Bancos: os juros podem cair muito mais

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Estudo revela que sistema financeiro cobra taxas astronômicas dos clientes porque não precisa deles: já ganha demais emprestando ao Estado. Governo estará de fato disposto a virar a página?

Por Antonio Martins

A reação dos grandes bancos brasileiros e da mídia tem variado de modo revelador, desde que Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal anunciaram, semana passada, intenção de reduzir fortemente as taxas de juros. No primeiro momento, o ato foi visto como temerário e demagógico. VejaO Estado de S.Paulo asseguraram, por exemplo, que a decisão, determinada pelo Palácio do Planalto, era incongruente: os bancos públicos teriam os clientes com maior risco de inadimplência, no sistema financeiro; não estariam, portanto, em condições de reduzir o custo do crédito oferecido a eles.

Mas a ficha rapidamente caiu. Os lucros bilionários dos bancos insultam, há anos, a opinião pública. Atacar o governo, quando este age para aliviar os clientes bancários, seria muito impopular. Por isso, os textos dos últimos dias são mais cautelosos: procuram dar voz aos dirigentes dos bancos privados que fazem exigências para seguir os passos do BB e Caixa. No Valor de hoje, Marcos Lisboa, vice-presidente do Itaú, considera “saudável e importante” o “debate” aberto pelo governo — mas reivindica, para baixar as taxas, medidas como cortes de impostos e direito de receber dos clientes, como garantias, imóveis ou fundos de Previdência…

Qual a sustentabilidade das medidas anunciadas na semana passada? Os bancos cobram, no cartão de crédito ou cheque especial, juros em torno de 10% ao mês — ou 214% ao ano. Será possível esperar uma redução abrupta destas taxas, verdadeiramente extorsivas? Um estudo produzido em 2006, pelos economistas Carlos Eduardo Carvalho e Giuliano Oliveira, da PUC-SP, demonstra que sim.

Publicado na revista Economia e Sociedade (da Unicamp), o trabalho tem 33 páginas, e naturalmente recorre a linguagem e fórmulas econométricas. Em resumo, seus autores afirmam que ao remunerar, por muitos anos, o sistema financeiro com as taxas de juros mais altas do mundo, o Estado brasileiro dispensou os bancos de oferecer crédito em condições favoráveis a empresas e pessoas. Não era necessário. Para que correr riscos, emprestando dinheiro a quem está sujeito a quebrar, quando é possível ganhar muito com o Estado, que nunca se torno inadimplente?

Numa de suas tabelas (reproduzida abaixo), Carvalho e Oliveira demonstram que, entre 2002 e 2005, a rentabilidade (retorno sobre o capital líquido) dos bancos brasileiros esteve em torno de 20% — duas a quatro vezes maior que nos países do G7, bastante superior à das maiores economias latino-americanas, w comparável apenas às do Paraguai e Peru… Estes ganhos foram alcançados, basicamente, com compra de papéis públicos; os empréstimos a pessoas e empresas tiveram sempre papel secundário.

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Taxa de retorno sobre o patrimônio do setor bancário

em países desenvolvidos

e latino-americanos selecionados, em % (2000 a 2005)

Países selecionados 2000 2001 2002 2003 2004 2005
Países desenvolvidos (G7)
Alemanha 6,1 4,6 2,9 -1,5 1,9 3,5
Canadá 15,3 13,9 9,3 14,7 16,7 14,9
Estados Unidos 13,5 13,0 14,1 15,0 13,2 12,7
França 9,7 9,6 9,1 8,5 10,6 11,9
Itália 11,2 9,1 6,4 6,7 10,7 13,3
Japão -0,5 -12,7 -17,9 -2,9 4,3 12,6
Reino Unido 13,5 7,7 6,1 8,6 10,9 11,8
América Latina
Argentina 3,1 -0,2 -59,2 -22,7 -4,2 7,1
Bolívia -9,5 -4,1 0,6 2,7 -1,2 4,2
Brasil 11,3 -1,2 21,8 17,0 18,8 22,8
Chile 12,7 17,7 14,4 16,7 16,7 17,9
Colômbia -20,7 1,1 9,6 16,9 23,2 22,5
México 10,4 8,6 -1-,4 14,2 13,0 19,5
Paraguai 12,4 24,1 14,3 7,7 19,4 24,3
Peru 3,1 4,3 8,3 10,7 11,6 22,2

Fonte: Dados de 2000, IMF (2005); a partir de 2001, IMF (2006)

Depois de certa vacilação, o governo federal reiniciou, nos últimos meses, um movimento de redução dos juros pagos pelo Estado. As taxas recuaram para 8,75% (cerca de 4% ao ano, descontada a inflação). Há quem aposte que podem cair mais, ainda este mês. Neste novo cenário, sugere o estudo de Carvalho e Oliveira, as instituições financeiras serão obrigadas a se voltar para os clientes privados — que representam risco, mas oferecem imensa rentabilidade.

É aqui que a posição do Banco do Brasil e Caixa pode fazer muita diferença. Se a redução das taxas de juros for efetiva e duradoura, eles podem de fato roubar, dos bancos privados, clientes que agora são necessários. Ou, então, forçarão as instituições particulares a reduzir também suas taxas.

Fica claro, portanto, que não há sentido algum nem em oferecer benefícios fiscais aos bancos, nem em autorizá-los a exigir garantias adicionais de seus clientes. Por longas décadas, o sistema financeiro tem sugado parte importante da riqueza nacional. É hora de começar a inverter este jogo — e é perfeitamente possível fazê-lo.

 

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4 comentários para "Bancos: os juros podem cair muito mais"

  1. Levy Vianna disse:

    Enquanto isso continua, dorme em berço esplêndido, desde 2000, no STF, a Açâo Direta de Inconstitucionalidade 2.316, embora já com votos majoritários (4×2) confirmando a liminar nela concedida, que suspendeu o art. 5º, cabeça e parágrafo único da MP nº 2.170-36, pela qual tenta-se legalizar, subrepiticiamente, o anatocismo praticado pelas instituições financeiras.

  2. Banqueirinho ou BANQUEIRÃO é tudo ladrão. Ladrão que rouba ladrão tem 100 anos de perdão.

  3. Lorival Hoffmann disse:

    Belo artigo Antonio Martins.
    Talvez agora com isso não só os bancos poderão ganhar.
    Mas também a população e os empreendedores se o credito for realmente acessível e barato.
    E assim gerar o tão esperado slogan campanha politica “emprego e renda”.
    Parabéns você!!! pelo artigo, e parabéns ao governo pela iniciativa.
    ….Rissos é a hora pro cliente mudar de banco
    Lorival Hoffmann

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