Chéri à Paris: Um abrigo e um centro cultural peculiar

“Ele nunca me convidou pra ir lá, mas mesmo assim já fui incontáveis vezes”, relata Daniel Carriello em mais uma de suas crônicas dedicadas aos bairros de Paris

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(Chéri à Paris, por Daniel Cariello)

Esse texto faz parte da série “Autour de Paris”, de crônicas dedicadas a cada um dos bairros da cidade. Para ler os outros, clique aqui

O grande point do 8º arrondissement de Paris não é o Arco do Triunfo, com suas toneladas diárias de turistas e as 12 avenidas que ali se encontram e formam, segundo os parisienses, o balão mais complicado do mundo. Um balão que tive a ocasião de enfrentar a bordo do carro de Márcio Jacuzzi, atacante banheirista do Paristeama, que fez manobras em um espaço do tamanho de um guardanapo e demonstrou no volante uma habilidade em desviar de automóveis, ônibus, motos e velhinhas comparável à facilidade com a qual se desvencilha de defensores adversários. Talvez Jacuzzi possua mesmo o dom da escapada, mas o mais provável é que tamanha valentia se explique pelo fato de ser eu, e não ele, que estava no banco do carona, servindo de escudo no caso de acidente.

Não é tampouco o gigantesco obelisco de mais de 20 metros, que fazia parte do templo de Ramsés II e hoje está situado na place de la Concorde. Um monumento doado pelo Egito, segundo a França, e larapiado pela França, segundo o Egito. Tomando como verdadeira a segunda hipótese, há duas versões para o furto, ocorrido nos anos 1830. A primeira diz que os supostos ladrões se aproveitaram do exato momento em que entrou areia do Saara no olho do guarda da fronteira para embarcar o objeto em um navio. A segunda, mais crível, relata que um francês muito parecido com o Gérard Dépardieu (mas 150 anos mais jovem) passou carregando o obelisco nas costas, dizendo que estava ensaiando para as filmagens de Astérix e Obélix, que ainda nem haviam sido inventados mas fatalmente fariam grande sucesso no século XX.

A igreja de la Madeleine e suas grandes colunas de inspiração grego-romana também não são a principal atração do bairro. Impressionante construção que inicialmente seria um templo em honra às tropas de Napoleão, a Madeleine quase virou uma estação de trem e, por fim, acabou transformando-se em igreja católica. Fortes babados dão conta que o McDonald’s estaria prestes a adquirir o local. Mas o Papa Bento XVI teria negado o boato, alegando que o Pizza Hut chegou na frente e ainda ofereceu melhor cardápio infantil.

O grande point do 8º arrondissement de Paris é – prepare-se para uma grande tiração de onda – a casa de Hosni Mubarak, o “[ex]presidente” do Egito (olha o Egito aí de novo!). Pra ser mais preciso, todo o prédio de Hosni Mubarak, com sua escadaria de mármore e seus apartamentos gigantes e ultra luxuosos. Não, ele nunca me convidou pra ir lá, mas mesmo assim já fui incontáveis vezes, graças ao coletivo Jeudi Noir e à associação Macaq, que tomaram conta do lugar e ali fundaram o mais descolado squat de Paris. Além de abrigar pessoas que não têm onde morar, é palco das melhores festas da cidade. Graças a uma brecha nas leis francesas, os squats são completamente legais. O processo de expulsão dos moradores que se neles instalam leva cerca de 5 anos.

Na casa de Mubarak sempre tem algo acontecendo. Lá eu já assisti a shows de bandas tocando na sala, visitei uma instalação com um grande barraco montado na entrada do apartamento, acompanhei filmagens para o cinema e participei de uma roda de samba.

Também já passei um reveillon, quando fazia –5ºC do lado de fora e uns 35ºC do lado de dentro, de tanta gente que tinha. Em outra ocasião, fiz com um amigo um caldo de feijão para mais de 100 pessoas. E até fui DJ em uma festa afro-franco-brasileira, que só terminou porque o som era alugado e o dono da aparelhagem deu um piti e não quis prolongar a noitada.

É claro que um lugar desses só poderia estar na place Rio de Janeiro, localização que por si só explica muita coisa. Muita gente já participou dos sensacionais eventos que ali acontecem. Só quem ainda não apareceu foi o próprio Hosni Mubarak. Se ele ler esse texto, quero que saiba que está convidado a ir à próxima festa. Basta deixar uma colaboração na entrada. Afinal, é preciso manter a associação Macaq funcionando.

Daniel Cariello, editor da revista Brazuca, é colaborador regular daBiblioteca Diplô /Outras Palavras. Escreve a coluna Chéri à Paris, uma crônica semanal que vê a cidade com olhar brasileiro. Os textos publicados entre março de 2008 e março de 2009 podem ser acessados aqui.

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