Sobre sus-ten-ta-bi-li-da-de e res-pon-sa-bi-li-da-de fiscal

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Termos “consensuais” podem significar uma armadilha, a perpetuar a desigualdade em um modelo que beneficia poucos, sob a lógica do lucro e do pagamento eterno de dívidas

Por Alceu Luís Castilho (@alceucastilho)

O professor de Jornalismo Dennis de Oliveira, da Escola de Comunicações e Artes da USP, observa em seu Facebook que muita gente comemora o fato de o Brasil ter há 15 anos uma “lei de responsabilidade fiscal”, para que os governos não gastem mais do que arrecadam. “Essa lei parte da premissa que o supremo compromisso do governante é ser responsável com os gastos”, ele diz. “Mas porque não existe uma Lei da Responsabilidade Social?”

Essa lei puniria os governos que não investissem o suficiente em saúde, educação e assistência social, com a garantia de padrões mínimos de qualidade. Completa Oliveira: “A Lei de Responsabilidade Fiscal foi aprovada única e exclusivamente para garantir os direitos dos credores da dívida pública, isto é, garantir que os governos tenham recursos suficientes para pagar esta divida. Agora, a dívida social, imensa e absurda, fica só na retórica”.

E fiquei pensando no aspecto linguístico – ou discursivo – do termo. A palavra-chave é “responsabilidade”. E quem quer um governo irresponsável, não é mesmo? Portanto a palavra blinda o conceito. Mesmo que a aplicação da lei, louvável em alguns aspectos, parta dessa premissa da perpetuação do pagamento de dívidas que (diante do pagamento sistemático de juros) já foram pagas várias vezes. Beneficiando apenas um pequeno setor da sociedade, rentista.

O termo se alonga, imponente: “res-pon-sa-bi-li-da-de”. Que rima com sustentabilidade. Outra palavrinha coringa, que ganha ares de amiga intocável. Afinal, nada pode ser “insustentável”, certo? Por trás do termo, porém, falado de boca cheia, há diferentes concepções do que seria sustentável. Sustentável para quem, contra quem? Perguntem a uma empresa a definição do que seria isso e os diretores responderão: responsabilidade social, responsabilidade ambiental e… lucro.

Lucro. Mas seriam a obsessão pelo lucro (privado) e o pagamento reverente de dívidas eternas (pelo poder público) uma combinação realmente sustentável? Enquanto professores ganham mal, morre-se gente de tuberculose, boa parte das cidades não tem saneamento básico, num país sem reforma agrária, com um modelo penitenciário medieval, sem uma política de habitação – digna – em ampla escala, com grupos de extermínio e genocídio da juventude pobre/negra/indígena?

(Muitas empresas que falam de sustentabilidade, por exemplo, são as mesmas que praticam crimes ambientais e, em suas atividades-fim, oferecem risco à população do entorno. A Samarco e a Vale, por exemplo, fazem relatórios anuais de sustentabilidade, amplos relatos e cartas de boas intenções. Todos vimos o que aconteceu em Mariana.)

Nesse sentido o professor vai direto ao ponto ao falar de Lei de Responsabilidade Social. Truco. Xeque. Estão os governos que se consideram “responsáveis” preparados para ser socialmente responsáveis? Um dos problemas é como fazer essa conta. A baliza do orçamento público está no aspecto contábil, que salvaguarda a porcentagem sagrada para o pagamento da dívida. A da responsabilidade social não deveria excluir a questão orçamentária, mas ir bem além disso. Por inclusão, distribuição de renda e de oportunidades, em franco e efetivo combate à desigualdade.

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