Vinte anos para mudar o mundo

Immanuel Wallerstein alerta: Estados Unidos declinarão mais rapidamente, mas isso não garante nada. É hora dos projetos de longo prazo

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Immanuel Wallerstein alerta: Estados Unidos declinarão mais rapidamente, mas isso não garante nada. É hora dos projetos de longo prazo

Tradução: Daniela Frabasile | Imagem: Henri Rousseau, Navio na Tempestade (detalhe)

Há uma década, quando eu e alguns outros falamos do declínio dos Estados Unidos no sistema-mundo, fomos recebidos no máximo com sorrisos de pena por nossa ingenuidade. Os EUA não eram o superpoder, envolvidos em cada canto remoto do planeta, capazes de obter o que queriam em quase todas as ocasiões? Essa era uma visão difundida em todo o cenário político.

Hoje, a visão de que os Estados Unidos declinaram, e declinaram seriamente, é uma banalidade. Todos dizem isso, com exceção de alguns políticos norte-americanos que temem ser culpados pela decadência, se a debaterem. O fato é que hoje quase todos acreditam na realidade desse declínio.

O que, entretanto, é muito menos discutido é quais foram, e quais serão as consequências mundiais desse fato. O declínio tem raízes econômicas, é claro. Mas a perda do quase-monopólio de poder geopolítico, que os Estados Unidos já exerceram, tem conseqüências políticas importantes em todo o mundo.

Vamos começar com uma história contada na seção de negócios do The New York Times em 7 de agosto. Um administrador de fortunas em Atlanta “apertou o botão de pânico” em nome de dois clientes ricos que o encarregaram de vender todas as ações e investir o dinheiro em algum fundo mútuo de alguma maneira isolado da crise. O administrador contou que, em 22 anos de trabalho, nunca tinha ouvido um pedido desses. “Isso não tem precedentes”. Os jornais chamaram a decisão de o equivalente de Wall Street ao “botão nuclear”. Foi algo inteiramente contra o conselho tradicional santificado, de “evitar o pânico” diante das turbulências do mercado.

A Standard & Poor`s reduziu o rating de crédito dos Estados Unidos de AAA para AA+, outro fato “inédito”. Mas isso é uma ação relativamente leve. A agência equivalente na China, Dagong, já reduziu a credibilidade dos Estados Unidos para A+ em novembro, e agora para A-. O economista peruano Oscar Ugarteche declarou que os Estados Unidos tornaram-se uma “república de bananas”. Ele diz que o país “escolheu a política da avestruz, como modo de não perder as esperanças [de melhora]”. Em Lima, nessa última semana, o encontro dos ministros de Finanças dos países sul-americanos discutiu medidas urgentes para isolar a região dos efeitos do declínio econômico dos Estados Unidos.

O problema que todos enfrentam é que é muito difícil isolar-se dos efeitos do declínio dos Estados Unidos. Apesar da severidade de seu declínio político e econômico, os Estados Unidos continuam um gigante no cenário mundial, e qualquer coisa que acontecer lá ainda provoca grandes ondas no resto do mundo.

É claro que o maior impacto do declínio é, e vai continuar sendo sentido, nos próprios Estados Unidos. Políticos e jornalistas estão falando abertamente da “disfuncionalidade” da situação política no país. Mas o que mais essa situação pode ser, além de disfuncional? O fato mais elementar é que os cidadãos dos Estados Unidos estão chocados pelo simples fato do declínio. Não é apenas que os estejam sofrendo materialmente com esse declínio, temam sofrer ainda mais, com o tempo. Eles acreditaram que os EUA eram a “nação escolhida”, designada por Deus ou pela história para ser um modelo para o mundo. E ainda ouvem o presidente Obama assegurar que seu país será sempre um “triplo A”.

O problema para Obama e para todos os políticos é que muito poucas pessoas ainda acreditam nisso. O choque para o orgulho e a auto-imagem nacional é formidável e além de tudo repentino. O país está lidando muito mal com ele. A população busca bodes espiatórios e esbraveja, de modo selvagem e pouco inteligente, contra os suspeitos de sempre. A última esperança parece ser a de descobrir que alguém é culpado e ver, como remédio, mudanças no comando.

