Chéri à Paris: Ao vencedor, as batatas de frango

Pela expressão de espanto da aeromoça, deduzi: “antigamente” soava como um tempo distante, onde as pessoas alimentavam-se de bizarrices inimagináveis

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Por Daniel Cariello, em Chéri à Paris

– Quer batata?

A pergunta era pra ser simples, mas revelou-se de uma inesperada complexidade.

– Quero.

– De quê?

– O quê?

– Quer de quê? Tem de frango assado de vitrine, de maminha mal passada puxada no alho, de salsa e cebolinha orgânicas, de pernil ao abacaxi e, última novidade e exclusividade da nossa companhia, de peixe frito com tomate, uma delícia!

Eu demorei entender se a aeromoça estava me oferecendo um prosaico pacote de batatinha ou tirando sarro da minha cara, recitando a um habitante da classe econômica o cardápio da executiva.

– Cumequié?

– Tem de frango assado de vitrine, de maminha mal passada…

– E a batata?

– Então. Esses são os sabores disponíveis, senhor.

Já faz algum tempo que abandonei as batatas fritas de saquinho como a base da minha nutrição, e percebo que não acompanhei as variações pelas quais o produto passou. Como os malditos panettones, elas sofreram mutações e agora vêm em sabores tão diversos quanto improváveis. Tornaram-se verdadeiros gremlins alimentares.

– Moça, não tem batata sabor batata?

– Não entendi.

– Aquela simples, sem nada, só a batata frita com sal, como antigamente.

– Sei não. Peraí que eu vou ver.

Pela expressão de espanto da aeromoça, deduzi que a palavra “antigamente” soava para ela como “na época de Ramsés II”. Ou em um tempo muito distante onde as pessoas – imaginem só! – alimentavam-se de bizarrices inimagináveis nos dias de hoje, do tipo batata com gosto de batata, água sabor água e pizza sem ketchup.

– Senhor, achei isso aqui, ó. Vê se serve.

E me esticou um pacotinho brilhante, onde lia-se “sabor muzarela de búfala light”.

– Só tem isso?

– Não, tem também de frango assado de vitrine, de maminha mal passada puxada no alho, de salsa e cebolinha…

– Sabor batata não tem mesmo, né?

– É claro que não, senhor.

É claro que não. Que ideia mais maluca a minha.

Daniel Cariello, editor da revista Brazuca, é colaborador regular daBiblioteca Diplô/Outras Palavras. Escreve a coluna Chéri à Paris, uma crônica semanal que vê a cidade com olhar brasileiro. Os textos publicados entre março de 2008 e março de 2009 podem ser acessados aqui.

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