Festa em Perus, onde pulsa história operária

Artistas e ativistas celebram, na periferia paulistana, o Quilombaque, rede de coletivos que transforma a vida sem precisar de herois

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Por Eleilson Leite, editor da coluna Literaturas Periféricas

Perus está em festa! O bairro de São Paulo que ficou conhecido nacionalmente há cerca de vinte anos, porque lá foi encontrada uma vala comum com dezenas de corpos de militantes mortos durante a ditadura militar, coloca-se com destaque na cena cultural da cidade. Essa conquista deve-se em grande parte ao Quilombaque, organização de artistas e ativistas que atua no local há sete anos – e mantém, mantém, há cinco, um espaço cultural na comunidade.

Perus fica no pé da Serra da Cantareira, fronteira entre o extremo norte e o extremo oeste de São Paulo e tem 170 mil habitantes. Preserva algumas características rurais, devido à presença de área de floresta. No imaginário dos paulistanos, remete aos municípios de Caieiras, Franco da Rocha e Francisco Morato, cidades da região metropolitana cujo acesso se dá, principalmente, pela linha férrea que vai da capital a Jundiaí. Muita gente acha até que Perus também é um município.

Como toda quebrada, este distante bairro tem muitos problemas, mas também muitos encantos. Perus pode inclusive ser um importante polo turístico da Cidade. O Quilombaque acredita nisso. Para reforçar essa visão, a organização preparou uma programação que mostrará todo o potencial histórico, cultural e ecológico da região. Veja a programação completa na Agenda Cultural da Periferia.

Comecemos com o histórico. Perus tem tradição de luta. Surgiu da fundação de uma indústria de cimento que tinha o nome do lugar e pertencia à família Abdala. Isso foi à quase 80 anos. Na década de 1960, em pleno regime militar, os operários desta fábrica fizeram uma greve que durou sete anos. Foi a maior paralisação da história do movimento operário brasileiro. Os grevistas eram chamados de Queixadas em referência a um porco espinho muito presente na região, um animal que ataca em bando, com grande resistência.

A fábrica há tempos está desativada e o Quilombaque trava uma luta para ocupar suas dependências e nela instalar um Centro Cultural e uma unidade da Universidade Federal de São Paulo. Outro aspecto histórico que será ressaltado – e esse é um dos mais bacanas, inclusive para as crianças – será o passeio da Maria Fumaça. Um antigo trem fará uma parte do percurso da antiga estrada de ferro que ligava Perus a Pirapora do Bom Jesus. No trajeto atual serão apenas três quilômetros (ida e volta), que recuperarão a magia e o encanto das antigas viagens de trem. Vale a pena.

O Quilombaque foi um dos baluartes da cena cultural, principalmente depois que inaugurou seu espaço. A programação é intensa e permanente. De terça a domingo há shows, cortejos, exibição de filmes, saraus literários, entre muitas atividades. Em 2009, a organização foi reconhecida como Ponto de Cultura. Seus coordenadores lideram uma rede chamada Periferia Viva, que articula mais de 60 coletivos do bairro e dos três municípios vizinhos. Investem em formação e conseguiram que cinco grupos do bairro ganhassem o edital do VAI 2012.

Hortas comunitárias, permacultura, defesa da Serra da Cantareira

O aspecto ambiental não fica atrás. O Quilombaque mantém hortas comunitárias em sua sede, utilizando a permacultura, um manejo ecológico do solo. Defende a Serra da Cantareira, sempre invadida por burgueses inescrupulosos que lá instalam condomínios fechados. Alerta a população sobre o impacto ambiental do Rodoanel, entre outras ações.

Por tudo isso que contamos aqui e muito mais que vocês podem descobrir, não deixem de ir a Perus conhecer os Queixadas do Quilombaque, herdeiros dos operários grevistas e abençoados pelos guerreiros que combateram a ditadura militar. Nesses tempos em que os Racionais MC’s relembram o grande combatente Carlos Marighella, o Quilombaque dá sua contribuição para recordar que a revolução no Brasil tem nome sim, como canta Mano Brown, mas são muitos nomes.

Muitos lutaram e outros tantos tombaram na luta contra o regime militar, por um Brasil socialista. Marighella foi um dos maiores, mas não foi o único. Não comungo da idolatria a heróis, mesmo que sejam heróis populares. O clipe do rap dos Racionais tem um valor estético e político dos mais importantes, mas peca por acentuar o heroísmo de um único homem, inclusive exacerbando a figura masculina na luta socialista. A revolução não é coisa de macho. Revolução se faz com homens e mulheres. Aliás, essas é que são heroínas. E na periferia, quem faz revolução todo dia são as mulheres. E lá na vala comum de Perus, havia ossadas de várias mulheres revolucionárias. Quem não conhece a região, tem agora um grande motivo para conhecer. Vá ao espaço cultural do Quilombaque, participe das atividades e conheça mais da história do povo brasileiro.

* Antonio Eleilson Leite edita Estéticas das Periferias. Para ler edições anteriores da coluna, clique aqui.

> Leia também as 35 edições de Cultura Periférica, a seção que Antonio Eleilson Leite publicou, entre outubro de 2007 e dezembro de 2008, no Caderno Brasil do Le Monde Diplomatique.

 

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Um comentario para "Festa em Perus, onde pulsa história operária"

  1. Um dia vou chegar lá pra contar historias do mundo inteiro pra essas crianças. Ainda falta um bom tempo, mas um dia eu chego lá…

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