Europa em crise, contágio e… saída

Há alternativas concretas para combater a crise financeira que se espalha pelo continente. O que falta é vontade política

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Cenas que foram comuns nas crises cambiais da América Latina contagiaram a Europa com grande rapidez, nas últimas semanas — e não se sabe ainda a extensão da doença. No início do mês, diante de pressões dos mercados financeiros, o governo grego anunciou um “ajuste fiscal” que elimina direitos sociais, eleva a idade mínima para aposentadoria e cria novos impostos. Ontem, a agência de avaliação de riscos Fitch reduziu a quotação da dívida de Portugal (de “AA” para “AA–“). Espalhou-se o pânico. Em poucas horas, o governo submeteu ao Parlamento um pacote de medidas antipopulares. O ministro das Finanças, Fernando Teixeira dos Santos, do Partido Socialista, exigiu dos deputados — e obteve, hoje (25/3) — um “sinal inequívoco” de coesão em favor das propostas. Elas incluem congelamento de salários e elevação de tributos.

Também a partir de hoje, ministros dos dezesseis países da zona do euro reúnem-se em Bruxelas, para debater a crise. O encontro foi antecipado por uma conversa entre a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, e o presidente francês, Nicolas Sarkozy. Um acordo entre eles, que será provavelmente confirmado na reunião mais ampla, jogou a Grécia na arena do Fundo Monetário Internacional. Os países europeus não oferecerão a Atenas um crédito de apoio. Eventuais empréstimos dependerão da boa-vontade de cada governo, e serão remunerados por juros de mercado. Se os recursos mobilizados não forem suficientes, a Grécia deverá aceitar as condições do FMI — o que contrariou posição expressa do presidente do Banco Central Europeu (BCE), Jean-Claude Trichet.

Para compreender as causas da crise europeia, e constatar que há saídas muito distintas, vale a pena ler, na revista eletrônica espanhola Sin Permiso, artigo de Michael Krätke, professor de economia política e direito fiscal na Universidade de Amsterdam. Seu texto debate dois aspectos essenciais das dificuldades europeias. Ressalta que os Estados estão em apuros porque fizeram enorme esforço para mitigar a crise financeira iniciada em 2007 — inclusive com maciça transferência de recursos públicos a instituições financeiras. E frisa que uma solução solidária aos países em dificuldades era justa, possível e muito mais eficaz.

Em praticamente todos os países europeus, os déficits fiscais estavam limitados a 3% do PIB até o início da crise. Seguiam os limites rígidos fixados pelo BCE. O aumento deste patamar era inevitável. Além de socorrerem os bancos, os Estados incentivaram setores de seuas economias e arcaram com custos sociais maiores — resultantes, por exemplo, do aumento dos gastos com seguro-desemprego e renda da cidadania. Em Portugal, o déficit passou, em três anos, de 2,7% para 9,3% do PIB.

A crise humilhou os mitos que alardeavam a “auto-regulação das finanças” e varreu os tabus que condenavam o endividamento dos Estados. Mas não foi suficiente, ao menos até agora, para estabelecer controles mais rígidos sobre os mercados financeiros. Por isso, eles ensaiam uma espécie de revanche. As dificuldades da Grécia e Portugal — e, em breve, provavelmente da Espanha, Irlanda e Itália — ocorrem porque os grandes investidores em títulos públicos estão impondo a estes países taxas de juros leoninas. Elas chegam a 9,75% ao ano na Grécia, graças também, relata Krätke, “à ajuda das agências privadas de avaliação de risco”. Como incidem sobre uma dívida elevada, geram despesas que os Tesouros são incapazes de pagar — exceto se cortarem gastos sociais.

A saída é evidente, conclui o texto em Sin Permiso. Os mesmos governos europeus que souberam coordenar medidas para evitar o colapso dos mercados, há pouco mais de um ano, poderiam perfeitamente articular um empréstimo solidário aos países em dificuldades. A medida evitaria ataques aos direitos sociais. Além disso, puniria os especuladores que estão se aproveitando da fraqueza de alguns países, forçando-os a aceitar taxas de juros. Interromperia, portanto, o contágio.

O acordo a que chegaram hoje Angela Merkel e Nicolas Sarkozi faz o contrário. Mas o debate aberto na Europa merece ser acompanhado com atenção, inclusive no Brasil. Também aqui houve forte investimento estatal contra a crise; e a mídia se encarregará de atiçar a revanche dos mercados. Será bom saber que há outra saída.

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