América Latina (II): pior para mães pobres trabalhadoras

.

Estudo da Cepal revela que desigualdade aumentou entre os jovens e as mulheres pobres, que sofrem mais com desemprego e se dedicam prioritariamente à economia informal

Na semana passada, a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) anunciou com otimismo a redução da pobreza e da desigualdade na região. Mas nem tudo são flores. O relatório Panorama Social 2011 revela que, ao contrário da tendência geral, as disparidades aumentaram em alguns setores da sociedade latino-americana. E os mais prejudicados pelo processo são i) os trabalhadores e trabalhadoras que se encontram na economia informal, ii) as mulheres pobres com filhos pequenos e iii) os jovens.

A estrutura produtiva da América Latina—e a distribuição de sua lucratividade—é amplamente desvantajosa aos homens e mulheres que estão empregados em setores de baixa produtividade. Sua face mais visível é a informalidade, ou seja, atividades que não contam com direitos trabalhistas: férias, décimo terceiro salário, hora extra, licença maternidade, seguro desemprego etc.

De acordo com a Cepal, as ocupações precárias empregam 50,2% da população economicamente ativa do continente—mais da metade. Porém, gera apenas 10,6% das riquezas econômicas. Enquanto isso, as grandes empresas (com mais de 200 funcionários), geralmente dedicadas à exportação, produzem 66,9% das riquezas latino-americanas. Para tanto, empregam apenas 19,8% dos trabalhadores. Por sua vez, as pequenas e médias empresas colaboram com 22,5% da produção e empregam 30% da força de trabalho disponível.

Essa disparidade, garante a Cepal, abre espaço para a uma apropriação desigual dos ganhos econômicos entre a população ocupada. Isso quer dizer que a distribuição desigual da produtividade (muita gente produzindo e ganhando pouco, e pouca gente produzindo e ganhando muito) também cria desigualdades ao dificultar o acesso das pessoas ao bem-estar, fortemente baseado no consumo. “Essas assimetrias são, em grande medida, responsáveis pela concentração da renda trabalhista na América Latina”, diz o relatório.

O Panorama Social 2011 comemora o fato de que o emprego informal na região tenha mantido sua tendência de queda. Se, em 1990, 48,1% dos latino-americanos tinham que ganhar a vida em atividades econômicas instáveis e sem qualquer tipo de proteção social, nem ao menos um contrato de trabalho, em 2009 esse índice caiu para 42,7%. Porém, a Cepal observa que a diferença entre os trabalhadores de maior e menor produtividade—os que se encontram na formalidade e na informalidade—só fez aumentar nos últimos anos. Se, em 1990, ambos setores eram separados por uma diferença de renda na ordem dos 44 dólares mensais (337 vs. 293), em 2009 essa brecha ascendeu mensalmente aos 268 dólares (565 vs. 297).

Na América Latina, empregos de baixa produtividade são sinônimos de empregos ocupados por mulheres pobres: 82% delas ganha a vida em trabalhos precários, sobretudo na economia informal. Em classes mais remediadas, a procentagem de mulheres trabalhando em más condições cai para 33%. A Cepal explica a diferença sobretudo pelo papel tradicionalmente ocupado pelas mulheres dentro de casa, desde os serviços domésticos até o cuidado das crianças.

Mas os afazeres do lar apenas atentam contra as mulheres—limitando-as de buscar melhores posições no mercado de trabalho—quando a família não conta com recursos para resolvê-los. Traduzindo, quando não há dinheiro para contratar babás para os filhos pequenos, colocá-los em creches particulares ou pagar empregadas domésticas. Por isso, as mulheres pobres com crianças de 0 a 5 anos são mais prejudicadas.

“O desemprego se concentra principalmente nas mulheres e, cada vez mais, nas que possuem menor renda”, diz o Panorama Social 2011. “Como resultado desse processo, o desemprego das mulheres de menor renda foi, em 2009, cinco vezes superior ao das mulheres com renda mais alta.”

Para amenizar o problema, a Cepal sugere que os Estados latino-americanos intervenham econômica e socialmente. Primeiro, incentivando as micro e pequenas empresas—cuja relação entre produtividade e criação de emprego é a mais equilibrada. Segundo, regularizando a economia informal, que “representa, sem dúvida, um obstáculo central para facilitar a apropriação dos ganhos de produtividade pelos trabalhadores de menor renda e para romper a barreira entre trabalhadores incluídos e excluídos”, diz o relatório.

Em terceiro lugar, o órgão das Nações Unidas recomenda aos Estados agirem contra o conceito que relaciona bem-estar social com a posição das pessoas no mercado de trabalho. “Isso implica promover uma maior igualdade entre os distintos setores”, revela o Panorama Social 2011. “Iniciativas de capacitação, os seguro-desempregos e os mecanismos para facilitar o acesso de desempregados a redes não contributivas de proteção são algumas das opções que permitem ‘desmercantilizar’ o acesso ao emprego.”

A última sugestão da Cepal aponta para o óbvio: mais creches públicas, “o que eliminaria uma trava importante à participação e desempenho das mulheres com filhos menores. A rede de serviços de cuidado ainda é muito limitada em boa parte dos países da América Latina, e deveria aperfeiçoar-se e estender-se.” —@tadeubreda

Leia Também:

2 comentários para "América Latina (II): pior para mães pobres trabalhadoras"

  1. Guacira Canindé disse:

    Sou mãe. Sofro todos os dias essas dificuldades, sobre tudo o moralismo social sobre minhas escolhas.
    Não há como trabalhar para bem alimentar minha bebê, bem vesti-la, bem educa-la, bem cuida-la sem politicas publicas.
    Ser mãe ainda gera muito preconceito, como se a sociedade fosse contra a natureza do meu corpo que estava pronto para gerar um ser. Se escolhesse o aborto sofreria outra discriminação. Me sinto uma intocável, com olhares severos, presa.
    Ser mãe é cruel. Socialmente cruel. Não falo da minha relação com minha pequena. Mas da relação social, da falta de amparo, da falta de ajuda, de base. E da cobrança desgraçada que sofro para criar um ser humano bom e justo apesar de toda a dificuldade.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *