Manning: na guerra, EUA esqueceram sua humanidade

“Às vezes temos que pagar um preço alto para viver numa sociedade livre. Pagarei, se isso significar que podemos ter um país verdadeiramente concebido na liberdade e dedicado à proposição de que todos os homens e mulheres são iguais”

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Por Chelsea Manning | Tradução: Rute Bevilaqua e Peter Caplan

As decisões que adotei em 2010 foram tomadas em preocupação com o meu país e com o mundo em que vivemos. Desde os trágicos eventos de onze de setembro, estamos em guerra – com um inimigo que optou por não nos enfrentar numa batalha tradicional. Devido a este fato, tivemos de adotar novos métodos para combater os riscos que nós e nosso modo de vida correm.
Inicialmente, concordei com estes métodos e escolhi ser voluntário para ajudar a defender meu país. Apenas quando eu estava no Iraque, lendo relatos militares secretos todos os dias, comecei a questionar a moralidade do que estávamos fazendo. Então, dei-me conta de que, em nossos esforços para enfrentar os riscos impostos pelo inimigo, esquecemos nossa humanidade. Escolhemos conscientemente desvalorizar a vida humana, tanto no Iraque quanto no Afeganistão. Quando enfrentamos àqueles que entendemos como inimigos, nós algumas vezes matamos civis inocentes. Sempre que matávamos civis inocentes, ao invés de aceitar a responsabilidade por nossa conduta, preferíamos nos esconder atrás do véu da segurança nacional e informações sigilosas, para evitar qualquer prestação de contas pública.
Em nosso zelo para matar o inimigo, nós internamente discutíamos a definição de tortura. Prendemos indivíduos em Guantanamo por anos, sem os devidos processos. Inexplicavelmente, fazíamos vista grossa às torturas e execuções praticadas pelo governo do Iraque. E engolíamos muitas outras coisas em nome da nossa guerra ao terror.
Patriotismo é frequentemente o grito de exaltação, que se lança quando atos moralmente questionáveis são defendidos por aqueles no poder. Quando estes gritos de patriotismo abafam quaisquer intenções baseadas na lógica, um soldado americano é normalmente mandado para realizar uma missão mal- concebida.
Nossa nação viveu momentos igualmente sombrios para as virtudes da democracia: a Trilha das Lágrimas [remoção dos índios da parte sudeste dos EUA em 1831], a decisão Dred Scott [apoiando a escravidão em 1857], o macartismo, os campos de concentração de japoneses residentes na América [durante a segunda guerra mundial], para nomear uns poucos. Estou confiante de que muitas de nossas ações desde o onze de setembro serão vistas de forma similar. Como disse uma vez Howard Zinn, “Não existe uma bandeira grande o suficiente para cobrir a vergonha de matar gente inocente”.
Eu entendo que minhas ações violaram a lei, e lamento se prejudicaram alguém, ou prejudicaram os Estados Unidos. Nunca desejei prejudicar ninguém: somente quis ajudar as pessoas. Quando optei por divulgar informações sigilosas, eu o fiz por amor ao meu país e um sentido de dever para com outros.
Se vocês negarem meu pedido de perdão, cumprirei minha pena sabendo que algumas vezes temos que pagar um preço alto para viver numa sociedade livre. Eu pagarei este preço, se isso significar que podemos ter um país que seja verdadeiramente concebido na liberdade e dedicado à proposição de que todos os homens e mulheres são iguais.

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