Nariz fino de Anitta; axilas "descoladas" de Madonna

Por que discordo de algumas feministas — que julgaram racista plástica da cantora de brasileira, e viram rebeldia na norte-americana

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Por que discordo de algumas feministas — que julgaram racista plástica da cantora de funk brasileira, e viram rebeldia na norte-americana

Por Marília Moschovich, na coluna Mulher Alternativa

A semana que se encerrou ontem foi quentíssima para divergências, debates e confusões em torno de padrões estéticos. No começo dela, Madonna publicou uma foto em seu instagram onde mostrava axilas peludas. No finzinho, o Fantástico entrevistou a cantora Anitta sobre suas mais recentes cirurgias plásticas. Em comum e no centro da questão estão padrões estéticos. Afinal de contas: a escolha de Anitta é pior do que aquela feita por Madonna? É possível um olhar feminista que não culpabilize nem condene a escolha individual nesses dois casos?

[Parênteses fundamentais aqui: jamais teríamos essa discussão sobre a decisão de Michel Teló se depilar ou ficar peludo, ou sobre as plásticas do John Travolta, que fique claro. Esse ponto específico da questão já é suficiente para um outro texto inteiro; desta vez decidi me concentrar sobre outro aspecto da coisa. Fecha parênteses.]

Nenhuma discussão que compare essas duas mulheres sem atenção às especificidades de cada uma pode ser produtiva. Anitta e Madonna, além de consoantes repetidas na grafia da última sílaba, têm pouco em comum e partem de lugares bem diferentes.

Não é nenhum segredo que, mesmo de axilas peludas, Madonna corresponda a todos (ou quase todos, já que não é mais exatamente jovem) os padrões estéticos dominantes: branca, loira, olhos claros, magra, corpo muscular, pequena, traços que consideramos europeus, e pra fechar com chave de ouro é estadunidense. Anitta, muito pelo contrário: brasileira, morena, negra, afrodescendente, olhos escuros, traços que lemos como negros ou latinos. Compartilha com Madonna talvez o corpo “magro nos padrões”, e a “vence” no quesito “juventude”.

Há ainda uma outra diferença importante: o estilo de música performado por Madonna não é associado à pobreza, nem criminalizado, nem sofre todo tipo de ataque racista. Madonna é praticamente um cânone de um tipo de música largamente aceito, dominante, considerado “cool” em tudo que é canto. Anitta está no enorme leque do funk, e isso faz toda diferença na maneira como elas são vistas, tratadas, comentadas, julgadas.

Ocupando lugares bem diferentes na complexa rede de relações sociais que vivemos, cada uma dessas cantoras recebeu reações diferenciadas aos episódios em questão. Madonna foi avacalhada pelo público em geral e saudada pelas minhas companheiras feministas. Anitta foi acolhida pelo público em geral e, se não avacalhada, pelo menos fortemente criticada por grupos feministas. Comparando essas reações numa perspectiva intersecional (ou seja, considerando que não existe uma “mulher” descolada de recortes de raça, classe social, geração, etc), é possível ver que há mais nuances do que a princípio pode parecer.

As pessoas que se enquadram em muitos padrões estéticos e sociais em geral têm uma espécie de licença, em qualquer sistema de opressão, para quebrá-lo. Essas pessoas (como a Madonna), que concentram algum poder, têm um aval para romper exigências. Circulou na internet há algum tempo, um texto bacana comentando como o fato de Jennifer Lawrence ser considerada muito libertária ao falar de comida e contra certos padrões estéticos, tinha a ver com o fato de ela estar dentro desses padrões estéticos. A reação não seria a mesma se as palavras de Jennifer saíssem da boca de Gabourey Sidibe, por exemplo. Pois o caso de Madonna e Anitta é exatamente esse.

Anitta será (deve estar sendo) fortemente criticada por tentar se adequar a um padrão estético que, além de machista, é racista: alisa os cabelos, fez plástica no nariz para deixá-lo mais fino, tirou “um pneuzinho” (nas palavras dela mesma). Madonna foi ovacionada por assumir os pelos das axilas em uma foto no instagram. Madonna tem toda a segurança do mundo de que é bonita, com ou sem pelos. Madonna recebe, desde que nasceu, mensagens que lhe dizem que é bonita, que pode fazer o que quiser. Anitta, ao contrário, provavelmente brigou muito internamente, sua vida toda, contra o corpo que tem e a herança afrodescendente manifesta nos cabelos ou no nariz.

Limitar a discussão à escolha individual, nesses casos, é recusar a perspectiva do feminismo intersecional. Considerando o ponto de partida de cada uma das cantoras, é muito claro que a crítica precisa ser estrutural. A questão aqui não é se Anitta é racista, deixa de ser racista, se ela se europeizou e se devemos criticá-la por isso. Tampouco se trata de tornar Madonna nossa heroína pelas axilas peludas.

