Colômbia: educação não é mercadoria

Estudantes colombianos estão em greve contra projeto de lei governamental e prometem paralisar o país em aliança com organizações sociais

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Por Sergio Ferrari, de Bogotá

Um mês depois de haver começado, a grande mobilização nacional promovida pelos estudantes colombianos ganha abrangência social ao conseguir aliados fora dos campi universitários e se fortalece misturando exigências claras com métodos políticos inovadores.

No dia 10 de novembro, centenas de milhares de pessoas mobilizaram-se nas principais cidades do país. Cerca de 80 mil protagonizaram o episódio qie ficou conhecido como a “tomada de Bogotá”, uma série de marchas simultâneas que confluíram na Plaza Bolívar, em frente à sede do governo, no centro da capital colombiana.

De acordo com líderes sociais, foi a mais importante concentração dos últimos dez anos na cidade. Até agora, a maior manifestação havia reunido 50 mil pessoas para protestar “Contra a Guerra” em novembro de 2007, atendendo aos chamados da organização Rota Pacífica de Mulheres.

Num comunicado público horas antes da concentração multitudinária, os organizadores reiteraram suas exigências ao governo: “educação alternativa, democrática, gratuita e à serviço da imensa maioria”.

Desde o dia 12 de outubro, mais de meio milhão de estudantes universitários mantém uma greve geral em 32 universidades públicas da Colômbia. Exigem que o projeto de lei para a Educação Superior apresentado pelo presidente Juan Manuel Santos seja retirado do Congresso. Os manifestantes consideram que o documento possui um claro tom privatizante.

O protesto estudantil “desconstrói toda a lógica tradicional das mobilizações violentas que imperam na Colômbia há muitas décadas”, avalia Diana Sánchez, dirigente da MINGA, uma das organizações mais importantes do país no acompanhamento dos movimentos sociais e dos direitos humanos.

“É um movimento inovador, criativo, nunca antes visto por aqui, que traz novos ares ao cenário das lutas sociais colombianas”, diz Diana, sem esquecer que os protestos incorporam também a criatividade dos “indignados”. Segundo a defensora dos direitos humanos, as mobilizações “contam com um conteúdo claro, mensagens diretas, metodologia não-violenta, um grande pluralismo e enorme diversidade de participantes”. O movimento — ao que já haviam aderido professores e estudantes de outros níveis educativos — recebeu apoio de numerosos sindicatos, associações urbanas, ONGs, grupos indígenas e organizações camponesas.

A criatividade do movimento e a adesão em massa às suas propostas “expressam um claro rechaço a todo tipo de violência”, enfatiza Diana. Ao mesmo tempo, continua, “dá um sinal às demais organizações sociais e de direitos humanos no país”, que são muito mais tradicionalistas na hora de convocar uma mobilização popular. Além disso, ultimamente têm abdicado um pouco ao protesto de rua.

Depois de uma reunião realizada nos dias 12 e 13 de novembro, a Mesa Ampla Nacional de Estudantes (MANE), órgão coordenador do protesto desde que as manifestações começaram, fez públicas suas exigências para decretar o fim da greve nacional.

Querem que o governo acate o pedido dos estudantes para que seja retirado do parlamento o projeto de lei da Educação Superior, e que o governo assegure, através de uma declaração pública, sua vontade em realizar uma reforma educativa através do diálogo com as partes interessadas. Ademais, pedem a saída da polícia e das tropas de choque das universidades e seus arredores.

A MANE convidou a sociedade civil colombiana para “participar, no dia 24 de novembro, da jornada continental de mobilização em defesa da educação como um direito, em preparação para a greve cívica nacional.”

Os estudantes ratificaram também a decisão de avançar na elaboração de uma proposta alternativa para a Lei Educativa, que retomará os princípios básicos do “Programa Mínimo” anunciado pelos manifestantes no último mês de setembro.

O documento propõe que a Educação seja assegurada a todos os colombianos e colombianas na qualidade de “direito humano e condição para o desenvolvimento nacional, deixando de lado sua conotação de mercadoria”. Por isso é que os estudantes recusam a acatar, de maneira “íntegra e categórica”, o projeto apresentado pelo governo e toda medida que tenha como finalidade abrir caminho ao lucro e às empresas transnacionais da educação superior — incluindo aquelas que estiverem previstas no Tratado de Livre Comércio com os Estados Unidos e demais acordos comerciais que a Colômbia venha a firmar.

O movimento estudantil advoga também a favor do “fortalecimento da autonomia universitária” e da universidade pública em detrimento da visão governamental, que procura favorecer sua privatização. Defende a qualidade acadêmica e a plena vigência das liberdades democráticas nos âmbitos educativos, sublinhando a estreita relação que existe entre educação e sociedade. Daí que os estudantes estendam sua convocatória à sociedade civil, pois entendem que sua luta pertence a todos os colombianos.

“A universidade pública deve discutir e adotar um novo modelo pedagógico”, afirma a MANE, “e gerar alternativas para as problemáticas sociais, econômicas e ambientais do país”, incluindo os “grupos étnicos e culturais que compõem a nação colombiana.”

“A mobilização se sustenta sobre temas fundamentais”, destaca Diana Sánchez, da Associação MINGA. E é por isso que o movimento é tão criativo, porque as reivindicações são muito profundas, mas a maneira de expressá-las, de convocar e de mobilizar é absolutamente diferente do que vimos até agora. Não buscam o confronto com as forças policiais e procuram ampliar suas bases e também a compreensão dos cidadãos para suas exigências.”

“Pedagogia sem violência” foi uma das consignas mais cantadas durante as manifestações de rua no último 10 de novembro. Grupos de estudantes muito bem organizados, com cartazes pacíficos, colocavam-se à frente de manifestantes mais radiciais que tentavam provocar os cordões policiais instalados nas principais avenidas de Bogotá repletas de manifestantes.

Pedagogia, educação, luta estudantil que integram, em suas próprias ações, uma nova forma de compreender a política; que incorpora o “besotón”, um beijaço nos escudos dos policiais para quebrar a tensão; as expressões culturais; as fantasias coloridas; os protestos de rua pacíficos. Uma concepção mais fresca e renovada, própria da juventude, intransigente na afirmação de suas demandas e apostando na defesa da educação como bem público — e não como mercadoria.

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