Egito: revolução na encruzilhada

Diante de hesitações e retrocessos, população volta a ocupar praças. Governo faz promessas; militares resistem

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Insatisfeitos com hesitações e retrocessos, manifestantes voltam a ocupar praças. Governo faz promessas democráticas, mas militares mantêm julgamentos arbitrários

Por Luís F. C. Nagao

As praças, a começar da emblemática Tahrir, voltaram a ser ocupadas a partir de domingo, com uma provável escalada nesta terça-feira (12/7). Em resposta, o primeiro-ministro foi à TV, prometendo mudar o governo e demitir policiais violentos. Os chefes da política e do exército resistem a esta determinação. Cinco meses após o fim da ditadura egípcia, o velho e o novo continuam em choque. Oficiais e ministros do ex-ditador Hosni Mubarak são absolvidos; ativistas, julgados em tribunais militares. O movimento pela mudança articula novas reivindicações – as “demandas da Primavera”. Há enorme expectativa sobre a reação do Conselho Supremo das Forças Armadas. Haverá repressão ou diálogo para assegurar tranquilidade das eleições parlamentares e presidenciais, marcadas para os próximos meses, disputadas por cerca de vinte partidos políticos e ainda indefinidas?

Três episódios revelaram o aumento da tensão no país. Em 29/6, houve confronto entre policiais e manifestantes na Praça Tahrir. O saldo foi de 120 hospitalizados e 34 detidos. A confusão começou quando guardas impediram a entrada de familiares na cerimônia que relembrava as 846 mortes, durante o levante popular que levou, no início do ano, ao fim do antigo regime. Para além de um simples incidente causado pela falta de organização, havia um aspecto político na repressão. Um dos detentos foi Loai Nagati de 21 anos blogueiro e ativista que de acordo com a Promotoria Militar de Nasr ficará preso por 15 dias.

Teme-se pela impunidade dos velhos governantes. O antigo primeiro-ministro Habib El-Adly, que ordenou o uso de força letal contra os manifestantes, e seus assessores tiveram seu julgamento adiado. No dia 4/6, foram libertados sob fiança dez policiais acusados de matar 17 pessoas em Suez. Postergou-se o julgamento para 14/9. Este acontecimento gerou protestos no Cairo, com bloqueio da estrada que leva à estratégica Suez, porto no Mar Vermelho e entrada do canal que leva ao Mediterrâneo. Em 5/7, foram absolvidos os ex-ministro da Informação Anas El-Fiqi e o ex-ministro das Finanças Youssef BoutrosGhali, acusados de desvio de recursos públicos para a propaganda do Partido Democrático Nacional (de Mubarak). O ex-ministro da Moradia Ahmed El-Maghrabi e o diretor Adli Fadli, da Organização dos Meios de Comunicação Akhbar Al Yyoum, também foram absolvidos da acusação de especulação ilegal e abuso de poder ministerial. Terão apenas de pagar multa.

Intensas pressões, nos últimos meses, levaram ao julgamento do ex-ditador Mubarak. Acusado de fraude, abuso do poder e ordenar assassinatos de manifestantes, ele sentará no banco dos réus em 3/8. Mas os precedentes levantam suspeita de mais uma absolvição suspeita. Muitos crêem que a estratégia de Mubarak é exagerar seus problemas de saúde para evitar uma condenação. Ele encontra-se hospitalizado no Resort Mar Vermelho na cidade de Sharm El Sheij.

Apesar dos 846 mortos (e 6.400 feridos) do início do ano, até agora somente um oficial foi condenado. O quadro agrava-se com a existência de cinco civis presos, após julgamento por tribunais militares. Três deles – Amr El-Bahairy, Abu El-Maaty Abu El-Arab e Mohamed Adel – foram aprisionados na Praça Tahrir ainda durante a revolta. Num estranho paradoxo, foram condenados, apesar da vitória do movimento, a cinco anos de cárcere. Mahmoud Hussein foi detido em 9/4. O blogueiro Maikel Nabil está sentenciado a três anos, após criticar o papel do exército na revolução.

Questiona-se as razões de haver agilidade no julgamento de civis em tribunais militares e lentidão no juízo de antigas autoridades. Mohamed ElBaradei, uma referência no movimento pela democracia e um provável candidato à Presidência, declarou: “não é aceitável que os familiares tenham que pagar um preço alto nessa revolução, sejam chamados de criminosos e alguns deles estejam enfrentando os tribunais militares enquanto que os verdadeiros criminosos não tenham sido levados para a justiça.”

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Os manifestantes voltaram a ocupar a Praça Tahrir.

Formulam reivindicações políticas e sociais.

Adotam o slogan “Os pobres primeiro”

Persistem problemas do período anterior. A saída pacífica de Mubarak culminou na formação de um governo interino composto por militares. O passado ainda continua vivo, embora sempre desafiado. Dois dias depois da queda de Mubarak, foram dissolvidas as duas casas do parlamento-fantoche. O partido do ditador tornou-se ilegal. Um esboço de nova Constituição foi redigido e aprovado em referendo, com pouco debate.

Porém, o estado de emergência ainda vigora, com as forças de segurança impunes para encerrar manifestações públicas, efetuar buscas e prender civis sem ordem judicial. Formou-se uma nova Força de Segurança Nacional, que diz “não poder interferir na vida dos cidadãos”, mas os ativistas consideram-na uma fachada. O momento é tão contraditório que ao próprio primeiro-ministro Essam Sharaf não é permitido escolher seus assistentes e funcionários: o conselho militar recusou o pedido de demitir sete membros de seu gabinete.

Indignados com o atual estágio e apreensivos com os rumos trágicos que a Revolução vem tomando, os manifestantes resolveram voltar à cena. Em 1º/7, houve protestos em Suez, em solidariedade as famílias dos mártires, depois dos confrontos que ocorreram na Praça Tahrir. Exigiu-se também a suspensão dos oficiais e o julgamento do ex-premiê Habib El-Adly. Destacou-se a luta por liberdades de expressão e de mídia.

Os manifestantes não pararam por aí. Voltaram a ocupar a Praça Tahrir no dia 8/7. Atribuem a instabilidade no país à permanência, nas instituições estatais (especialmente no ministério do Interior), de remanescentes do Partido Democrático Nacional e políticos corruptos. Além disso, formulam reivindicações de conteúdo social. Adotam o slogan “Os pobres primeiro”. Querem elevar o salário mínimo a 1200 libras egípcias, algo como R$ 320 e um plano para acabar com o desemprego.

Em 10/7, o primeiro ministro Essam Sharaf encontrou-se com a juventude revolucionária. Prometeu mudanças amplas e fixou um cronograma. Afirmou que nesta sexta-feira (15/7) haverá demissão de 1.400 altos funcionários (incluindo importantes policiais), seguida de reformulação do gabinete e mudanças nos meios de comunicação estatais, ao fim do mês 30/7. Afirmou que caso deixará a presidência, caso não consiga concluir essa agenda. No mesmo domingo, houve novos confrontos em Suez, com bloqueio da estrada que liga os portos de Safagah e Hurghada, no Mar Vermelho.

Novas ocupações da Praça Tahrir e em Suez, estão marcadas, a partir de hoje (12/7), na praça Tahrir e em Suez. Estão previstas uma greve geral e protestos com 1 milhão de pessoas. Há uma incógnita. Como os militares reagirão a estas novas mobilizações?

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Há três partidos de esquerda, três islâmicos,

dois dos jovens revolucionários. A Fraternidade Muçulmana

está dividida, com uma ala próxima aos EUA

Enquanto isso, começa a preparação para as eleições. A lei para a formação dos partidos políticos foi baixada em março, pelo Conselho Militar. Haverá agremiações seculares e religiosas. Quatro foram oficializadas; mais 16 pedidos tramitam. Entre os partidos, três são de esquerda; três de orientação islâmica; cinco liberais; dois de jovens revolucionários; três associados a antigos membros do Partido Nacional Democrático; um linha dura e outro egípcio sufi. Os partidos são aprovados trinta dias depois a requisição inicial. Critica-se os custos mínimos de registro (60 mil dólares). Ademais, necessita-se do apoio de 5 mil pessoas em pelo menos dez províncias. Tais requistos impossibilitam muitos esquerdistas e jovens de conseguirem formalizar suas organizações.

Dentre os oficializados, há o Partido Nour (luz), que representa um movimento muçulmano ultra-conservador; o Al-Adl (Justiça), composto na maior parte por ativistas jovens e revolucionários e o Partido Justiça e Liberdade (integrado por integrantes da Irmandade Muçulmana, talvez o mais influente no país).

Única oposição respeitada pela ditadura, a Irmandade Muçulmana vive duas novidades. A primeira é o início de relações de alto nível com os EUA, admitido pela secretária de Estado Hillary Clinton, e celebrado com entusiasmo pelo porta-voz do grupo, Mohamed Ghozlan. O segundo fato é uma crise interna nessa organização, que existe há 83 anos. Quatro grupos internos preparam-se para formar seus próprios partidos.

Para projetar o futuro do Egito, pode-se pensar em alguns cenários. Um governo pró-americano não é descartado, embora tal resultado seja contraditório com o propósito da revolução. Também há o risco de um governo com tímidas concessões a população e poder central restrito em mãos privilegiadas. Por fim, se as mobilizações nas ruas avançarem, a revolução pode se aprofundar no sentido da democracia, independência em relação aos grandes poderes internacionais e um papel de liderança no mundo árabe.

A revolução pode prosperar ou morrer como consequência de suas próprias contradições. Decifra-me ou devoro-te. Eis o enigma egípcio.

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2 comentários para "Egito: revolução na encruzilhada"

  1. edelvio coelho lindoso disse:

    É muito estranho e pernicioso esse achegamento dos EUA. exatamente junto à mal falada, pelo Ocidente e Israel, Irmandade Muçulmana. Essa Irmandade, segundo o texto comentado, está fracionada, e deve ser nessa banda fistulada que o antigo corpo estranho está farejando a nova mula a ser rosetada. Está ai o ensaio de Thinks Thanks, muda a montaria e não muda nada. Ianques são craques em corrupção, identificado o receptorm o dinheiro leproso dessa potência descente, fluirá fàcilmente até matar o fogo dos revolucionários e envergonhará os oitocentos mortos do levante. Fala-se até no uso da Eminência Parda, o Hosny, nessa engenharia. De esses levantinos identificarem o(s) traidor(es) nessa facção, que levantes um poste nesta gloriosa praça e enforquem, por lesa Pátria, esse(s) possesso(s).

  2. Carla Tatiana Bispo de Oliveira disse:

    por que o governo americano intrometeu-se nisto?

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