Fechamento da PUC-SP: festa, luto, anomia

Proibição da “cultura canábica” e quase-esquecimento da morte da ex-reitora agravam o estado de exceção em que universidade mergulhou após intervenção da Igreja

Por Hugo Albuquerque, no Descurvo

Sexta-feira (16/9), a PUC de São Paulo esteve fechada, com todas as suas atividades suspensas e a comunidade devidamente advertida para não entrar no campus. E isso não foi, pasmem, por conta do luto decretado por Nadir Gouvêa Kfouri, a pessoa mais importante da História daquela Universidade, mas sim porque o Reitor, por meio do ato 127/2011, determinou que as atividades fossem interrompidas para que não acontecesse uma festa programada para dentro do campus.Sobre Dona Nadir, na última quarta-feira, poucas horas depois de sua morte, houve a decretação de um luto de três dias, sem maiores repercussões e, para falar a verdade, sem os préstimos das devidas homenagens – as faculdades de Ciências Sociais e Serviço Social pararam porque quiseram. Nem a Faculdade de Economia e Administração, tampouco a Faculdade de Direito pararam.  A Reitoria, portanto, limitou-se a dar a notícia da morte.

Festas ocorrem, como historicamente sempre ocorreram, no campus de Perdizes. O argumento de emergência empregado pela Reitoria, portanto, só não soa terrivelmente falacioso para seus próceres ou, quem sabe, para calouros desavisados. É claro que a livre gestão do espaço Universitário – e dos corpos – não interessa ao poder soberano.

É claro que a festa da Cultura Canábica em questão poderia ser questionada – não tanto por sua conotação, como nos lembra a decisão recente do próprio Superior Tribunal Federal sobre a Marcha da Maconha -, mas sim pela incompatibilidade de estrutura da PUC com ela, mas  daí a chegarmos à suspensão arbitrária de TODAS as atividades – e dos direitos, uma vez que foi sim uma medida de exceção -, há uma distância muito grande, sobretudo quando a decisão se volta para a festa em si.Pior de tudo, a atual gestão da Reitoria, que se demonstra incapaz de dirimir democraticamente uma festa dentro do campus porque não possui qualquer capacidade de interlocução junto à comunidade. Ela ainda usou o episódio de forma oportuna para condenar a realização de qualquer tipo de festa lá dentro, invocando um artigo do atual Regimento Geral – produzido bem longe da Comunidade, sob a batuta da Mantenedora -, que, a bem da verdade, é, como não poderia ser diferente, letra morta.Agora, está sendo produzido um álibi importante a partir da festa não realizada e medidas que o atual reitor jamais escondeu sua predileção por aumentar os muros da Universidade, para além das mensalidades já proibitivas, defendendo agora catracas no campus – como se a tal festa pudesse ser evitada por elas caso fosse o pandemônio que a própria reitoria alegou – e mesmo medidas de imunização e higienização.A partir daí, nos lembramos dos velhos Deleuze e Guattari quando eles nos dizem que“A história universal não é senão uma teologia, se ela não conquista as condições de sua contingência, de sua singularidade, de sua ironia e de sua própria crítica”. E a profunda ironia do campus não ter tido suas atividades suspensas em homenagem a Dona Nadir e sim para impedir sua festa é pura ironia, o que não é, de forma alguma, coincidente, mas perfeitamente coerente entre si.

Ainda assim, não se pode deixar de notar o curioso efeito gerado pela proximidade das datas, o que expõe a ferida de forma pungente. Mais surpreendente ainda é lembrar queGiorgio Agamben, em seu magnífico Estado de Exceção, escreveu um capítulo, precisamente o quinto, que se chama “Festa, Luto, Anomia” no qual ele, buscando desvendar as origens do Estado Exceção, chega ao instituto do Justitium, a suspensão de direitos, e não ao instituto da ditadura, como os teóricos da Exceção, a exemplo deSchmitt, sempre buscaram vincula-la.

Depois de ter chegado às suas raízes remotas no fenômeno do Justitium, ele chega até à transformação do significado daquele instituto – que servia para dirimir os tumultos podendo ser posto em prática por qualquer cidadão -, nos tempos do Império, no luto público resultante da morte do Imperador.

A formulação na qual Agamben chega para explicar o nexo entre essas duas mudanças é simples: a relação aparentemente improvável entre o mecanismo republicano de suspensão dos direitos e o luto público encontram nexo no fato de que o Império é marcado, justamente, pela confusão gradual entre a Auctoritas – prerrogativa do Senado da República em ratificar e legitimar as decisões do Povo reunido em comícios – e Potestas– o Poder – na figura do Imperador.

Uma vez que Vida e Direito passam a se confundir, a morte do Imperador é a causa do tumulto, uma vez que nele, a vida privada e pública se confundem, transcendendo a ambas, revelando o secreta solidariedade entre direito e anomia.  É esse fenômeno que explica o desenvolvimento, em sentido contrário a si mesmo, de festas como a Antestérias e a Saturnália no mundo antigo até desembocar no Carnaval e no Halloween de hoje, nas quais a ordem é posta para baixo:

 

“As festas anômicas indicam, pois, uma zona em que a máxima submissão da vida ao direito se inverte em liberdade e licença e em que a anomia mais desenfreada mostra sua paródica conexão com o nomos: em outros termos, elas indicam o estado de exceção efetivo como limiar da indistinção entre anomia e direito. Na evidenciação do caráter de luto de toda festa e do caráter de festa de todo luto, direito e anomia mostram sua distância e, ao mesmo tempo, sua secreta solidariedade” (Estado de Exceção, Cap. 5, p. 110)

E o fato é que o dispositivo anulou tanto o luto, de forma comedida, quanto a festa, aí com certo escândalo. Não só, a suspensão disso, volta-se para um horizonte de legitimação de uma suspensão permanente. O Carnaval, enquanto paródia, marca a suspensão das obrigações por meio de um desligamento do mecanismo identitário, a Exceção enquanto realidade político-jurídica, marca a suspensão dos direitos subjetivos e fundamentais por um reforço dos mesmos e de tantos outros dispositivos. Aos dispositivos posto em funcionamento não interessa que haja subversão nem ao mesmo enquanto paródia porque eles reconhecem, de modo perverso, o potencial libertador disso.

