Vastas implicações na troca de prisioneiros

Acordo Israel-Hamas revela um Oriente Médio onde emergem novos atores, declinam outros e surgem oportunidades de diálogo antes não imaginadas

Negociações entre Israel e o Hamas, para a troca de prisioneiros, estenderam-se por anos. Na foto, uma rodada, em 2009

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Por M K Bhadrakumar, Asia Times Online | Tradução Vila Vudu

Como se diz, o sucesso tem muitos padrinhos, mas o fracasso é órfão. A troca histórica de prisioneiros entre Israel e o Hamás comprova o velho adágio. Egito, Qatar, Turquia e Alemanha – todos tiveram papel importante. Mas, no fim, o sucesso ficou com Israel, que bem merece reclamá-lo para si. Por outro lado, o jogo está na metade e ninguém, por ora, pode declarar-se vencedor.

O Hamás, na 3ª-feira, entregou a Israel o soldado Gilad Shalit, 25 anos, e obteve a liberdade para mais de mil prisioneiros palestinos, alguns deles condenados por crimes de morte.

Israel apostou muito no resgate de um único cidadão, capturado há cinco anos. Isso é bom e os israelenses têm bem o que festejar. O assunto está em todas as manchetes de todos os jornais, no país. Momentos assim dão significado à existência de qualquer estado, e valem muito, sobretudo, para estado sitiado.

Mas, à parte a sensação de júbilo, Israel ganhou também em termos mais substantivos. A política do Oriente Médio muda de fase, com a entrega de Shalit. Emergiram pelo menos seis novas grandes questões, o que caracteriza extraordinário evento geopolítico, cada uma delas significativa por si só e ainda mais significativa em combinação com as demais.

1. Em primeiro lugar, o Egito está sendo amplamente aplaudido pelo papel que teve nas negociações da troca e, assim, está hoje no centro da política regional, de volta à tradicional liderança que sempre teve na política árabe. Surgirão daí desdobramentos imensamente importantes em termos das relações do Egito com EUA, Israel e seus vizinhos.

Simultaneamente, o resultado da atual transição política no Egito transformou-se e tornou-se extraordinariamente importante para toda a região e fora dela. No processo, o marechal-de-campo Mohammed Hussein Tantawi pode ter consolidado sua base de poder e aumentado sua importância aos olhos das potências ocidentais, especialmente os EUA. O papel do Egito, na troca, chama a atenção para a evidência de que os EUA tiveram importante papel por trás das cortinas no “diálogo” com Tantawi sobre as intrincadas minúcias da troca e o encorajaram a prosseguir.

2. Em segundo lugar, a Turquia também ganha uma fatia do bolo – embora menor – e dá um passo (pequeno) na direção de cobrar para si o perdido legado otomano, como potência a se considerar, no Oriente Médio. Segundo os jornais, a Turquia teve papel ativo nas consultas entre Israel e o Hamás, dentre outros.

No processo, a Turquia pode ter dado o primeiro passo na direção de descongelar as relações com Israel. Por outro lado, mostrou que tem influência também junto ao Hamás – o que pode colocá-la em posição de contribuir, pelo menos um pouco, num futuro acordo para o Oriente Médio.

3. Em terceiro lugar, Qatar e Síria também tiveram atuação importante para que a troca se consumasse. Esses dois países receberão a maior parte dos prisioneiros palestinos que estão saindo das prisões israelenses. O Qatar segue, triunfante, a marcha na direção de fazer aumentar o seu peso na política regional.

Já na Líbia, o Qatar pareceu ter alcançado status de fazedor de reis; agora, já aspira a direitos de peso pesado no primeiro círculo da política do Oriente Médio, completamente tomado pelo problema das relações entre palestinos e Israel. Sem dúvida, o Qatar emergiu como um dos atores mais valiosos para as potências ocidentais no tabuleiro do Oriente Médio. É jogador de características únicas: é peão e torre, ao mesmo tempo.

Do mesmo modo, Damasco também comprovou que sempre se pode contar com ela como fator de estabilidade regional. O líder do Hamás, Khalid Meshaal, vive em Damasco. A Síria, com certeza sabia das idas e vindas e não só contribuiu para o pragmatismo do Hamás como, possivelmente, o encorajou. Israel não deixará de ver o papel da Síria na troca de prisioneiros, aspecto que tem sido deixado de lado, no projeto de “mudança de regime” em Damasco.