Em geral, as autoridades federais são vistas como as mais fáceis de culpar – o presidente, o Congresso, os dois grandes partidos. Há uma tendência forte em direção a cortes no envolvimento militar fora dos Estados Unidos. Culpar o “povo de Washington” por tudo produz volatilidade política e disputas locais ainda mais violentas. Os EUA tornaram-se, eu diria, uma das entidades menos estáveis no sistema-mundo.

Isso torna EUA um país não apenas de disputas políticas disfuncionais, mas, além disso, pouco hábil para exercer poder real na cena internacional. Há uma grande queda na confiança nos Estados Unidos e seu presidente, entre grandes aliados no exterior e entre a própria base política interna do presidente. Os jornais estão cheios de análises sobre os erros políticos de Barack Obama. Quem pode argumentar contra isso? Eu poderia listar facilmente dezenas de decisões de Obama que, segundo meu ponto de vista, foram erradas, covardes e algumas vezes inteiramente imorais. Mas eu me pergunto se teria feito muita diferença, caso ele tivesse agido como sua base desejaria. O declínio dos Estados Unidos não é uma consequência de decisões medíocres de seu presidente, mas de realidades estruturais no sistema-mundo. Obama pode ser o indivíduo mais poderoso no mundo, mas nenhum presidente dos EUA é ou poderia ser hoje tão poderoso como os de antes.

Estamos entrando numa era de turbulências agudas, constantes e rápidas – nas taxas de câmbio, nas taxas de emprego, nas alianças geopolíticas, nas definições ideológicas da situação. A extensão e rapidez destas flutuações torna impossível fazer previsões de curto prazo. E sem alguma estabilidade razoável nas previsões de curto prazo (três anos, digamos), a economia-mundo estanca. Todos os países terão de ser mais protecionistas e voltados para dentro. Os padrões de vida vão cair. Não é um quadro agradável. E embora haja aspectos positivos para muitos, no declínio norte-americano, nada garante que, com os sacolejos do barco mundial, outros países possam tirar da nova situação o proveito que esperam.

É hora para análises muito mais sóbrias e de longo prazo, julgamentos morais muito mais claros sobre o que estas análises revelam, e ação política muito mais efetiva no esforço de criar, nos próximos 20 ou 30 anos, um sistema-mundo melhor do que aquele em que estamos hoje enrascados.

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2 comentários para "Vinte anos para mudar o mundo"

  1. edelvio coelho lindoso disse:

    Caro Immanuel, você expôs o declínio econômico do gigante, rastreou pelo oscilar do poder geopolítico na medida do atrevimento de alguns Estados em ancarar o descente alfa, mas não sugeriu o terceiro pilar, que qual dente mole, vai caindo conforme os outros caem, o enormíssimo capital bélico, o maior do planeta, que sem finança ficará congelado, a parte humana e a parte mecânica. Como fazer para recolher tudo isso? Sem os poderes político, econômico e militar, que sobra?
    Vejo uma sombra e falo como profeta: Se os cidadãos judeu-americanos, entre dois e très% da população nacional, em torno de oito milhões. número maior que os israelenses de Israel, representam hoje, pouco mais de vinte% do eleitorado, capaz de decidir votações importantes no Congresso, com poder político fortemente consolidado, com capacidade de mobilização inovidável, é de temer-se que eles empolguem as casas legislativas e o Executivo e tomem as rédeas da nação, judaisando explicitamente e com competência, além desses dois poderes, mais o Judiciário e por consequência, também, o poder militar. Imaginemos o tamanho do sucesso e do acerto de todas as agruras que o paciente estava sofrendo, de repente, transformado em cura.
    Lá se vão os dois Israel, um complementando o outro, outro tanto ainda espalhado pelo mundo, empurrando o novo Estado na sua vocação expansionista, militarista, ufanista, em busca do lábaro de líder hegemônico geopolítico. Se não tiver bom senso, engolfará o Globo numa conflagração apocalíptica, e seja o que quiserem Javé, Cristo e Alá.

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