A tal da rede social

Como me converti em mais um censurado pelo Facebook, cujas noções de culpa-e-castigo remontam ao século XIV e Peste Negra

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Por Theotonio de Paiva*

É curioso como o processo de punição é compreendido e empreendido dentro de uma rede social. Pensa comigo, caro leitor, numa dada situação, na qual um sujeito é atacado por um determinado vírus, ou coisa que o valha, presente na própria rede. Em conseqüência disso, ele passa a transmitir involuntariamente mensagens e a realizar compartilhamentos e comentários a torto e a direito. A resultante disso, pela lógica desse sistema, é de responsabilizar… o próprio sujeito.

Assim, no momento em que escrevo esse texto, tenho a minha página no Facebook censurada por exatos quinze dias. A razão? Eu me utilizei da prática de spam! Mas, como assim? Não foi involuntário? Perguntará o incrédulo leitor com o acontecido. Posso assegurar que assim foi. No entanto, o texto lacônico não admite dúvida, muito menos contestação: passamos assim a ser responsabilizados por uma ação de risco que a própria rede é quem deveria melhor administrar.

Com efeito, o que transparece na reação empreendida é de que não há razão para se ir atrás de quem primeiramente difundiu a epidemia virtual. Pela lógica que se depreende isso seria rezar contra o bom senso. E bom senso, já dizia o filósofo, é uma categoria que todos batem no peito dizendo que possuem quando efetivamente a prática de vida demonstra exatamente o contrário.

Num nível infinitamente mais sutil, cara leitora, trabalha-se com o mesmo tipo de sanção do século XIV, quando a peste negra invadiu a Europa. Ou, se quiser, pensando num tempo a frente, naquela época em que homens e mulheres eram identificados às imagens de seitas hostis, como as que foram projetadas aos leprosos, judeus bruxas e feiticeiros. Vigiar e punir, essa é a lógica. Simplesmente vaticinam a exclusão do indivíduo. E mais: se voltar a fazê-lo daqui a quinze dias, mesmo que involuntariamente, será desligado implacavelmente do convívio da terceira maior população mundial!

Não, caro leitor, isso não é a glória, tampouco um assunto de somenos importância. Estamos falando de uma coisa miúda chamada liberdade. A tal propalada liberdade de expressão que procuro utilizar bastante bem aqui, neste blog, nos sites em que, porventura, colaboro, nos trabalhos realizados como homem de teatro e professor, e, igualmente, dentro das redes sociais dentro das quais participo, sem nenhuma modéstia, ativamente.

No meu caso, rede social não é um pequeno entretenimento ao qual tenho acesso para mostrar as minhas vaidades e idiossincrasias. Nada, aliás, contra as idiossincrasias e as vaidades. Ocorre, entretanto, que penso diferentemente. As redes sociais, e, em alguma medida, a própria web, tornaram-se espaços para um maior convívio afetivo entre os homens, é verdade, além de ganharem uma dinâmica preciosa para compartilhamento de informações e conhecimentos. Um lugar (ou lugares) para se pensar sobre as relações entre os homens e para ruminarmos virtualmente algumas ideias.

E mais: a sua riqueza se faz a partir de uma demanda enquanto espaço plural, leitor atento, em que homens e mulheres conseguem efetivamente se corresponder e pensar novas perspectivas acerca de suas vidas, afetos, vivências, reflexões estéticas, políticas e de toda ordem do saber.

Assim, penso ser inadmissível quando essa manifestação se encontra tolhida por um pretexto que não se justifica a luz dos fatos, ou seja, por ter sido atacado por uma ação nefasta que visa espalhar mensagens e vírus à revelia de quem quer que seja.

Essa punição dá uma medida estranha, perversa, sobre um fenômeno cultural que precisa ser mais bem entendido e administrado por todos nós. Hoje aconteceu comigo, leitor amigo, pode amanhã acontecer com qualquer um outro.

Naquela altura, em meio à avalanche de mensagens espúrias, que saíam em meu nome pela rede social, lembrei-me dele: o velho e bom Asterix. E lembrei-me por sua luta contra uma força avassaladoramente maior do que ele.

E brindei, a cada ação do vírus, com a seguinte taça: na medida das minhas forças e talento, responderia com arte. E, vejam só como fui paciente, postei músicas como Eu não tenho nada a ver com isso, do Vinícius e Toquinho,Baioque, do Chico Buarque.