4. Em quarto lugar, salta aos olhos a evidência de que nem EUA, nem Arábia Saudita, nem Irã aparecem entre os protagonistas da troca de prisioneiros. E eram vistos como atores chaves na política regional. O fato de os países da região terem organizado iniciativa de tal magnitude, com os EUA, no máximo, trabalhando nas sombras, traz, só ele, importante mensagem.

Arábia Saudita e Irã só puderam, de fato, dar os parabéns aos protagonistas palestinos, e depois de a troca estar feita. Não há notícia de que tenham tido participação na coreografia do evento; a contribuição desses dois países limitou-se à concordância com os termos já definidos da troca.

5. Em quinto lugar, o Hamás ganhou imensuravelmente, em estatura.

Negociou diretamente com grande número de países, especialmente com a Alemanha, o que faz crescer muito a sua imagem internacional e lhe dá ainda maior legitimidade entre os palestinos. O mais crucialmente significativo é que o Hamás negociou e acertou a troca com o seu pior inimigo.

Já é mais que hora de o Hamás ocupar o lugar que lhe cabe como voz legítima dos palestinos ao lado do Fatah – se não mais influente que o Fatah. Na prática, o Hamás impôs-se como ator forte e persistente, em qualquer acordo para resolver o problema palestino. A popularidade que o Hamás havia perdido, está hoje mais do que recomposta, e crescendo.

6. Em sexto e último lugar, Israel venceu, mas de cabeça baixa. Conseguiu “reengajar” a vizinhança árabe, especialmente o Egito. Do outro lado da fronteira, Israel está quebrando o agudo isolamento regional em que ficou, desde o início da Primavera Árabe. As coisas devem melhorar, doravante, com Ancara, onde já há um sentimento nascente de que o primeiro-ministro turco Recep Tayyip Erdogan talvez tenha levado um pouco longe demais a “inimizade” com Israel, se se consideram os interesses turcos de longo prazo.

Mas, para Israel, o mais precioso ganho é estar de volta aos negócios com o Egito, o único vizinho árabe sem o qual Israel simplesmente não vive. As relações entre Egito e Israel estavam deteriorando muito rapidamente e o que se dizia era que as coisas poderiam piorar – talvez, piorar muito – antes de poderem começar a melhorar. Pelo menos, do ponto de vista de Israel, o desastre em andamento foi contido, e Israel respirará aliviada, vendo o Egito retomar seu papel tradicional, no relacionamento entre os dois países.

Também aqui, é só um começo. O Egito mostrou que tem vontade e capacidade para desempenhar papel de liderança, do qual abdicou, há três décadas, depois do acordo de paz de Camp David. O Egito se sentirá induzido a assumir maiores responsabilidades na segurança e na estabilidade regionais.

Israel com certeza estimulará essas tendências. Egito e Alemanha foram os dois únicos países aos quais o presidente Shimon Peres e o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu fizeram referência, elogiados por terem possibilitado que a troca fosse feita sem incidentes. Antes, Israel já apresentara desculpas formais ao Egito, pela morte de soldados da segurança egípcia no Sinai – desculpas que os israelenses negaram obstinadamente à Turquia, no caso dos militantes mortos na abordagem da Flotilha Free Freedom, que viajava para Gaza no ano passado.

O mais importante é que a troca suspende momentaneamente o continuado declínio da imagem de Israel no mundo nos últimos meses. Ao que parece, os levantes no Oriente Médio deixaram Israel sem saber o que fazer para prosseguir. Era visível que a bússola sionista não funcionava bem.

A troca, na qual Israel concordou em libertar 1.027 palestinos por um único israelense é um modo de reparar a imagem manchada de Israel. Sim, Netanyahu agiu sob a imensa pressão do isolamento em que Israel estava na comunidade mundial. Mas também mostrou que pode vir a ser parceiro sério em futuras negociações.

Seja como for, a euforia pela volta de Shalit não durará para sempre. As duras realidades começarão a aparecer. Há várias outras importantes decisões que Netanyahu terá de tomar imediatamente, se quiser que os atuais bons resultados se mantenham.

Uma dessas decisões pode ser levantar imediatamente o bloqueio contra Gaza. De positivo, hoje, que as tensões diminuíram. Mas voltarão a subir, se nada mais for feito.

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