Ferrovias: cadê a malha de São Paulo?

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Há um problema nos planos do governo paulista e do ministério dos Transportes para a expansão ferroviária no Estado: ela exclui os seres humanos…

Por Ricardo Centofanti, do Sindicato dos Ferroviários de Sorocaba 

(Mais informações e debates no site São Paulo Trem Jeito)

Como a economia do Brasil cresce a custa da exportação de commodities (principalmente grãos de cereais e de minérios), transporte ferroviário e aquaviário são as coqueluches do momento.

Personagens que no passado promoveram o desmonte da ferrovia e da marinha mercante brasileira, somam-se aos que nunca se pronunciaram sobre essa história, e todos se tornaram, agora, parceiros na defesa dos trens, barcos e navios.

Que bom, não fosse um detalhe: na febre atual por trilhos e embarcações, pensam exclusivamente em cargas. 

Descobriram, finalmente, que um Comboio Duplo Tietê (embarcação pluvial composta por um rebocador e quatro chatas) transporta 6.000 t, ocupando o espaço de apenas 150 metros de comprimento. Descobriram que o Duplo Tietê equivale a 2,9 Comboios Hopper (um trem de 86 vagões de 70 t), mas que ocupa espaço de 1,7 quilômetros de comprimento. Descobriram também que o Duplo Tietê equivale, no modal rodoviário, a 172 Bi-Trem Graneleiras, de 35 t, ocupando espaço de 3,5 quilômetros (se mantidos 26 quilômetros em movimento). 

Tudo em favor do transporte fluvial, não fosse o caso, no Estado de São Paulo, da existência de poucos rios e com poucos trechos navegáveis. Com restrições ao amplo emprego desse modal, pontos para as ferrovias.

Não é sem razão, portanto, que o Ministério dos Transportes entende que “dar prioridade aos investimentos em transportes ferroviário e hidroviário produz benefícios econômicos resultantes de menores custos de operação e frete por tku (tonelada, kilômetro, útil) dessas modalidades, em relação ao transporte rodoviário”.  O ministério descobriu que desses investimentos “resulta também em menor emissão de gazes poluentes na atmosfera, oferecendo melhor qualidade ambiental no ar e menor impacto no aquecimento global”

É com essa mentalidade que o PAC1 destina aos transportes, entre 2007 e 2010, R$ 80 bilhões, e, no PAC2, entre 2011 e 2014, mais R$ 105 bilhões. Ótimo!

A saber, agora, onde o ministério deseja aplicar esse montante. Vejamos: na expansão da malha ferroviária pela “estruturação de moderno sistema ferroviário integrado, e de alta capacidade, conectando áreas de produção agrícola e mineral aos principais portos e às zonas de processamento e consumo interno, com perspectivas de atendimento também da movimentação de contêineres”no aumento de capacidade da malha atual pelo“equacionamento de trechos que apresentam restrição de capacidade em face da demanda de transporte, com duplicação de linhas, construção de variantes e melhorias de traçado e de conexão com os portos. Eliminação de pontos de conflito associados a travessias de zonas urbanas, com equacionamento de passagens de nível e implementação de contornos ferroviários”.

Ótimo, mais uma vez, mas permanece a questão original: tudo isso está orientado para o transporte ferroviário de cargas. Para o transporte de pessoas sobre trilhos, o  projeto fala apenas em TAV (trem de alta velocidade, trem-bala), ligando Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba e São Paulo, com conexão em Campinas (SP).

No caso do Estado de São Paulo, esse projeto merece uma atenção especial, pelos seguintes motivos: 1) São Paulo já “teve” uma extensa malha ferroviária, com importantes troncos e inúmeros ramais, por onde circulavam trens de carga e de passageiros; 2) depois da privatização, os troncos principais ficaram restritos ao transporte de carga, fazendo de São Paulo um mero corredor de exportação para os produtores de commodities, sem nenhum benefício para os municípios paulistas; 3) os inúmeros ramais foram simplesmente abandonados, roubando dos municípios a oportunidade de desfrute da ferrovia para a movimentação local ou regional de produtos (riquezas materiais) e de pessoas (riquezas humanas). 

Para São Paulo, portanto, interessa a revitalização da malha paulista original – e não apenas para o transporte de commodities -, mas principalmente para movimentação de produtos e de pessoas no âmbito regional e estadual. Recuperar ramais desativados (abandonados) e duplicar linhas nos troncos, é apontar para o resgate da ferrovia paulista, por onde possam circular trens de carga também de pequena e média capacidade, assim como trens de passageiros e trens turísticos. 

