Photofagia:"Dançava a esperança e a liberdade…"

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Ultrapremiado durante quatro décadas, Ballet Stagium mantém sua pegada: incorporar brasilidade; apresentar-se em qualquer chão; mobilizar, pela arte, outros valores

Por Leticia Freire

A tarde era de ensaio. No palco o coreógrafo Décio Otero instrui os bailarinos. É hora de aquecer o corpo. Diante de mim o grupo da Cia de Dança Ballet Stagium, fundada em 1971.

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A atuação do corpo do balé teve início em um cenário em que o cinema e a música popular eram fiscalizados pela censura da ditadura militar. “Não existia confiança em grupo de dança brasileiro. Ninguém acreditava que abrindo as nossas portas sobreviveríamos. Ninguém acreditava no balé nacional”, conta Otero.

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Nesse panorama, decidiu que ele e sua mulher, a também bailarina e coreógrafa Marika Gidali, seguiriam um caminho diferente daquele que havia pautado a dança no Brasil até então. “Começamos a viajar para sobreviver. Da primeira vez, saímos de São Paulo e fomos até São Luis do Maranhão de ônibus. Sempre que podíamos parávamos para algum espetáculo público”, complementa Marika (com quem converso por telefone).

Nessa passada, o Stagium desbravou o território nacional. “Eu dançava demais a esperança e a liberdade. Todas as coisas que não faziam pela arte, pela dança, pela cultura e pela cidadania, eu fiz. Eu dancei o amor”, emociona a bailarina.

Fato é que a companhia dançou (e amou) o Brasil como poucos: do Oiapoque ao Chuí, milhares de pessoas que normalmente não teriam acesso à cultura, puderam prestigiar a arte nacional nas passagens do Ballet Stagium pelas mais peculiares regiões nacionais.

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As produções – adaptáveis aos mais diversos tipos de espaços – sempre permitiram apresentações em lugares como num convés da Barca Juarêz Távora (durante 15 dias no Rio São Francisco), em pátios de escolas, na periferia dos grandes centros urbanos, em favelas, igrejas, praias, hospitais, estações de metro, em presídios ou em unidades da Febem.

De um palco flutuante armado no lago do Ibirapuera (SP) ao chão batido das terras indígenas (posto Leonardo, Alto Xingu) a ‘caravana’ do Stagium carrega por onde passa a marca popular e democrática.

Brasilidade

Em várias coreografias, utilizando vertentes universais da dança com aspectos tipicamente brasileiros, o Ballet Stagium retratou (e ainda retrata) como poucos o índio brasileiro, o operário, o folclore, o oprimido e o opressor. “Minhas antenas já estavam totalmente ligadas no patrimônio cultural nacional. Imbuídos pela questão da brasilidade, começamos a dançar ‘em português’”, conta. Tamanho empenho não poderia ter dado em outra coisa: reconhecimento.

Ballet Stagium

A Cia de Dança Ballet Stagium foi responsável por projetar, pela primeira vez na história brasileira, uma companhia de dança nacional nos holofotes internacionais, esbanjando nossa criatividade e musicalidade em terras estrangeiras.

Projetos socioeducacionais

Apenas no campo do desenvolvimento da arte e da educação no Brasil, o trabalho desenvolvido dentro do Stagium é considerado de vital importância para o País. Não por menos, seus líderes ganharam mais de 15 prêmios nacionais e internacionais, alçando a dança brasileira a um novo patamar. Mas o trabalho pela valorização e democratização da arte é apenas uma parte da contribuição de Décio Otero e Marika Gidali à história nacional.

Na década de 1990, mais precisamente em 1994, o casal dá mais uma grande passada e mistura cidadania, coragem e inteligência social em favor da educação de jovens das escolas públicas da periferia de São Paulo.

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Com a criação do Projeto Escola Stagium seus espetáculos foram apresentados a mais de 80 mil crianças e adolescentes das escolas de bairros desfavorecidos pela política sociocultural nacional.

Tamanha era sua devoção pelo tripé transformador da cultura, educação e cidadania, que em 1999 o casal foi convidado pelo então governador de São Paulo, Mário Covas, para coordenar todas as atividades de dança nas unidades da Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem) do estado.

Em 2000, Marika é indicada e premiada pelo Unicef por sua atuação junto aos menos infratores do Brasil. A premiação levou a dupla de bailarinos ao Canadá, onde puderam visitar e pesquisar o sistema judiciário e carcerário dos jovens infratores.

De volta ao Brasil, em 2001, eles criam o Projeto Joaninha, que utiliza a dança e outras formas de arte para promover a inclusão social. “Nosso objetivo é oferecer aos jovens das escolas públicas da periferia de São Paulo a oportunidade de descobrir, por meio da dança, a importância da obtenção de conhecimento, informação e cultura, despertando interesse pela própria formação”, conta.

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Desde sua fundação, já passaram pelo Joaninha mais de 2 mil meninos e meninas. “Acredito que a dança tem todos os elementos necessários para fortificar uma criança. Postura, valorização corporal, cultura, disciplina, enfim, uma infinidade de elementos que faz com que a beleza seja maior que a violência”, pontua Otero.

A ideia é a disciplina, harmonia, beleza, sociabilização. “Talvez essa criança não se torne um bailarino, mas ele vai levar uma bagagem de ética”, garante.

Fôlego para mais? “Minha vida pessoal sempre foi resolvida nos intervalos dos espetáculos, entre as entradas em cena e as salas de aulas. Sempre fui emocional. Tenho raiva, momentos doidos. Meu trabalho me apaixona com a mesma intensidade das pessoas que eu gosto. Minha filosofia de vida é fazer acontecer”, exalta a mestra.

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Hoje, Marika Gidali ainda é responsável por trabalhos corajosos e generosos, em que a dança funciona como agente de transformação sociocultural. “Muita luta, muita. Nada veio ao Stagium sem que houvesse um grande empenho e esforço de toda a equipe. Mas são 40 anos de luta. Temos que seguir em frente”, diz ela com orgulho na voz.

Amigos do Ballet Stagium

Referência na história da arte e da educação brasileira, a companhia de dança Ballet Stagium já é um patrimônio cultural nacional. Acesse o site e saiba como colaborar com os projetos da Cia.http://stagium.com.br/

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Um comentario para "Photofagia:"Dançava a esperança e a liberdade…""

  1. Ismenia Rogich disse:

    Orgulho!!!

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