Me parece que a única posição sólida a tomar é recuperar a crítica ao sistema por trás dessas escolhas. O absurdo em questão não é a cantora de funk reproduzir um racismo a que esteve sujeita toda sua vida. Isso é o óbvio. Questão de sobrevivência, inclusive. O absurdo aqui é outro: vivermos num mundo em que aplaudimos a cantora estadunidense sem sequer nos darmos conta de que sua imagem no instagram é a evidência óbvia de um leque muito diverso de privilégios que ela acumula. Ignorando esses privilégios, seguimos reproduzindo a desigualdade.

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17 comentários para "Nariz fino de Anitta; axilas "descoladas" de Madonna"

  1. leticia disse:

    Anitta branca ???! hahahaha nunca foi ela é parda afrodescendente bem mestiça da pra ver nas fotos e videos, gente branca não tem cor de pele tom amarronzada como de anitta é uma afrodescendente querendo banca uma caucasiana com traços bem morenoide olhos escuros cabelo crespo alisado,nariz plastificado num estúdio é maquiar o corpo aumentar a luz clara bem forte que qualquer um s embrabece fotos tipo photoshop é uma parda afrodescendente querendo ser branca uma vez que pai é negro e ama e é branca misturada com outras raças

  2. Seria parda neh ou seja (neste caso) afrodescendente sim. Bom, se fizermos uma pesquisa sobre a biografia dela teremos condições sim de afirmar isso. Não pelo fenótipo, nisso concordo em partes com você, levando em consideração que há uma gama enorme de povos como árabes, indianos, marroquinos, etc, mas no contexto pelos pais e origem dela, podemos sim levar em consideração as palavras da autora. Mt típico isso em famílias pardas (digo por mim): “cabelinho anelado é de quem? Xiii puxou um pouco do cabelo crespo da vovó… e o narigão é de quem? Aiaiaiai puxou o papai… o da mãe é de ‘princesa’…” Normalmente discriminam a parte negra da família, isso está enraizado (infelizmente) ao nosso senso comum. E mesmo que o nariz seja um narigão turco o lindo e aceitável é o narizinho afilado de princesinha da Diney… de onde vem esse narizinho? 1- África, 2- Ásia, 3- Europa, 4- Arábia, 5- Buraco Negro, 6- Marte, 7- MichaelJacksonlandia????
    Cléo Pires, por mais que seja morena, não teve a mesma vivência que a Anitta. Sempre teve estabilidade financeira, sempre cortejada pela mídia, pais mt bem instruídos, famosos, etc. Claro isso tbm traz cobranças do tipo, sou filha de famosos logo preciso ser perfeita… mas no caso da Anitta ela é sim de origem pobre e as cobranças internas devido a cobranças externas são outras.
    São ambas morenas? São! Poderiam ser até confundidas de longe? Sim! Mas e quanto a suas origens…? Poderiam ser confundidas tbm? Não, e é disso que estamos falando. (me referindo agora ao exemplo que vc deu Cléo Pires e Anitta)

  3. Ricardo disse:

    KKKKK. Mariana, você sabe me dizer onde uma “raça” termina e outra começa? KKKKKKK.
    Pode definir exatamente onde o café-com-leite passa a ter mais leite ou mais café? Aliás, o que seria aí o seu “mais”… “racial”???? KKKKKKKKK
    Ah! racistas!… Só vocês mesmo!…

  4. Ricardo disse:

    “É possível um olhar feminista que…”
    A articulista dá todos os sinais de que o tal “feminismo” é apenas um discurso com vocação para a naturalização mistificadora. Ou seja, fora do “feminismo” não há realidade.
    Será que as feministas, de uma vez por todas, decidiram que só falarão para o gueto das suas próprias histerias?
    É uma pena! Esse talvez seja o maior desserviço do feminismo histérico à luta antimachista.

  5. Estava pensando nisso também, tirando o cabelo (que a propósito cabelo enrolado nunca foi sinônimo de afrodescendência, e também nem vou entrar no mérito do nariz, pois nada melhor que o exemplo dos nossos amigos portugueses, italianos e turcos para nos provarem que nariz grande também não é sinônimo de afrodescendência), não consigo enxergar nenhum traço negro (inclusive de cor) na Anitta. Acredito (posso estar enganada) que as pessoas a enxergam dessa forma, e apedrejam a cantora alegando que ela está se “europeizando”, porque ela veio e representa a periferia – que na sua grande maioria é negra, porém temos 51% da população branca e garanto que muitos estão abaixo da classe média.
    Para muitos, Anitta (funkeira e representante da periferia) é negra e está se “europeizando”. Agora, fazendo uma comparação “besta”: Cléo Pires, de cabelos escuros e enrolados, pele bronzeada, olhos escuros e nariz grande, nunca pertenceu à periferia e não é considerada afrodescendente.
    vide fotos comparativas (ps: ambas estão com o “flash esbranquiçador” no rosto): http://goo.gl/NQm9c5 e http://goo.gl/rGuqQ5

  6. louis disse:

    “Parênteses fundamentais aqui: jamais teríamos essa discussão sobre a decisão de Michel Teló se depilar ou ficar peludo, ou sobre as plásticas do John Travolta”
    Michael Jackson discorda. E foi você, ou as feministas, que criou essa polêmica com as próprias mulheres, ou seja, apontar para existência dessa discussão como prova de algo é falácia

  7. Sarah disse:

    Anitta é tão negra (no Brasil, somos todos mestiços) quanto os pêlos de Madonna são verdadeiros.

