Entrevistamos Criolo na abertura de “Estéticas das Periferias”

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Rapper fez samba com Kiko Dinucci e Rodrigo Campos — e iniciou sequência de shows e seminário que se estende até o fim do mês, em São Paulo  

por JR Penteado e Taís Capelini

O encontro dos amigos Criolo, Kiko Dinucci e Rodrigo Campos, no Centro Cultural da Juventude Ruth Cardoso, na Vila Nova Cachoeirinha,  Zona Norte de São Paulo, abre em grande estilo o evento Estéticas das Periferias.  Logo na entrada uma placa avisava: ingressos esgotados. A capacidade era para 200 pessoas, mas alguém especulou ter ali “umas 300 ou mais”. Os artistas entram, recebem as palmas, são ovacionados. Em clima de camaradagem os artistas que dividiam o palco convidam a plateia a sentar. Com o público literalmente no chão, no instante imediatamente anterior ao início do show, Criolo pede: “Por favor, guardemos qualquer ruído, qualquer barulho dentro de nossa mente. Para que não atrapalhe.” Um pedido sabidamente impossível de ser atendido: o público cantava junto o tempo todo, assobiava, fazia comentários.

O show seguiu nessa linha intimista, como quem está no quintal de casa vendo os amigos tocando samba bom. O público divide esse encontro, participa, interage, ri com o humor caricato de Kiko Dinucci, se emociona com as letras fortes do Criolo,  é embalado pelo cavaquinho afiado de Rodrigo Campos e se entrega ao swing dos outros dois percussionistas que dividem o  palco.

Criolo vem do Grajaú, Kiko Dinucci de Guarulhos e Rodrigo Campos de São Mateus. São as periferias reunidas no palco, projetadas em três pessoas que constroem e descontroem estéticas como dever de ofício. O show tem início com Linha de Frente, faixa última do reverenciado álbum Nó na Orelha, conhecida e cantada pela maioria – fato que não vai se repetir muito na noite. Canta-se: “O nó da tua orelha ainda dói em mim / E Cebolinha mandou avisar / Que quando a fleguesa chegar / muitos pãezinhos há de degustar”.

O show é um show de samba, uma das mais antigas expressões a romper o perímetro da periferia e a se expandir pelo centro, tal qual a capoeira, o futebol, o rap e tantas outras expressões que saem desse cenário cultural. Kiko Dinucci gosta de interagir com a plateia. Anuncia sua música Depressão Periférica, com menção às aulas de geografia conta o drama de ser trocado por um rapaz da Vila Madalena. Em sua Lesbian Choro, pede para que todos gemamos juntos, em uníssono, ao ritmo da música. Todos gememos e alguém anuncia que gozou. Rodrigo Campos  joga detalhes de seu cotidiano em suas Rua Três e Fim da Cidade. Ora no cavaquinho, ora no violão, ele canta seu bairro, São Mateus, e diz ter se inspirado no irmão motorista de ônibus que corta a cidade na sua lotação que parece flutuar pelo asfalto.

Já quase no fim do show, é hora do Criolo mostrar sua nova composição: “Casa de Mãe”, que é uma música excelente, com a qual entre umas brincadeiras e outras, Criolo problematiza a questão da moradia  no Brasil e o antigo sonho da casa própria. É uma música de Criolo e que supostamente fecha o show. Mas depois da saidinha protocolar, dos gritos de bis, e da volta eles ainda cantam mais três músicas. Numa delas, Criolo se arrisca no violão. Diz que não sabe tocar e que justamente por essa razão  fez uma música para esse instrumento; e questiona: “o tema é estéticas não é?”. E na sua estética  particular, dedilhando as cordas, sem acordes, Criolo canta um desabafo.

Então, tem-se início a série de reivindicações: “Mariô!”, “Toca Mariô!”, “Mariôôôôôô!”. Pedem pela música que Criolo e Kiko Dinucci assinaram juntos, localizada na quarta faixa de Nó de Orelha. Danucci dá o aval, o público se levanta e faz coro àquela música-encontro.

Finda a música, findo o show. Começa as Estéticas das Periferias.

Sejam bem vindos à “virada das quebradas”.

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Antes do show, houve uma entrevista rápida com o Criolo que em poucas frases, mostra sua personalidade contudente. Confira as principais abordagens:

Como você definiria uma estética da periferia? Existe essa estética particular?

“Definir é restringir. Então não estou a fim de segregar. Vai do olhar de cada um. É impossível definir uma estética da periferia ou algumas estéticas das periferias, se tiver 1 milhão de pessoas morando na periferia, cada uma vai ter um olhar. Se você tiver pessoas que acreditam que não moram em periferia, você também vai ter outro olhar.” “Eu não olho porque faço parte. Sou muito pequeno pra fazer leitura.”

A periferia é segredada em diferentes níveis seja social, economico ou cultural. Mas, muitos grupos têm lutado para reverter esse processo. Hoje se fazem ouvir e ser vistos e revelam um outro circuito cultural, que vai além dos guias culturais da grande imprensa. Como você vê o papel da arte, em suas diferentes linguagens, nesse processo?

“Como definir algo tão gigantesco que é o ser-humano e sua potência? Mudamos as formas de ver as coisas de 5 em 5 minutos; ou de uma geração pra outra. Nós somos um processo de auto-construção eterna. [A arte] é uma energia de continuar fazendo o que faço. De compor por uma necessidade visceral, animal. O importante de compor é porque senão eu vou ter uma parada cardíaca. É como se negasse água para qualquer pessoa.”

Emicida afirmou certa vez que os Racionais MCs  foram mais longe que quaisquer medidas do governo de valorização  étnico e cultural. O que você acha a respeito? ¹

“Eu não falo de mestres. Mestres eu ovaciono, mestres eu tiro o chapéu. Esses homens, assim como tantos outros nomes de grandes compositores e músicos de nosso Brasil, eles têm uma importância consistente, legítima. Não cabe a mim tentar um vulto de achar que consigo descrever a importância da presença de alguns seres no processo de vivência de toda uma geração. É sempre muito mais do que se tenta definir”.

¹- Afirmação da entrevista de Pedro Alexandre Sanches com Emicida – www.farofafa.com.br/2012/05/13/emicida-e-a-policia-o-dedo-encontra-a-ferida/4984

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4 comentários para "Entrevistamos Criolo na abertura de “Estéticas das Periferias”"

  1. Les Criolês disse:

    Criolo sempre muito sensato e com posicionamentos bem fundamentados.

  2. …bah! tudo de bom! 🙂

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