Um novo feminismo na Marcha das Vadias?

 

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Manifestações espalharam-se pelo país e chegam ao Rio dia 27. Sua  pauta, que valoriza liberdade sexual, representará um passo a mais na luta por igualdade de gêneros?

Por Anna Carolina Iunes

Uma saia curta não é convite para estupro, um corpo bonito não é motivo para cantadas grosseiras. Segundo dados da ONU, aproximadamente uma em cada cinco mulheres será vítima de estupro ou tentativa de estupro no decorrer da vida. O número de assédios sexuais está ligado à cultura machista e patriarcal que promove o pensamento da mulher como alguém inferior – além de fomentar ideias como a não liberdade sexual ou a criminalização do aborto. O movimento feminista tem o papel de desconstrução do comportamento sexista, com o objetivo de uma vivência mais igualitária. Apesar de ter raízes no século XIX, o feminismo teve seu ápice nas décadas de 1960 e 70, e agora retorna com movimentos por todo o mundo, tendo a “Marcha das Vadias” como um deles.

“Se ser livre é ser vadia, então eu sou vadia” – uma fala impactante, e que carrega um grito por liberdade e igualdade. A declaração é uma resposta: em janeiro de 2011, na Universidade de Toronto, Canadá, o policial Michael Sanguinetti, ao falar sobre abusos sexuais, comentou “as mulheres deviam evitar se vestir como vadias, para não serem vítimas”. O argumento de Sanguinetti teve repercussão mundial e como reação surgiu a “Marcha das Vadias”. O movimento se espalhou no mundo e por todo o Brasil. No caso do Rio de Janeiro, a Marcha, que ocorre em Copacabana, reuniu 300 pessoas em 2011 e cerca de 500 em 2012, segundo a Polícia Militar.

Não há líder, partido e nem um centro organizacional. As reuniões são feitas regularmente em locais diversos: a sala de uma faculdade, uma praça ou, até mesmo, um bar. São divididas comissões – segurança, comunicação, artes e manifesto – assim, há divisão de tarefas sem hierarquização de poder. É um movimento aberto – abarca pessoas de todas as cores, sexualidades e gêneros. Qualquer um pode participar da parte organizacional e da marcha em si, o contato é feito através da página online. No Rio de Janeiro, ocorrerá, este ano, em 27 de Julho e a expectativa da organização é que aumente o número de pessoas.

Ana Carolina Brandão, 24 anos, formada em Direito pela UFF, faz parte do movimento desde 2011 e vê a Marcha como uma responsável por renovar e ampliar o feminismo. Atualmente, luta-se pela laicidade do estado, regulamentação da prostituição, legalização do aborto, descriminalização de gênero e por mais liberdade sexual do indivíduo, sobretudo da mulher que é moralmente julgada quando exerce sua sexualidade livremente. De Aracaju, Bárbara Moura, 24 anos, explicou que a Marcha desse ano ocorrerá no mesmo dia e local da peregrinação de fiéis católicos pela Jornada Mundial da Juventude (JMJ), e afirma não ser uma provocação: “A Jornada tem objetivos contrários ao nosso movimento. Eles pretendem distribuir fetos de plástico e desconstruir toda uma luta pela descriminalização do aborto.”.

A Marcha vive, constantemente, um combate ideológico. O termo “vadia” assusta à primeira vista e muitos acabam por não compreender a verdadeira motivação ideológica. Tobias Abdalla, aluno da PUC-Rio, fortemente católico e não ligado aos ideais feministas, pensa como um movimento de prostituas e travestis que apenas ambiciona o fim da violência com os mesmos e almeja o nudismo como uma prática livre. Há também fortes setores com pensamentos opostos: como a Frente Parlamentar Evangélica ou a Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) presidida pelo pastor, abertamente homofóbico e racista, Marco Feliciano. O movimento tornou-se um espaço de fala, de argumentação com os ideais machistas tão intrínsecos e reafirmados, o tempo todo, na sociedade. É como define Gabriela da Fonseca, 25 anos, estudante de História pela UFF e integrante da Marcha: “Vivemos pequenas violências diariamente que não nos deixam ser plenas. A Marcha das Vadias é onde podemos reivindicar nossos direitos e expor nossos pensamentos.”.

A Marcha do Rio de Janeiro conta com o apoio do movimento de outras cidades próximas: Viviane Faria pesquisadora de 36 anos, veio da Marcha da Baixada Fluminense, canta letras de funk que ela mesma compôs, sempre colocando o papel da mulher em foco; vê o funk como uma forte manifestação cultural de ideais feministas – mal elaborados, muitas vezes.

Além da presença de outras cidades, há também, na Marcha carioca, a expressão da luta de transexuais e prostitutas por direitos iguais e respeito. Indianara Siqueira, transexual de 42 anos e prostituta por opção desde os 18, é símbolo dessa luta; foi a responsável pelo fim da “cafetinagem” em Copacabana, diminuindo a exploração de mulheres no local. Indianara já morou na Europa e foi presa na França por ter dado abrigo a prostitutas que estavam em regime desumano de trabalho. Hoje se dedica à regulamentação da prostituição.

O movimento cresce, e cresce junto dele a conscientização. A Marcha é um ícone do feminismo atual: pretende muito mais do que só queimar sutiã em público: empenhar-se para construir — e conquistar — uma vivência igualitária de direitos e condições de vida.