  8. Excelente texto! O grande problema são os padrões criados pela sociedade, padrões esses que apenas quem tem poder pode quebrar sem ser apedrejado. E entre Anitta e qualquer outra mulher com o mesmo perfil, porém anônima, as críticas são maiores, reforçando sua tese.

  9. Renato Segati disse:

    Tenho uma leitura diferente sobre o fato: Concordo contigo que há sempre privilégios aos esteriótipos estéticos, em fim… Certo é que Adorno trabalha muito bem essa questão social da música, que extrapola tão somente aspectos estéticos. Ah coisas midiáticas envolvidas, e a critica contrária em si, no mundo musical para a arte contemporânea gera ibope tão quanto a positiva. Eu acho um pouco forçado dizer que Anitta é desfavorecida nesse quesito por motivos raciais e culturais, no caso ela está negando sua cultura, ou melhor, tentando globalizar uma cultura da periferia a fim de enaltecer sua imagem frente a mídia. Quanto a Madonna, se ela é simbolo de beleza, ok… mas quem fomenta ou aceita esse tipo de esteriótipo artístico todos os dias somos nós mesmos, que negamos a cultura e arte popular para supervalorizar a arte pop ou “popularesca”… haja vista que muitos movimentos ativistas tentam de muitas formas valorizar esse tipo de desvalorização cultura, pelo simples fato de ñ compreenderem as questões estéticas, cognitivas e sociais que envolvem o fazer artístico, em fim… Gostei do seu texto!!! abraços

  10. Alice disse:

    Eu discordo bastante.Não sou fã da Anitta e nem da Madonna; minha opinião pessoal é que o nariz não ficou bonito nela e nem o loiro, porém quem pensa isto sou eu e se a Anitta se sente bem com isso, ninguém deve julgar.Já sobre a Madonna penso que a questão deve ir mais para algo de opção pessoal, ela deve se sentir bem com ou sem pelos na axila e a sociedade deve passar a aceitar isso, independentemente de ser loira ou morena.
    Outra coisa: ANITTA NEGRA, SÉRIO?
    Achei o texto bem escrito com algumas ideias que podem convencer, mas eu, particularmente discordo.

  11. mariana disse:

    Anitta, negra? Vocês estão perdendo a noção de cor de pele e raça?

  12. Letícia disse:

    Muito bom o texto! Não me considero uma feminista, mas alguém que tenta ter bom senso e pensamentos e atitudes justas. Acho ridículo alguém discutir o nariz da Anitta ou de quem quer que seja, o corpo é dela e ela faz o que bem entender! Assim como a axila peluda da Madonna. Acho terrível essa fiscalização pública, acho que comentar em rodas de amigos é sim muito mais inofensivo que postar comentários a respeito das escolhas do outro.

  13. Yara Ferreira disse:

    Adorei o texto. Excelente para os apedrejadores em plantão..

  14. Laura Rocha disse:

    achei o texto genial!!! Toca não só na questão do machismo, mas tb no racismo!!! Várias feridas abertas do contexto em que vivemos. Só achei curioso pq tem foto apenas da Madona… fiquei com vontade de ver a Anita tb!

  15. ricardo disse:

    Acho muito bom que se louve o direito de Anitta, mas também não podemos perder de vista que “os privilégios” de Madonna vieram de muitos anos de luta contra o machismo.

  16. Tiago disse:

    Discordo do seu texto por que você parece partir do princípio que Madonna foi ovacionada só por ser branca, loira, estadunidense, etc. Mas eu creio que uma mulher negra que não raspe as axilas e demonstre isso numa foto, seria também elogiada.
    Também discordo que a crítica tem que ser apenas estrutural. As estruturas são constituídas por seres humanos que, por mais que não sejam totalmente autônomos em suas decisões, são capazes de escolhas. Dizer que escolher o caminho da padronização é “questão de sobrevivência” me parece temerário. Os homens são pressionados a ficar com várias mulheres e valorizarem a virilidade. Essa pressão social que recebem tem relação com casos de violência contra a mulher. Então um homem poderia usar a justificativa de que trata as mulheres como objeto por que isso é uma questão de sobrevivência para ele? Eu sei que você não disse isso, mas pode parecer cômodo demais pra quem decide aceitar os padrões sociais dizer que “foi questão de sobrevivência”. É uma discussão complexa onde acaba o social e onde começa o individual (talvez nem haja essa separação), mas não acho que temos que olhar apenas para o lado estrutural. O lado subjetivo é importante também.

  17. LeoF disse:

    Quando vão aprender a separar preferencia estética e decisões pessoais de racismo e imposições de um suposto sistema? Tem gente tentando tornar algo simples numa coisa muito maior, que de fato não é.
    No final de tudo a única tentativa de imposição é para os homens, que de acordo com algumas devem achar qualquer aparencia aceitavel ou bonita, quando elas mesmas não pensam assim. Essas discussões internas só expoem a aglomeração de pessoas que nem sabem o que querem que são esses movimentos femistas.

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