Teatro Oficina prepara rito-orgia contra o golpe

Companhia reapresenta e ressignifica “Bacantes”. Escrita por Euripedes há 2,5 mil anos, peça propõe estraçalhar e devorar poder absoluto e impostor

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Companhia de Zé Celso reapresenta e ressignifica “Bacantes”. Escrita por Eurípedes há 2,5 mil anos, peça propõe estraçalhar e devorar poder absoluto e impostor

Pelo Núcleo de Comunicação do Oficina

Bacantes, de Eurípedes, Zé Celso e Teat(r)o Oficina

Em São Paulo

+ De 21 a 23 de Outubro no Sesc Pompeia

+ De 28 de Outubro a 23 de Dezembro no Oficina

Sábados e domingos, às 18h (duração: 5h40)

Participantes de Outros Quinhentos pagam R$ 20 (preço normal: R$ 60)

Bacantes põe em cena

o poder da presença

diante da presença do poder.

Como a ascensão da direita e riscos de fascismo em tantas partes do mundo, As Bacantes, de Eurípedes — peça que o Teatro Oficina estreia nesta sexta-feira, em São Paulo, ganha nova potência política. O rito vive a chegada de Dionyzio (Marcelo Drummond), filho de Zeus (Sergio Siviero) e da mortal Semelle (Camila Mota), em sua cidade natal, Tebas, que não o reconhece como Deus. Trava-se o embate entre o mortal Penteu (Fred Steffen), filho de Agave (Joana Medeiros), que, através de um golpe de estado, tomou o poder do avô, o governador Kadmos (Ricardo Bittencourt e Sergio Siviero) e tenta proibir a realização do Teatro dos Ritos Báquicos oficiados por Dionyzio e o Coro de Sátiros e Bacantes nos morros da cidade.

Penteu é a personagem mais contemporânea da peça. Ele está presente na cabeça dominante do golpe no Brasil, herança de nosso legado racista, patriarcal, escravocrata e sexista, que tem na propriedade privada a legitimação de genocídios; é a possibilidade concreta de Donald Trump tornar-se presidente dos Estados Unidos; é o discurso de grupos de ódio que não conseguem contracenar com as diferenças; é a cara nova, do privatizante e “apolítico” projeto neoliberal.

No terceiro ato, o coro de Bacantes e Sátiros estraçalha e devora Penteu, num trágico banquete antropofágico. Bacantes e Sátiros presentificam a multidão – as lutas sociais, o movimento das mulheres que reexiste frente ao machismo. São conduzidos por sua mãe. É um rito de adoração da adversidade, que abomina práticas de neutralização ou extinção de outras culturas, pensamentos, estéticas e visões de mundo.

Nesse movimento, o coro se revela mais contemporâneo que Penteu, pois vai em direção ao primitivo, num retorno ao pensamento em estado selvagem com percepção da cosmopolítica indígena. Esta nos mostra, hoje, como totemizar a predação e o trauma social do capitalismo e do antropocentrismo que atravessam continentes e séculos carregando a mitologia do Progresso a qualquer custo.

Com músicas compostas por Zé Celso e seu amadorismo de macaca de auditório da Rádio Nacional, incorporando o Teatro de Revista, Bacantes vai muito além do musical norte-americano. Além disso, depois de 20 anos da estreia, a evolução musical do Coro do Teat(r)o Oficina Uzyna Uzona, desde as montagens de Os Sertões até as imersões nas obras de Villa Lobos e Paul Hindemith, preparou a companhia para a atuação nesta ópera eletrocandomblaica com a qualidade que lhe é devida. A música é executada ao vivo pelos coros & banda.

A peça e a cosmogonia de uma encenação: da Grécia Antiga ao Teatro Oficina

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405 a.C.

Bacantes, Bakxai, é a última tragédia escrita por Eurípedes, o terceiro grande dramaturgo grego, que dedicou a maior parte de suas peças a um conteúdo social, onde era frequente a ausência de mitos. Na velhice, é exilado na Macedônia em uma casa situada ao lado de um terreiro de velhas bacantes, onde escuta celebrações dos ritos da origem do teatro, preservados por elas. Eurípedes documenta e reconstitui esses ritos, bem mais remotos que ele, em 25 cantos e cinco episódios.

