Política nacional se torna um grande Programa do Ratinho

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Os caçadores de impeachment. (Foto: Antonio Augusto / Câmara dos Deputados)

À evidente regressão ética e ausência de debates sérios no Congresso soma-se uma sequência inglória de aberrações estéticas; a arte política agoniza em praça pública

Por Alceu Luís Castilho (@alceucastilho)

Que nada disso é ético, sabemos. E já seria motivo para ficarmos pessimistas. Mas essa overdose de tremeliques expressionistas no Congresso assusta também por sua face estética; ou pela mais absoluta ausência de senso estético, de senso do ridículo na expressão verbal e gestual desses personagens sinistros. O Parlamento brasileiro está tendo seu cabelo pintado de acaju e sua face pública embebida num botox barato – e ainda nem estamos a falar de cafajestagens e traições. É a corrupção do bom gosto, o atentado à compostura mínima; a apologia da náusea; um tsunami de decadências sem a mais elementar elegância.

O inovador parlamentarismo secreto online protagonizado por esses senhores aposta tanto na eficácia do grotesco que faz qualquer personagem caricatural de Fellini parecer o mais elegante e arguto dos imortais. E assim vemos a imprensa oferecer closes ao Eduardo Cunha como se estivéssemos admirando uma Gioconda às avessas; fotos em diversos ângulos de Michel Temer como se ele tivesse mais que uma expressão no rosto e algum pensamento próprio capaz de ser detectado; a eloquência beócia de Leonardo Picciani como se fosse um misto de Shakespeare e Churchill; Marco Feliciano como galã; Paulinho da Força balbuciando algo sobre ética.

Em que momento exato a política brasileira se tornou um grande Programa do Ratinho?

Podia-se discordar de Ulysses Guimarães. Mas havia um senso de liturgia. Leonel Brizola tinha lá seu destempero; mas envolto numa verve e em um carisma incontestáveis. Para não falar da graça e da genialidade de Darcy Ribeiro. Não que a culpa seja só da regressão ética e cognitiva dos nossos senhores nobres parlamentares. A câmera se aproximou demais deles. Houve uma perda de pudor dos mediadores. Todos regredimos juntos. A imprensa deseditou-se. O cabelo lambido de Inocêncio de Oliveira não era lá muito levado a sério. Agora seria – nós nos conformamos tanto com esse simulacro de pantomina que ele tomou o país de assalto.

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Darcy Ribeiro e Mario Juruna: do tempo em que os parlamentares se olhavam nos olhos

E quem seria capaz de desconstruir esse simulacro, dar ares de seriedade ao que já não mais é sério? Pedro Simon já não está mais lá. Eduardo Suplicy não foi reeleito. Todo mundo agora tem o gravador do Cacique Juruna sem a sua dignidade. E não, não se trata somente da esquerda. Que alguém busque com urgência o Marco Maciel, ressuscite até mesmo o Roberto Campos. Porque os sobrinhos e netos desses senhores perderam não apenas os resquícios de alguma moral; abandonaram a hipótese de qualquer limite. A qualquer momento vai aparecer no plenário alguém com nariz de palhaço, guardanapo na cabeça e língua de sogra – e não será o Tiririca.

Pois não estamos a falar de migração das caras e bocas da cultura popular – já que esta seria muito bem-vinda. Muito pelo contrário. E sim falando de figuras da elite, que até aprenderam a fazer nós de gravata, mas assistiram demais ao Manhattan Conection e com isso (Dorian Gray, século XXI) seus rostos foram ficando cada vez mais cínicos. Cínicos em uma competição específica de cinismo. A cada cobertura televisiva de uma sessão da Câmara a sensação é de asfixia, de uma procura quase impossível por mais do que sete almas ao mesmo tempo coerentes e contundentes. A lanterna de Diógenes – a busca por um homem verdadeiro – certamente foi deixada na chapelaria.

