirmou não haver informação sobre construções no terreno no documento, mas um pedido para a resolução de 2004 ser alterada – ou seja, deixe de ser tombado.

Diante disso, o Aliados do Parque entrou com duas ações populares de medida liminar (aqui, um dos documentos), para o caso de a renovação do Decreto não ter sido, de fato, efetivada. Nelas se exige, primeiro, que a Prefeitura leve adiante o processo de desapropriação; e segundo, que a Câmara Municipal vote o PL “em regime de urgência”. Também continuam indo às ruas. No último final de semana foi realizado no local mutirão de limpeza e plantio, sarau musical, oficina de stencil, além de manifestações na Av. Paulista. Ativistas afirmam que acamparão em meio às árvores, se preciso for.

Nesta segunda, 19, às 9h, a Samorcc se reuniu com o subprefeito da Sé, Marcos Barreto, e solicitou audiência pública com Haddad. Também convidou o prefeito a conhecer pessoalmente a área do parque. “Foi exposto que a atual gestão tem demonstrado falta de preocupação com o verde, tendo inclusive retrocedido em algumas conquistas. E que isso é péssimo para um gestor público”, disse Sérgio Carrera, também morador da região. Ficou marcada uma manifestação para 19 de setembro, chamada Parque Augusta Clariô: Acorda Prefeito.

O blog “Quando a cidade era mais gentil” traz reportagens de 1973 nas quais se informa que a Prefeitura, através de Decreto 10.766, de 7 de dezembro de 1973, revogou declaração anterior de utilidade pública, desta e de outras áreas verdes; e que, mesmo antes disso, o grupo empresarial japonês Teijin tinha para a área um projeto de hotel internacional, com 50 andares e 1.200 apartamentos, prometendo – como agora – preservar a vegetação. Mais importante: já naquela época os paulistanos queriam a criação de um parque. Quarenta anos depois, a população não desistiu. E não vai ceder, ao que tudo indica, até que as próximas gerações tenham na Augusta um de seus parques municipais

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