No cerne da questão está como a aplicação da Exceção não contradiz o Direito e, mais importante de tudo, como isso volta-se a todo tempo, mais hoje do que na velha Roma ainda que também, ao desfazimento da possibilidade da plebe fazer-se sentir e assumir-se como multidão, isto é consciente de ser coletivo e simultaneamente singular, o que é enunciado como tumultus com o intuito de ser debelado – ainda mais se considerarmos o potencial revolucionário de assumir a polifonia própria do Carnaval à prática política, como nos lembram Antonio Negri e Michael Hardt no belíssimo Multidão (p. 271 a 274).

Retornando ao caso concreto, a mera lembrança protocolar do desaparecimento de Nadir Gouvêa Kfouri e a maneira oportuna como foi utilizada a proibição da festa da Cultura Canábica (que se tinha ou não de ser proibida não vem ao caso, mas certamente o foi pelos motivos e com os fins errados) estão intimamente ligados e se juntam dentro de um processo de agravamento do Estado de Exceção em que a PUC-SP se encontra desde que a Igreja resolveu ingerir em seus assuntos internos, sob os auspícios do álibi financeiro, há sete anos atrás.

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6 comentários para "Fechamento da PUC-SP: festa, luto, anomia"

  1. É bom não esquecer que são teocratas e não democratas. Roma, Israel e Teerã são teocracias.

  2. Caro Pedro Ivo, nos meus quatro anos de PUC, posso te garantir que o sofisma que você trouxe aqui não é nada novo: a história de que não se pode questionar absolutamente nada porque a “PUC é católica afinal” é de uma pobreza absoluta. Vá estudar. A Educação no nosso país, ainda mais a superior, é laica e, ainda, o princípio democrático vale aqui também.
    É evidente que o problema é mais complexo. O obtuso fechamento da PUC na última sexta-feira, ato tomado às pressas e totalmente temerário, é fruto de um fenômeno muito mais complexo que você, talvez por não conhecer a realidade daquela universidade ou por não ter capacidade para entender fenômenos jurídicos mais intricados mesmo, pode supor.
    Um deles é que o estado em que vive, por si só, já é um micro-retrato da exceção posta como paradigma de governo, fenômeno atual que se constata com a intervenção da Igreja na PUC mediante um órgão anômico chamado Consad (“conselho administrativo), uma trindade formada por dois padres e o reitor que fere a própria autoridade do Conselho Universitário, órgão máximo da comunidade acadêmica e da Reitoria, órgão executivo máximo.
    Os argumentos legalistas e moralistas frente a questão em fulcro no post caem por terra diante do estado anômico em que se encontra a própria administração da PUC hoje. A realização ou não da festa, aliás, pouquíssimo importa, mas sim os comos e os porquês dessa não realização.
    O esquecimento de Dona Nadir, com a prática inexistência de seu luto, por outro lado é sintomático. Seria isso cristão? Duvido muito.
    saudações

  3. Pedro Ivo disse:

    Marina,
    Não se trata de caretice, ou arcaísmo. Nem discuto o direito de quem quiser fazer qualquer festa, o que não entendo é que se pretenda atacar a Igreja Católica nesse episódio. Há regras em qualquer lugar e como se trata de uma instituição que todos sabem ser católica… Não há lógica em alguém entrar em um colégio ou unversidade católica e depois reclamar de seu catolicismo!!
    Ninguém é obrigado a estudar na PUC e ela não é uma escola pública. Não há o “direito” de estudar em escola particular. Se eu me matriculo ou a um filho na Metodista ou no Colégio Israelita não vou reclamar porque é uma escola
    protestante ou judaica, por defender os valores de suas religiões…
    É apenas isso.

  4. Marina Costin Fuser disse:

    Adorei o artigo, e lamento bastante a rabugice dos comentários que se seguem, para reafirmar os cacarecos daqueles que são incapazes de compreender a angústia das gerações posteriores. A caretice e o arcaísmo são gritos desesperados de quem tapa os olhos com a peneira para não ver que a história continua em movimento. Não chegamos ao fim da história, nem precisamos reafirmar os valores e as regras de conduta de séculos atrás. Não creio em uma linha evolutiva da história, mas creio que olhar para frente significa lançar um olhar crítico, mas que aposta no novo. A juventude festiva comete novos e velhos erros, mas sua mira está virada para frente. Muito bom o artigo.

  5. Rogério Fernandes disse:

    Rídiculo esse artigo. Foi só pra cumprir a produção semanal? Por que não fazê-lá enfrente do palácio do governo de São Paulo? Eu acho que o autor é algum pós-adolescente que gosta de palavras de ordem “Estado de Exceção em que a PUC-SP” fraco isso.

  6. Pedro Ivo disse:

    Qual o estranhamento? Falamos de uma universidade Pontifícia, Católica.
    Estranho seria se ela não tivesse relação com a Igreja.
    Quem entra numa PUC deve saber que é uma instituição Católica. Hoje, há faculdades em cada esquina de qualquer cidade e os estuantes que podem pagar a PUC, certamente podem escolher outra.
    Palavreado bonito e citações de filósofos e cientistas respeitados para atacar a Igreja não escondem as intenções do artigo e já viraram lugar comum…

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