Laio e Crísipo: heróis como são ou como deveriam ser

Em releitura da tragédia grega, dramaturgo usa elementos pop urbanos para fazer questionamento estético e moral, oscilando entre o poético e o trágico

160127_Laio e Crísipo - foto João Julio Mello

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Por Wagner Correa de Araujo | Imagem: João Júlio Mello

Laio e Crísipo está em cartaz no Teatro Serrador, Metrô Cinelândia – Rio (mapa) — Fone: (21) 2220.5033. 

Últimas apresentações: sexta e sábado, 29 e 30/1, às 21h — Duração: 80 minutos. 

Num tempo além do tempo, em subversão cronológica, um trio mítico grego (Laio, Jocasta, Crísipo), ligado por uma visceral paixão erótica, se encontra num desses recantos baratos de prostituição. No desfrute do prazer pelo mero prazer, mas imunes ao signo da maldição que os marcou na ancestralidade, novamente vivem os impulsos sexuais que os conduziram, em cronometragem milenar, ao fato trágico, entre a Frígia e Tebas.

Mas, dessa vez, o rei Laio (o pai assassinado no acaso da fatalidade de Édipo) divide simultaneamente os gozos seminais entre a rainha Jocasta e o jovem príncipe Crísipo, do qual fora preceptor indicado por outro rei, Pélops. Missão que nos idos relatos lendários, entre aulas de lutas marciais e lições filosóficas, conduzira a uma vertiginosa atração homoafetiva (Laio/Crisipo), a primeira registrada nos anais greco/mitológicos.

Pedro Kosovski, autor de Laio e Crísipo, e da premiada Caranguejo Overdrive, já enveredara no explorado lastro edipiano em Edypop, mas, agora, superando as fragilidades do texto antecedente. Com sua pegada experimental, num mix de linguagens estéticas, o dramaturgo novamente faz uso de elementos pop/urbanos nesta re-contextualização do mito, entre o poético e o trágico, com superlativa carga de sensualidade

Sua original abordagem traz, ao dúplice desejo copular de Laio, um componente inédito ao incorporar Jocasta, neste metafórico ménage a trois, na contemporaneidade de um “inferninho”. E nesta nuance revisionista da narrativa historicamente estabelecida atinge sua personificação, se aproximando da melhor vertente de modernas releituras da tragédia grega.

Dando ressonância inventiva à proposta da direção de Marco André Nunes, uma impecável arquitetura cênica, na cenografia (Aurora dos Campos), nos figurinos (Marcelo Marques), na iluminação (Renato Machado) e na incisiva reverberação da trilha sonora ao vivo (Felipe Storino).

O enérgico gestual (Marcia Rubin) do elenco, em exponencial performance, extrapola os limites da eroticidade no domínio atlético de Laio (Erom Cordeiro), na entrega juvenil de Crísispo (Ravel Andrade) e na liberação comportamental de Jocasta (Carolina Ferman).

Na transgressão do mito original, na transcendência de épocas, na impunidade da culpa pelo prazer orgiástico de seus personagens, a peça, no seu questionamento estético/moral, acaba assumindo o desafio da reinterpretação do simbológico conceito de Sófocles sobre seu mais célebre rival tragediógrafo: “Eu pinto os homens como eles deveriam ser; Eurípides os pinta como eles são”.

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