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“O ataque deve começar no início da Missa do Galo. Evitem comer muito nessa noite. Mesmo se eles oferecerem algo da ceia pra vocês…”

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Conto de Leonardo Gomes Nogueira | Imagem: Edvard Munch, Trabalhadores a caminho de casa (1913-15)

A senha é uniforme. Como toda senha deve ser. A senha é o uniforme.

Todos deveriam usar o uniforme de trabalho naquela noite. De uniforme, falou chefia, somos inofensivos aos olhos dos nossos inimigos. O chefia resumia dessa forminha: ninguém vai nem olhá.

O local da reunião, decidido apenas uma hora (não trabalhada) antes, seria em uma grande e profunda garagem vazia. Ainda em atividade, mas desocupada nas horas não trabalhadas.

A garagem subterrânea foi escolhida pelo próprio chefia. Ele sabia que ali não haveria sinal de celular. Nem de vida naquele horário. O chefia temia. Temia tanto que ele até já tinha planejado uma rota de fuga pra uma pessoa.

O chefia usa o mesmo uniforme dos demais. Mas um broche dourado se destaca no seio peito. Volumoso, o chefia ostenta peitinhos que se aproximam dos femininos pelo volume, mas se afastam rapidamente daqueles pelos pelos que dali irradiam.

– Não vai ser fácil. Ninguém disse que ia…

Avisa o chefia.

– O azul…

Um dos presentes, bem próximo do chefia, tenta falar algo. O som sai abafado. O chefia chia.

– Ei! Não vai ser fácil. Mas temos uma grande vantagem. Sabemos tudo da vida deles. O que seria deles sem nós? Eles não durariam um dia!

Alguns aplaudem.

– Queria falar da cor.

– Depois. É a nossa grande vantagem… Conhecemos tudo deles. Melhor do que qualquer parente ou amigo.

– E o azul?

– Por favor! Sabemos dos seus horários, dos seus hábitos… Temos as chaves das suas casas. Sim. Podemos entrar nas suas casas a qualquer momento. Precisamos apenas atacar no momento certo. E de forma conjunta. Todos ao mesmo tempo!

Alguns, sempre os mesmos, aplaudem.

– Odeio o azul.

– Por favor! O ataque vai começar na madrugada do dia 24 para o 25. Mas… Repito! Precisamos agir ao mesmo tempo. Ou o ataque vai falhar. O ataque deve começar no início da Missa do Galo. A maioria vai tá dormindo nessa hora. E eles vão tá de barriga cheia. O que é ótimo. A reação será mais difícil. Evitem comer muito nessa noite. Mesmo se eles oferecerem algo da ceia pra vocês…

Alguém grita.

– Eles nunca oferecem!

Outro grita.

– Filhos da puta!

– Sim. De qualquer maneira…

– Eu queria falar sobre a cor.

– Tá bom. Fala!

– Odeio o azul. Todo mundo sabe disso. A gente precisa de uma cor mais… Mais forte. O azul deixa a gente submisso. É feito pra que a gente aceite ordens. Pra que a gente fique bem obediente. Eu trouxe até anotado… O azul significa tranquilidade, serenidade, paz… Alguém aqui tá interessado em paz?

Alguém grita.

– Tem polícia que usa azul. Eu já vi.

O detrator do azul responde prontamente.

– Mas não esse azul merda. Eles usam azul escuro.

O chefia temia os riscos da democracia. O chefia, por isso, logo ponderaria.

– O que você fala é importante… Mas depois da nossa vitória a gente volta a falar disso.

– Esse azulzinho… Enfraquece. É ruim!

– A gente fala disso depois. Ninguém aqui vai amarelar. A cor é um detalhe.

A maioria parece concordar passivamente: a cor é um detalhe. Alguns aplaudem.

– Bom… O início do ataque deve começar com a Missa do Galo. Entenderam?

Iremos matá-los como porcos. Grita alguém, anonimamente, do fundo.

– A operação inicial vai se chamar “Missão do Galo”.

Alguém comenta perto do chefia: que nome bosta. Chefia ignora a reflexão e distribui um papel com os passos iniciais da operação.

MISSÃO DO GALO

(ATENÇÃO! – DESTRUA DEPOIS DE LER)

1. Com o início da Missa do Galo, envenenar a caixa da água. Daí a importância de armazenar água para as duas primeiras semanas de luta.

São, ao todo, 10 orientações para os primeiros dias da rebelião. O homem preocupado com o azul (e vestido da mesma cor) pergunta:

– Duas semanas de luta?

– No mínimo! Por isso, precisamos armazenar os itens essenciais. Leiam bem quais são esses itens. A ideia é de um ataque inicial muito duro e concentrado. Assim a gente tem alguma vantagem. A gente precisa enfraquecer bastante o inimigo antes que ele possa revidar.

O líder continua: sua e fala.

– Todo mundo precisa aprovar o plano. Quando a gente sair daqui, não tem mais volta.

Todos aprovam o plano que dará início ao levante chacoalhando chaves que não são suas. Esse gesto, aparentemente tolo, é um dos seus códigos secretos.

Em seguida, o chefia grita:

– Porteiros do mundo, uni-vos!

Os berros de alegria que seguem não serão ouvidos na superfície.

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