Nós: compartilhando a nossa culpa

Nós

.

Em torno da mesa coberta de apetrechos de cozinha, vozes eloquentes de atores/personagens narram, em criação coletiva, as amarras da liberdade de cada um de Nós

Por Wagner Correa de Araujo

___

Nós

Em cartaz no Rio de Janeiro, no Teatro Sesc Ginástico

De quarta a sábado às 19h; domingo às 18h (90 minutos) — até 10 de julho

Fone: (21) 2279.4027

___

“Não existe nenhum “trabalho emocional” ou “preparação” melhor do que a espontaneidade do ator, assim como não há um cenário que funcione melhor para a encenação do que o palco nu e uma direção que seja melhor que o silêncio”.

Reflexão do dramaturgo David Mamet que pode ser um referencial para a singularizada criação coletiva, presente nessa última incursão do Grupo Galpão – Nós.

Fugindo de sua constância na inventiva releitura de textos dramatúrgicos conhecidos, dessa vez foi através de um diretor convidado (Márcio Abreu) ao lado de um de seus integrantes (Eduardo Moreira), que o Galpão impulsionou um desafiante código cênico.

Num elenco coeso e caloroso (Antônio Edson, Chico Pelúcio, Eduardo Moreira, Júlio Maciel, Lydia Del Picchia, Paulo André e Teuda Bara), em que os personagens são os próprios atores, reside a poesia de um espetáculo de hábil construção e provocativo direcionamento.

Circundado, frontal e lateralmente, pelos espectadores, o aparato cenográfico variável (Marcelo Alvarenga) se concentra na mesa, coberta de legumes e apetrechos de cozinha. Dando lugar, de forma alternativa, a um metafórico palco nu, espelhado, em declive.

Consolidado, ainda, pela proposital despretensão dos figurinos (Paulo André), pelo desenho ambiental da iluminação (Nadja Naira) e pela incisiva incidentalidade da trilha sonora (Felipe Storino), com direito a performances musicais de sotaque felliniano.

Nós

Com sua nuance de extremado naturalismo, capaz de desnudamentos corporais, entre ações físicas e verbalizações. Sem meios tons, da simplicidade do falar cotidiano a um crescendo de vozes eloquentes, num eficaz mix literário (Dostoievsky, Tchekhov, Cocteau, Wislawa Szymbroska).

Com seu humor reflexivo e sem subentendidos, vão desconstruindo o espaço cênico de uma (ante)ceia que se pretende última. Em suas digressões, questionamentos, perplexidades, por uma visão crítica, árida e melancólica, das intolerâncias e insanidades da contemporaneidade.

Estes instantâneos da vida que não é sonho mas como ela é, fazem de todos nós, parodiando Shakespeare, “criaturas culpadas assistindo a uma peça”. Céticos, acusados e derrotados, nas desprezíveis surpresas diárias de tantos nós amarrando a liberdade de cada um de Nós.

Nós, na sua exasperação participativa palco/plateia, incitada pelo olhar armado de Márcio Abreu e pela convicta entrega de seus atores/personagens, é assim, nada mais nada menos, que teatro espontâneo>lúdico> laboratorial>documental>verista, de gente que sabe o porquê de estar fazendo…

Leia Também:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *