Comunidade, Criatividade, Loucura

Que trabalhos terapêuticos convidam a abandonar “normalidade” confortável porém gris – para encarar reinvenção contínua da vida pessoal e coletiva

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Por Katia Marko, na coluna Outro Viver 

 

A criatividade é um subproduto da intuição,

ou seja, ela se origina em uma dimensão

que não passa pela razão.

Por isso, para ser plenamente expressa

exige um requisito essencial que é a confiança.”

Osho

A Comunidade Osho Rachana está em pleno processo criativo. Nossos finais de semana são de mutirões de muito trabalho. Mas não é qualquer trabalho. Estamos criando uma das maratonas terapêuticas mais lindas que já vivenciei. De 10 a 14 de outubro, cerca de 50 pessoas vão experimentar espaços mágicos. O que se vive nestes dias é segredo de estado. Só quem já fez sabe. Por isso mesmo, sempre volta pra ajudar a criar toda essa beleza para novos grupos.

A minha Maratona da Criança foi em 2002, um ano após ter feito o Pai e Mãe, outro trabalho desenvolvido pelo Namastê. São complementares. Após entrar profundamente em contato com a criança interior, vendo todos aqueles aspectos que marcaram sua personalidade de uma maneira bastante dolorosa, a Maratona da Criança vem para preencher o buraco que ficou da infância: momentos que de uma forma ou outra não se conseguiu viver. Lembro que foi um êxtase explorar aquela magia da infância, todo o encantamento que a criança tem pelas pessoas, pelo mundo e pelas pequenas coisas da vida, toda sua criatividade e inocência.

Muitos autores já escreveram sobre a importância da criatividade para mudarmos o mundo e para o surgimento de um novo ser. Simone de Beauvoir disse: “A vida se ocupa com a própria perpetuação e a superação de si mesma. Se tudo que ela faz é manter a si mesma, então viver é apenas não morrer.” Muito em sintonia com o que o mestre indiano Osho fala no livroCriatividade: Liberando sua Força Interior.

Assim como Simone, Osho acredita que o ser humano não-criativo está apenas não morrendo. “Sua vida não tem profundidade. Sua vida ainda não é vida, mas apenas um prefácio. Seu livro da vida ainda não começou a ser escrito. Na criatividade, está a superação.” Para ele, a criatividade é a maior forma de rebeldia da existência. “Se deseja criar, você tem que se livrar de todos os condicionamentos; do contrário, sua criatividade não passará de mera imitação, será apenas uma cópia de algo.”

Ainda segundo Osho, toda criança nasce criativa – mas não aprovamos esta característica. Sufocamos e matamos sua criatividade, saltamos sobre ela; começamos a ensiná-la a maneira “correta” de fazer as coisas. “Volte a ser criança e você será criativo. Toda criança é criativa. A criatividade precisa de libertação – libertação dos grilhões da mente, do conhecimento, dos preconceitos. A pessoa criativa é aquela que consegue experimentar o novo. A pessoa criativa não é um robô. Os robôs jamais são criativos; eles são repetitivos.”

Essa é base desse trabalho que digo revolucionário, sem medo de errar. Nossas asas são cortadas muito cedo pelo o que é “certo e errado”. Nosso mundo está cinza. As pessoas doentes, deprimidas, dopadas. Resgatar a alegria de viver é revolucionário. Segundo o médico-psiquiatra Alexander Lowen, a alegria é a vivência dessa adorável espontaneidade, que caracteriza o comportamento das crianças cuja inocência não foi destruída e cuja liberdade não foi perdida.

No livroAlegria – A entrega ao corpo e à vida, Lowen explica: “A liberdade é a base da alegria. Não é só liberdade das restrições externas, embora isso seja essencial. Mais particularmente, é uma liberdade das repressões internas. Essas repressões decorrem do medo e são representadas por tensões musculares crônicas que inibem a espontaneidade, restringem a respiração e bloqueiam a auto-expressão. Somos literalmente aprisionados por essas repressões. Cada ruptura representada por uma onda repentina de sentimentos também abre caminho para a liberdade.”

Toda vez que cria, você sente o gosto da vida – e isso depende de sua intensidade, de sua totalidade. Durante o ato de criar, tudo pode tornar-se a porta – até mesmo um trabalho de limpeza. Quando faz algo criativamente, amorosamente, dedicadamente, você sente o gosto da vida. O criador tem que ser capaz de parecer idiota. Ele tem que pôr em risco o que se chama de respeitabilidade. É por isso que sempre vemos que poetas, pintores, dançarinos, músicos não são considerados pessoas muito respeitáveis.

Friedrich Nietzsche afirmou que “a maior das calamidades cairá sobre a humanidade no dia em que todos os sonhadores desaparecerem”. Toda a evolução humana ocorreu porque o homem a idealizou. Aquilo que foi sonho ontem, hoje é realidade, e aquilo que é sonho hoje pode tornar-se realidade amanhã. Todos os poetas, músicos, místicos são sonhadores. Aliás, a criatividade é um subproduto do ato de sonhar.

Por isso, a Comunidade Osho Rachana e a forma de vida que estamos nos dispondo a criar hoje pode parecer “loucura”, uma ilha em meio ao imenso oceano. Mas no futuro, quem sabe… Para finalizar quero citar outro mestre, este brasileiro e que tive o prazer de conhecer um pouco antes de nos deixar, o irreverente e pioneiro psiquiatra J.A. Gaiarsa: “No seu tempo, é sempre um louco delirante que faz tudo diferente de todos. Ele sofre, principalmente, de um alto senso de dignidade humana. Ele sofre, depois, de uma completa cegueira em relação à ‘realidade’ (convencional). Ama desbragadamente – o sem-vergonha. Comporta-se como se as pessoas merecessem confiança como se todos fossem bons, como se toda criatura fosse amável, linda, admirável. Assim, ele vai deixando um rastro de luz por onde quer que passe. Porque se encanta, porque se apaixona, porque abraça com calor e com amor, porque sorri e é feliz.”

Katia Marko é jornalista, terapeuta bioenergética e uma pessoa em busca de si mesma.

Para ler todos os seus textos publicados em Outras Palavras, clique aqui.

 

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