Em favor do Princípio de Responsabilidade

Livro propõe construir, face ao avanço da ciência, ética de contenção. Ela implicaria nova postura diante da natureza e do alimento

 

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Livro propõe construir, face ao avanço da ciência e do artificial, ética de contenção. Ela implicaria nova postura diante da natureza e, em especial, do alimento 

Por Juliana Dias, editora do site Malagueta

O Princípio de Responsabilidade – ensaio de uma ética para a civilização tecnológica (Editora Contraponto), de Hans Jonas, é uma leitura densa, provocativa, desconcertante, com apelo a um conhecimento libertador, revolucionário: “pois quem sabe a verdade amarga seja capaz não só de comover alguns, mas também muitos. Essa é a maior das esperanças em tempos sombrios” (p. 250). O filósofo Jonas é judeu, nascido na Alemanha e radicado nos Estados Unidos. Atribui à sua excelente e profunda formação humanística à leitura dos profetas da bíblia hebraica. Utiliza a teologia e a filosofia para explicar sua teoria, numa proposta ousada e coerente. Afirma que a religão poderia mover pessoas para assumir a responsabilidade com as gerações futuras, mas prefere justificar seu estudo pela metafísica.

Na sua visão, o modelo ideal para representar a totalidade da responsabilidade é o de pais para um filho, pois este abarca o homem em todos os seus aspectos. Da existência bruta até os interesses mais elevados. Jonas considera que os pais tratam a criança como um todo e em todas as suas possibilidades, não se restringem as suas carências imediatas. “Naturalmente, o aspecto físico é primordial; no início, talvez só ele importe. Mas, em seguida, acrescenta-se paulatinamente tudo aquilo que entendemos por “educação”: habilidades, comportamento, relações, caráter, conhecimento, os quais devem ser supervisionados e estimulados durante o desenvolvimento da criança; junto com tudo isso, se possível, a sua felicidade. (…) O cuidado parental visa à pura existência da criança, e em seguida, visa a fazer da criança o melhor dos seres”. Esse modelo de responsabilidade, considerado por Jonas a escola fundamental, é posto como parâmetro para avaliar a atuação do homem público na política, quem assume o cuidado de uma cidade ou nação por um período de tempo deve se preocupar com os anos vindouros (p. 180).140731-Hans

O filósofo destaca o medo como sentimento capaz de chamar à responsabilidade. Mas trata-se de temor, num sentido de reverência e preocupação. Ele justifica que a teoria da ética precisa tanto da representação do mal quanto da representação do bem. Principalmente quando a bondade se tornou tão borrada ao nosso olhar, necessitando ser ameaçada pela antevisão de novos males, para ganhar alguma nitidez”. Jonas explica que o medo se torna a primeira obrigação preliminar de uma ética da responsabilidade histórica. Ele considera o temor uma das fontes da responsabilidade suficientemente digna do status do homem. Entretanto, esse medo deve estar acompanhado da esperança (de evitar o mal). O autor é enfático ao argumentar que não se trata de covardia e ansiedade; e em nenhum caso o medo e a angústia em causa própria.

A teoria que Jonas diz ser necessário fundar é completamente diferente das éticas anteriores, pois se vê obrigada a considerar a condição global da vida humana e o futuro distante, inclusive a existência da espécie (p. 41). “Nenhuma ética anterior (além da religião) nos preparou para um tal papel de fiel depositário – e a visão científica da natureza menos ainda”. Aqui, ele descortina uma crítica feroz às ciências naturais por não pronunciarem toda a verdade sobre a natureza: os recursos naturais são finitos. A transformação dos bens da natureza por meio da técnica passou de necessidade para o objetivo primordial de um infinito impulso da espécie para adiante, seu empreendimento mais significativo. “A tecnologia assume um significado ético por causa do lugar central que ela agora ocupa subjetivamente nos fins da vida humana”. A diferença entre o artificial e o natural desapareceu. O natural foi tragado pela esfera do artificial.

Dentre os problemas apresentados por Jonas estão o da alimentação. Na sua visão, este vem em primeiro lugar, “pois dele depende tudo o mais”. Ele abomina o uso de fertilizantes químicos, trunfo da Revolução Verde, como condição para enfrentar o desafio de alimentar a população crescente, que em 1979, girava em torno de 4,5 bilhões de habitantes. Para Jonas, prudência é exemplo de coragem. “Por causa do seu êxito biológico e do seu crescimento irresistível, a humanidade se vê forçada a adicionar produtos químicos à camada produtiva da crosta terrestre, conseguindo com isso apenas garantir a subsistência atual, um quadro nada tranquilizador” (p.302). As tecnologias agrárias de maximização têm impactos cumulativos sobre a natureza, que mal começaram a revelar-se em âmbito local, como a poluição das águas, com efeitos nocivos transmitidos pela cadeia alimentar. O autor lista uma série de fatores associados a uma agricultura intensiva e expansiva, tais como a salinização dos solos pela irrigação constante, a erosão provocada pela aragem dos campos e as mudanças climáticas decorrentes do desmatamento.

Tudo isso, afirma o filósofo, encontra limites locais e planetários e se situam antes da utopia, mesmo se a população fosse estabilizada, o que não é o caso, pois a previsão para 2050 é de 10 bilhões de habitantes. O mais fundamental dos limites é que os fertilizantes são uma forma de energia, enquadrando-se no problema duplo da obtenção e do consumo de energia do sistema fechado do planeta. É a Lei da Entropia, a Segunda Lei da Termodinâmica, discutida por Nicolas Georgescu, pioneiro ao relacionar a física com a economia, na utilização de recursos naturais finitos para a produção de bens e alimentos. “Esse será o ponto crítico de qualquer planificação futura e veto final da natureza contra a utopia” (p. 302). Jonas encerra o livro com um convite à preservação do patrimônio contra os perigos do tempo e contra a própria ação dos homens, como uma solução para assumir a responsabilidade do futuro do homem.

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