E as exceções apenas confirmam a regra, ainda que pareçam mais titubeantes do que poderiam, diante desse massacre visual e sonoro (até as vozes foram se tornando mais estridentes e menos moduladas) e dessa urgência, dessa pressa, dessa política que fica repetindo a tecla “enter” sem ter construído antes três ou quatro frases plausíveis, sem ter ao menos esboçado algo próximo de um sistema, de uma lógica, de alguma finalidade que não seja imediatista, tosca e financeiramente computável. Nossos poucos parlamentares honrados tentam falar algo razoável num debate organizado pelo Boninho. (E lá vem a tecla “delete”.)

Não há muitas saídas possíveis quando se vê um Parlamento esmagado entre a fissura pela chantagem e o exercício diário do riso debochado. Fomos capturados por linguagens regressivas, por um grande saldão de R$ 1,99 que só pode ser pago com notas falsas. E todos esses executivos políticos quando acordam vestem “a cara falsa e infame como a tara do mais vil dentre os mortais”, como bem definiria Sérgio Sampaio. Penso nos olhos grandes do compositor assistindo a esse filme de terror, vendo as “moscas mortas no conhaque” e os “gaviões vomitando entre os cristais”. A roda está morta e é assassina, meu amigo. Como uma roleta-russa desonrada. E o triste disso tudo é que sabemos disso.

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7 comentários para "Política nacional se torna um grande Programa do Ratinho"

  1. Daisy Rosa disse:

    Nunca ouvi, com meus 53 anos, falar de um país que ajuntasse num só lugar tanta gente inescrupulosa, vazia e inútil. É triste pensar que essa escória parlamentar da humanidade está atuando no Brasil
    Vão passar para a História com a pior e mais nojenta história de um “parlamento”. Seres sem a menor noção e direção política. Seus interesses fogem totalmente àquilo que o verdadeiro homem político representa. Eles estão perdidos, manipulam e são manipulados. Acho que estamos assistindo de camarote e, completamente abismados, a verdadeira demonstração de, até onde pode ir a estupidez, COVARDIA e ganância do ser ” humano”. Pasmem: são humanos?

  2. Incrível a sua colocação. Obrigada por me ajudar no exercício do pensar.

  3. Incrível a sua colocação. Obrigada por me ajudar no exercício do pensar.

  4. Alex Braga disse:

    Alceu, não te conhecia. Fruto da minha anorexia ignorante e imediatista de pouco ler jornais e apenas assistir a algo que me é expelido, ora vendido, na maioria das vezes manipulado culturalmente. Esse é o melhor texto que eu leio nos últimos anos, se não o melhor que eu já li (fico até com vergonha de assumir isto). Mas, esse texto prova que há uma essência por trás de tudo aquilo que a nossa sociedade tenha aprendido e há quem diga conquistado de forma errada ao se tornar democrática. Em menos de 40 anos, vivemos a decadência da democracia, quem diria! E não há como não relacionar a metodologia (se assim posso afirmar) aplicada na política atual ou melhor, desde os tempos da UDN, com a cultura que a nossa sociedade emprega até no proprio setor privado, publico autonomo e sindical, porque não? Vivemos o apogeu das aparências pela falta de sensibilidade humana, principalmente em se tratando de sociedade, não há uma postura sequer que preze pela prosperidade do proximo. Essa aula de democracia até então, eu que sou o berço dela (nascido em 85), só me ensinou que se deve prosperar pelos interesses próprios defendendo com unhas e dentes os interesses daquilo que é meu, do meu coluío, construindo vínculos que me favorecem. Assim crescemos filhos e netos dos políticos de cabelo acaju. O sentimento do Zezé Dirceu proliferou, fruto do seu aprendizado nesta tal direta já que ele e outras mentes brilhantes criaram e fundaram. Ao lado da classe militar, hoje em dia travestida de partido político, se configurou também a classe sindical, oxa lá dizer que é operária, pois, o mínimo que se pode conquistar quando alguns sindicais ascencionam a oligarquia brasileira são alguns benefícios salariais para os trabalhadores que hoje em dia comprova-se que mal serve para estabilizar a balança comercial do País. Se a balança comercial não é equilibrada o que dizer dos benefícios previdenciários, de um futuro aposentado que cada vez mais terá que trabalhar mais, pagar mais impostos, para receber uma quantia menor em relação aquilo q que estamos habituados a consumir. E nessa batida, a democracia tem me ensinado que ou você cresce tentando fazer um “esquemão” para construir o seu puxadinho ou vai ficar no final da vida aguardando o dia 05 na porta da agência bancária para receber metade da sua parcela de INSS, pois, a outra metade é utilizada para pagar a parcela do Consignado. Um texto como esse, tem mais significância que as belas canções do Boarque de Holanda. Nada contra a democracia! Muito menos contra o mestre Chico. É que faltam sinapses na nossa historia. Virei seu fã.