Anna Carolina Iunes estuda cinema na PUC-Rio.

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8 comentários para "Um novo feminismo na Marcha das Vadias?"

  1. Daniel Pereira disse:

    Cultura do estupro? Não fala isso senão os tarados vão querer receber dinheiro da Rouanet kkkkk

  2. Andrea disse:

    excelente, fico muito grata de que se concedam respostas assim com tanta clareza sobre essa questão das mulheres pelo qual eu nem sempre concordo. São muitos os feminismos, grande parte deles pouco sabe debater e praticar-se como tal.
    A questão das mulheres, na minha opinião, é, afinal, questão sobre a condição humana que, desde os princípios do frágil elo que chamamos humanidade, vem justificando viciosamente suas atrocidades por discursos ditos racionais. Discursos que não passam de molduras de uma suposta lógica que busca embelezar, pelos silogismos e moralismos dos confusos e absurdos, as pulsões crueis (aí eu não sei se essas advém da característica animal ou da humana, como não sei se o amor é também um caminho só dessa suposta bifurcação vias que somos). A crueldade para mim é mais do que um adjetivo, sei lá, é como se fosse uma coisa substantiva que possuimos afim de que se esqueça sobre a solidão e o inominável de existir, é a tal da “propaganda” que nos resume a posses e a outros que nos espelham e nos nutrem pelo “ter” o nosso “ser”. A unica forma de anular o cruel em nós é pelo amor e pelo aprendizado de que só temos uma vida, um corpo e, me desculpa se isso soar muito louco ou segregacionista, simplesmente não somos todos iguais entre tantas meras semelhanças.
    obrigada, boa noite : )

  3. BF disse:

    Augusto, você tem noção do que fala?
    Está comparando o corpo de seres humanos com produtos vendidos numa loja?
    E mesmo que tivessem igual valor, em algum momento o quebra quebra das mulheres estaria correto? Talvez ele ocorresse, talvez não; mas continuaria muito errado, continuaria crime e atitude eticamente reprovável.
    Você, com esse argumento, mostra que definitivamente não entendeu a alma do negócio. Um ser humano tem a liberdade do ir e vir, vestido como bem quer, e ninguém tem o DIREITO de agredir essa pessoa por isso. Obviamente contamos com o bom senso das pessoas, pois afinal, a maioria de nós, seja por cultura ou sei la o que, não nos sentimos muito confortável se alguém andar pelado na rua, certo? Mas se alguém está minimamente vestido, quem é você ou qualquer outro para cair em cima? Mesmo que não estivesse vestido, cabe a você ser o “correto” da história e se aguentar pro seu lado. Vale acrescentar que estupros e outras violências ocorrem mesmo em países onde mulheres usam burcas, mesmo com mulheres que usem calça e camisa longas, mesmo com mulheres que se acham em paz entre amigos supostamente confiáveis. Cantadas fora de hora, reclamações e outros tipos de humilhação ocorrem mesmo se uma mulher usar a roupa mais composta do mundo. Ou seja, a roupa é uma desculpa ESFARRAPADA para o comportamento antiético de alguns, para a irresponsabilidade e machismo cruéis.
    Além disso! Já parou pra pensar que esse seu pensamento denigre a imagem dos homens? Vamos por um momento considerar o que você fala como verdadeiro em suas consequências: um homem não poder ver uma mulher com saia muito curta que vai a loucura e TEM que fazer o ‘quebra-quebra”… Não acha que isso torna o homem muito animalesco, irracional e, portanto, incapaz de viver em sociedade civilizada? Pois bem, eu não acredito que os homens sejam assim (bem como as mulheres), e espero que o senhor não faça parte daquela porcentagem de potenciais criminosos que fogem dessa normalidade humana…

  4. Luís Henrique disse:

    “Segundo dados da ONU, aproximadamente uma em cada cinco mulheres será vítima de estupro ou tentativa de estupro no decorrer da vida.”
    Vejo com alguma freqüência estatísticas assustadoras como essa, mas raramente com indicação fidedigna de fonte. A ONU diz mesmo isso? Tem um link?

  5. Augusto disse:

    Primeira frase do texto acima: “Uma saia curta não é convite para estupro,…”
    Comparativo polêmico:
    Imaginem voces, mulheres, que a TV exiba durante algum tempo (1, 2 semanas), no horário nobre, publicidade de uma determinada loja que vai promover, numa determinada data, uma liquidação a preço de banana de sapatos femininos de grife. No dia “D”, um monte de freguesas, que acordou (“acordou” pq o sujeito é “monte”) cedo, estará acampado (mesma coisa: sujeito é “monte”) em frente à loja esperando a abertura das portas. Às 10 em ponto, chega um funcionário e avisa que a liquidação anunciada não vai ocorrer porque a publicidade na TV fazia parte de um estudo (encomendado pela Universidade X) de comportamento das massas.
    a) vai haver quebra-quebra?
    b) as freguesas retornaram aos seus lares pacificamente?
    Moral da estória: se não vai disponibilizar o “produto”, não faça publicidade.

  6. Suzana Cristina Lourenço disse:

    Discordo com o início da matéria: “Sua pauta, que valoriza liberdade sexual, representará um passo a mais na luta por igualdade de gêneros?”. A pauta da MdV é a não violência, em nenhum dos seus tipos (psicológica, física, etc), à mulher. É o repúdio à cultura do estupro.

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