1983 – 1986

O Teatro Oficina prepara a primeira versão do texto, finalizada em 1987. Nos anos 80, a companhia realiza diversos trabalhos de coro, composição de músicas e constrói uma dramaturgia antropófaga. São co-autores dytirambistas dos tyasos dionizíacos Eurípedes, Zé Celso, Catherine Hirsch, Denise Assunção e Marcelo Drummond.

Segundo Fernando Peixoto, em texto sobre a tradução feita pela companhia,

José Celso é mais dionisíaco que Eurípedes. Seu texto, proposta para um espetáculo, estímulo para a encenação, partitura de palavras em busca de uma partitura musical com estrutura de ópera, avassalador e criativo vômito de frases poéticas que incorporam até mesmo como citação explícita elementos da vida nacional e popular do Brasil de hoje, não é nem uma acadêmica tradução e muito menos uma livre e desenfreada adaptação. As Bacantes que ele elabora como texto ou pré-texto para um projeto de espetáculo capaz de integrar o terreiro de nossas religiões afro com a múltipla presença de aparelhos de vídeo, necessitando música que mescle o atabaque com o sintetizador eletrônico, é fruto de uma insólita e mediúnica parceria: Eurípedes–José Celso. Direitos autorais a serem divididos 50% (…) E ambos devem parte de seus direitos às mais autênticas, espontâneas e transgressoras religiões-tradições de de seus povos: Eurípedes seria pobre sem os mitos da religião grega, assim como José Celso seria mais pobre sem os rituais das religiões

 

1993

O texto de 1987 é matriz e incorpora em sua estrutura poética peças que serão encenadas a partir da década de 90. E antes da montagem do espetáculo, a dramaturgia se materializou na construção do terceiro Teatro Oficina, de Lina Bo Bardi e Edson Elito, paradoxalmente inaugurado com Ham-Let, de Shakespeare, em 1993, e com projeto arquitetônico inspirado diretamente nas necessidades dos elementos da arquitetura cênica de Bacantes: terreira eletrônica, extratoporto, chão de cimento com tira de terra crua, céu aberto em teto móvel para comunicação com os urânidas, jardim túmulo de Semele, fogo, fonte de Dirce – cachoeira. Esse espaço, dramaturgicamente arquitetado, em 2015, foi eleito o melhor teatro do mundo, segundo o The Guardian.

A peça é a grande diretora da linha estética desenvolvida pela companhia: tragykomédyOrgyas, óperas de carnaval elektrocandomblaicas.

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Penteu estraçalhado pelas Bacantes (de um afresco em Pompeia)

1995

Bacantes teve sua primeira montagem encenada no Teatro de Arena de Ribeirão Preto. Uma multidão lotou o teatro ao ar livre em uma sessão realizada pelo Sesc no dia 11 de agosto, aniversário do Dionyzio Marcelo Drummond.

1996 – Público atuador

Estreou em 1996 no Teatro Oficina, já terreiro eletrônico de Lina Bo Bardi e Edson Elito, encenada como ópera de Carnaval para cantar o nascimento, morte e renascimento de Dionyzio, Deus do Teatro, do vinho e do carnaval.

O público, apaixonado pela pulsão teatral, na primeira temporada de Bacantes passou pelo rito de passagem à outra Re-iniciação: do Teatro Orgyástico, aberto para todas as democracias, vivo, como a Multidão nos Coros da Tragédia Grega ou nos antígos carnavais. Foi o embrião de um coro que nas décadas seguintes atuou no dia a dia dos espetáculos da companhia.

1997 – 2011

O texto phalado em brazyleiro, pra boca de todos, é encenado em diversos teatros de estádio – espaços cênicos construídos com estrutura semelhante ao Teatro Oficina, sempre em formato de pista, e Bacantes é apresentada para multidões em muitas cidades do Brasil e do Mundo: Araraquara, Brasília, Salvador, Recife, Belém, Manaus, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Fortaleza, Liége e Lisboa.

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