O projeto do ministério prevê um ferroanel paulistano (ao exemplo do rodoanel), mas todo ele orientado para a carga, visando apenas retirar o movimento dos cargueiros dos trechos operados por trens metropolitanos. Não prevê, entretanto, a construção de um ferroanel metropolitano no entorno da Macrometróple da capital, solução sustentável para a caótica situação do transporte, trânsito e poluição da cidade. 

No interior paulista, a proposta de “eliminação de pontos de conflito associados a travessias de zonas urbanas, com equacionamento de passagens de nível e implementação de contornos ferroviários” irá, na prática, significar a erradicação dos trilhos nos perímetros urbanos, quando poderiam ser perfeitamente bem aproveitados para o transporte interno de pessoas, por intermédio, por exemplo, de VLTs. Se faz necessária, igualmente, a restauração e manutenção de toda a memória da ferrovia paulista (estações, etc), pois representa um patrimônio imaterial de imenso valor cultural e histórico.

Em resumo: antes de qualquer benefício do projeto do ministério, interessa aos paulistas o resgate de sua malha original, para que os trens possam estar novamente a serviço das economias e das sociedades locais.

 

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6 comentários para "Ferrovias: cadê a malha de São Paulo?"

  1. Júlio, não deve despertar interesse justamente pelo fato de ser mais barato.

  2. Não é um interesse súbito, Júlio. É desespero de causa, pois as demais opções estão saturadas. O problema é que desmontaram tudo, e o que restou está sob o domínio das concessionárias de cargas.

  3. Bem, Arthur, se deixar por conta “deles”, não teremos mesmo trens de passageiros. Esse é o motivo de trazer novamente a discussão essa possibilidade, até mesmo porque o momento é oportuno – o modelo rodoviário está saturado.

  4. Julio Spínola disse:

    EM TEMPO: DE ACORDO COM A ELETROBRÁS, NOSSO POTENCIAL EÓLICO INEXPLORADO(300 GW) É QUASE TRÊS VEZES O NOSSO PARQUE ENERGÉTICO INSTALADO (120 GIGAWATTS)
    E isto com custo menor do que o termelétrico, considerado o mais barato.
    confiram=
    http://www.ecodesenvolvimento.org.br/noticias/energia-eolica-e-mais-barata-que-termicas-a-gas-e

  5. Julio Spínola disse:

    INTERESSANTE ESTE SÚBITO INTERÊSSE.
    adolescente, tive oportunidade de ver o desmonte a toque de caixa dos bondes urbanos. Nosso Brasil com seu grande potencial hidrelétrico inexplorado à época preteriu o barato e ecológico bonde ao petróleo importado com todas as suas con-
    sequencias. As sete Irmãs em ação junto com o cartel automobilístico. Nosso transporte de cabotagem ao tempo dos governos Jango pagou tantas benesses aos sindicatos que anos depois um transporte de uma geladeira navio de Recife a SP ficava muito mais caro que enviá-la de caminhão. talvez haja este interesse em vender equipamentos e obras ferro hidroviárias já que no mercado automobilistico brasileiro já são hegemônicos e precisam de continuar a nos endividar com os equipamento que outrora destruíram junto com a Mafersa e outras fábricas.UM TREM DE MÉDIA VELOCIDADE(150 KM/H) PODERIA NOS LEVAR DE RIO A SÃO PAULO EM POUCO MAIS DE TRES HORAS.
    O custo infinitamente menor com tecnologia sobejamente dominada por nós.
    Só o tempo para deslocarmo-nos até Guarulhos e depois do Galeão até nosso destino pode ser maior do que isto.
    COMO DIZIA SÉRGIO PORTO= FEBEAPÁ- FESTIVAL DE BESTEIRAS QUE ASSOLA O PAÍS.

  6. Arthur Araujo disse:

    Realmente, é perfeita a argumentação do texto. Infelizmente, no Brasil, por vários motivos, entre os quais, os interesses das montadoras de veículos, as ferrovias foram definhando e, a partir da implementação do modelo neoliberal de privatizações e desmonte de serviços públicos, as ferrovias praticamente desapareceram, prestando-se apenas ao transporte de commodities.
    Agora fala-se na reativação das ferrovias, mas apenas para o serviço de exportação de cargas, mostrando, mais uma vez que, o transporte de passageiros, ou seja, a alternativa de um transporte mais seguro, confiável , menos poluidor e, como ocorre em muitos países, mais rápido e econômico , infelizmente parece não fazer parte da agenda nacional.

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