“Temos vários Carandirus por ano”, diz pesquisadora sobre presídios no Brasil

País tem entre duas e três mortes por dia no Brasil no sistema penitenciário. Boa parte por doenças contraídas na prisão, como a tuberculose. A matança é sistêmica.

Por Alceu Luís Castilho (@alceucastilho) | Foto: João Wainer

Autora de “Violência e Cidadania” (Ática, 2001), a pesquisadora Regina Célia Pedroso resolveu se debruçar sobre a realidade dos presídios brasileiros. E já adianta, para começo de conversa: “Temos ao longo do ano vários Carandirus, que não chegam ao conhecimento da população”. Ela se refere ao massacre de 111 presos em São Paulo, em 1992, e às mortes nos presídios. Por homicídios e suicídios, mas também por doenças. A causa mais comum é a tuberculose. São entre duas e três mortes por dia. Com doenças, em boa parte, contraídas na prisão, pelas condições insalubres. O sistema que se propõe a regenerar, na prática, mata. Ou massacra.

Regina prepara livro sobre o tema. E adiantou alguns dados nesta quinta-feira (19), em seminário sobre doenças e espaços de exclusão realizado na Universidade de São Paulo pelo Laboratório de Estudos sobre Etnicidade, Racismo e Discriminação (LEER) – onde ela é pesquisadora – e pelo Departamento de História da USP. Regina é pessimista. Diz que a situação tende a piorar, diante da mentalidade de exclusão conservadora vigente. “Caminhamos para ter 1 milhão de presos e 80% de reincidência no Brasil”. Hoje são 650 mil presos e 70% de reincidência.

Os dados sobre presídios não são fornecidos por alguns Estados. A começar de São Paulo. “Principalmente os dados sobre doenças”, diz a pesquisadora, doutora em História Social pela USP. Os pesquisadores precisam buscar dados independentes, como os da Pastoral Carcerária. Mesmo o Censo Penitenciário é incompleto. Em Pernambuco, conta ela, foram divulgados até atestados de óbito forjados, transformando mortes violentas em mortes naturais. “Não dá para confiar muito no relato dos diretores”, afirma Regina.

Ela estudou as condições dos presídios femininos e constatou que são muito comuns as doenças adquiridas no cárcere. Especialmente as de pele e do aparelho reprodutor. “Pela insalubridade e pela falta de condição dos presídios femininos”, descreve. Presídios femininos, a rigor, quase não existem. Pois eles são adaptados da lógica prevista para os homens. Sem prever, por exemplo, as necessidades higiênicas decorrentes da menstruação. “Só 7% foram construídos para atender mulheres”.

MATANÇA SISTÊMICA

No século 19 a mortalidade na Casa de Correção da Corte, no Rio, era de 33%. Entre os presos com condenação superior a dois anos esse número chegou a saltar, em 1850, para 66%. Crianças e adolescentes eram colocadas em verdadeiras jaulas, completamente nuas. “A doença e a morte são decorrências naturais do sistema”, observa Regina. Ela conta que, ainda hoje, cada preso perde três dentes durante o confinamento. E isso conforme dados oficiais do governo paulista.

Os presos políticos também registraram as condições insalubres. Caso mais famoso, o de Graciliano Ramos, em Memórias do Cárcere, de 1953. (“Logo que cheguei notei que me despersonalizavam”.) Gregório Bezerra e Astrogildo Barata também descreveram o cárcere no período Vargas. Bezerra narra mortes por tortura, mas também por hepatite. Barata descreve o próprio alimento como forma de contaminação. “A anemia é detectada em praticamente todas as prisões”, diz a pesquisadora.

Regina considera que a degradação do sistema penitenciário independe da ideologia político-partidária. “No governo Dilma piorou muito”, observa. “Não conseguem inverter a situação e violência por causa dessa visão de que o preso é o mal, que não tem direitos”. Ela lembra que, dos 650 mil presos no país, 35% estão em prisão provisória, não foram julgados. Pela cultura do Judiciário em não oferecer penas alternativas. E isso em todo o país. “O presídio de Pedrinhas, no Maranhão, tornou-se conhecido pela necessidade jornalística de se fazer manchetes”, diz. “Mas a situação é degradante em qualquer presídio”.

Com esse modelo, a reincidência torna-se regra. E é por isso que ela prevê aumento ainda maior, de 70% para 80%, do índice de reincidência. “Não existe, na prática, o sistema de regeneração social”, constata. “Estamos criando criminosos”. E isso pelo próprio modelo adotado pelo Estado, que reproduz o medo e o ódio presentes na sociedade. Consequência: um aumento da população carcerária desproporcional ao aumento da população. “Se você for pensar como exclusão, tudo bem. Mas então que digam: é para excluir mesmo”.

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