    • Alceu Castilho disse:

      Olá, Alex, fico extremamente lisonjeado diante dos elogios superlativos. E particularmente feliz porque esse deve ser o texto que mais me satisfez desde que inaugurei esse blog, há um mês. (Antes escrevia em um blog pouco lido e no Facebook.) E olha que outros textos viralizaram muito mais. É mais uma crônica do que qualquer outra coisa, mas com alguns aspectos que talvez mereçam ser estudados.

  5. Alex Braga disse:

    Alceu, não te conhecia. Fruto da minha anorexia ignorante e imediatista de pouco ler jornais e apenas assistir a algo que me é expelido, ora vendido, na maioria das vezes manipulado culturalmente. Esse é o melhor texto que eu leio nos últimos anos, se não o melhor que eu já li (fico até com vergonha de assumir isto). Mas, esse texto prova que há uma essência por trás de tudo aquilo que a nossa sociedade tenha aprendido e há quem diga conquistado de forma errada ao se tornar democrática. Em menos de 40 anos, vivemos a decadência da democracia, quem diria! E não há como não relacionar a metodologia (se assim posso afirmar) aplicada na política atual ou melhor, desde os tempos da UDN, com a cultura que a nossa sociedade emprega até no proprio setor privado, publico autonomo e sindical, porque não? Vivemos o apogeu das aparências pela falta de sensibilidade humana, principalmente em se tratando de sociedade, não há uma postura sequer que preze pela prosperidade do proximo. Essa aula de democracia até então, eu que sou o berço dela (nascido em 85), só me ensinou que se deve prosperar pelos interesses próprios defendendo com unhas e dentes os interesses daquilo que é meu, do meu coluío, construindo vínculos que me favorecem. Assim crescemos filhos e netos dos políticos de cabelo acaju. O sentimento do Zezé Dirceu proliferou, fruto do seu aprendizado nesta tal direta já que ele e outras mentes brilhantes criaram e fundaram. Ao lado da classe militar, hoje em dia travestida de partido político, se configurou também a classe sindical, oxa lá dizer que é operária, pois, o mínimo que se pode conquistar quando alguns sindicais ascencionam a oligarquia brasileira são alguns benefícios salariais para os trabalhadores que hoje em dia comprova-se que mal serve para estabilizar a balança comercial do País. Se a balança comercial não é equilibrada o que dizer dos benefícios previdenciários, de um futuro aposentado que cada vez mais terá que trabalhar mais, pagar mais impostos, para receber uma quantia menor em relação aquilo q que estamos habituados a consumir. E nessa batida, a democracia tem me ensinado que ou você cresce tentando fazer um “esquemão” para construir o seu puxadinho ou vai ficar no final da vida aguardando o dia 05 na porta da agência bancária para receber metade da sua parcela de INSS, pois, a outra metade é utilizada para pagar a parcela do Consignado. Um texto como esse, tem mais significância que as belas canções do Boarque de Holanda. Nada contra a democracia! Muito menos contra o mestre Chico. É que faltam sinapses na nossa historia. Virei seu fã.

    • Alceu Castilho disse:

      Olá, Alex, fico extremamente lisonjeado diante dos elogios superlativos. E particularmente feliz porque esse deve ser o texto que mais me satisfez desde que inaugurei esse blog, há um mês. (Antes escrevia em um blog pouco lido e no Facebook.) E olha que outros textos viralizaram muito mais. É mais uma crônica do que qualquer outra coisa, mas com alguns aspectos que talvez mereçam ser estudados.

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