Ambiente: Bolívia consulta índios sobre estrada

A consulta na comunidade de San Miguelito

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Um plebiscito incomum ouvirá 69 comunidades antes de uma decisão final sobre obra no parque nacional conhecido por Tipnis

Por Antonio Martins

A imprensa comercial noticiou com alarido, no ano passado, a marcha indígena que percorreu a Bolívia para protestar contra a construção de uma rodovia no interior de Tipnis — o Território Isiboro-Sécure e Parque Nacional Indígena. Seria um sinal de que o presidente Evo Morales abandonou suas origens e compromissos de campanha. Mas há silêncio total, agora, sobre uma iniciativa que poderia servir de exemplo inclusive para o Brasil. O governo boliviano não abandonou os planos. Em contrapartida lançou, em 29/7, uma ampla consulta às comunidades indígenas de Tipnis. Ao longo de seis semanas, elas decidirão se a obra será ou não realizada.

A consulta tem a peculiariadade de não se resumir a uma votação em urnas. As 69 comunidades, muitas das quais habitam regiões remotas, serão visitadas por comitivas encarregadas a promover o debate sobre o tema. Para alcançar todo o parque, será preciso viajar em canoas, lombo de cavalo e a pé. Cada grupo de consulta é composto de dois servidores públicos, um coordenador de logística e três facilitadores indígenas — a favor e contra o projeto. Estão orientados a promover discussões coletivas, de acordo com as tradições e costumes de cada grupo indígena. Ao final dos diálogos, que podem se estender por um ou dois dias, cada comunidade emitirá uma opinião. As previsões iniciais são de que um resultado final seja divulgado em 6 de setembro.

Até o final da semana passada, oito das comunidades consultadas haviam manifestado apoio à obra; duas foram contrárias. Mas o veredito não é apenas entre sim ou não. Em Oromomo, situada na região noroeste do Tipnis, por exemplo, decidiu-se apoiar a estrada. Mas sua construção foi condicionada a “compensações” por parte do Estado: um pacote que inclui melhores serviços de saúde, educação e apoio ao desenvolvimento de atividades produtivas.

Um segundo tópico submetido ao escrutínio das comunidades é o caráter do próprio parque. Os indígenas que marcharam a La Paz no ano passado defenderam que ele seja considerado “intocável”. Outras comunidades, no entanto, sugerem que se autorize a realização de certas atividades econômicas — como o turismo ambiental, sob controle indígena.

Ainda assim, a polêmica perdura. Das 69 comunidades, 18 opõem-se à consulta, do mesmo modo que ONGs como a Anistia Internacional. Outras Palavras publicou material que ajuda a compreender o tema. Em outubro de 2011, quando a primeira marcha estava em andamento, um texto de Tadeu Breda apontou a encruzilhada do governo Evo Morales e acrescentou um detalhe: o fato de a estrada ser financiada pelo BNDES brasileiro. Em abril deste ano, em entrevista, o vice-presidente boliviano, Alavaro Linera defendeu a obra, sustentou que ela é apoiada pela ampla maioria dos indígenas de seu país e apontou, como principal combustível da campanha contra a rodovia, os interesses da oligarquia latifundiária de Cochabamba e da embaixada norte-americana.

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