Mas não fiquei nisso. Foram ao ar imagens e comentários que diziam com humor, naquele compasso de quem anda sutil demais, a angústia de ser importunado insistentemente por uma ação absolutamente predatória.

Ao gerar transtornos absurdos, parecia promover efetivamente uma espécie de mal-estar generalizado e uma descrença no sujeito que teoricamente promovia aquilo. E, como toda descrença significativamente simbólica, lembrava àqueles atores sociais envolvidos – amigos, conhecidos e outros que nem sei o nome – de que a retórica do poder, qualquer poder, é implacável. Sempre.

Nesse sentido, ao ser removido de chofre de um convívio social e de trabalho, encontro-me naquela situação besta, do sujeito vigiado por forças infinitamente maiores do que ele, silenciosamente atentas, mas com enormes dificuldades em promoverem justiça, a mais simples dimensão do acordo entre os homens.

Theotonio de Paiva, dramaturgo e diretor de teatro, é doutor em Teoria Literária pela UFRJ e colaborador de Outras Palavras.

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7 comentários para "A tal da rede social"

  1. Theotonio de Paiva disse:

    Thiago, eu responderia com um outro tipo de formulação. É natural que haja uma espécie de “quarentena” para aquele que ficou refém de uma dada situação viral. No entanto, penso que essas experiências precisam ser necessariamente politizadas. Depois do texto ir ao ar, fiquei a pensar que o tema ainda renderia alguns desdobramentos, pois ficaram de fora a reificação do homem, cujo costume em ser tratado como coisa virtual tem levado os homens a acharem natural os caras ficaram podres de ricos, com milhões no mundo inteiro trabalhando pra eles. E a única recompensa é o cabra considerar um luxo poder postar a foto do seu cachorrinho ou do último aniversário do filho no Mc Donald.
    Além disso, em termos de segurança, o problema se agrava, pois entrou um cavalo de Tróia no meu computador. Isso poderia ter ocasionado um prejuízo de dimensões muito mais graves. Ora, li gente escrevendo: “você deu mole”. Ou seja, tem que ficar esperto em terra de Macunaíma. Agora, vamos supor que vc está numa estrada e não vê uma buraqueira, que tá lá por absoluta falta de manutenção da via. Você perde a direção e comete algum delito, ou sofre um acidente. De quem é a responsabilidade? Pela lógica do cara que tá interessado em postar a última baboseira, não há como tergiversar: é tua! Além disso, não há como reiterar que o tema é kakfiano, pois você se sente muito sozinho, na medida em que se vê como o único a entender o problema em toda a sua extensão: de um lado, um internauta, de outro, a maior rede de relacionamentos do mundo. E o embate, você me dará razão, é desleal. Abraços

  2. Thiago Figueredo Cardoso disse:

    Achei interessante a comparação do tratamento dos infectados virtuais com as situações históricas. Por trabalhar com desenvolvimento de software e imaginar as conseqüências tecnológicas de uma infecção, achava natural a forma de reagir utilizada pelo FB. Vírus e outros fenômenos como o abuso de propaganda (spam) podem derrubar ou inutilizar a rede. Como você imagina o tratamento dessas situações?

  3. Carlos J. R. Araújo disse:

    Não uso o troço. Concordo com o Fernando de Morais: “não uso estas porcarias”. O gadget sofisticado converte até os dissidentes do cristianismo, vivos fossem. O apelo do troço é mais forte do que uma mulher bonita. Mas os prazeres serão os mesmos? Sim, porque de utilidade, mesmo, não vejo nenhuma. É uma escravização voluntária mas inútil. O que ele proporciona não merece tanta distinção.

  4. Anderson disse:

    sr rafael,
    quando facebock bloqueia conta de usuario pelo fato deste publicar 1 foto de performance de amiga em nova york, foto esta contendo suave nudez lateral, é devido a higiene?
    teorias da conspiração???? pobre animal, fique então com esta: pesquise no google sobre a “blackwaters” associando este nome a microsoft e uma monsanto, e veja o que estes monstrengos consideram higienização. te ajudarei deixando link para publicação de um oficial do exercito(figura bastante conservadora, recomendo q nao vá alem do link q destaco abaixo) que se deparou com um grupo da “agencia” blackwaters pessoalmente:
    http://www.sangueverdeoliva.com.br/novo/index.php?option=com_content&view=article&id=313:usa&catid=2:cronicas&Itemid=4
    sobre assunto, aprofundando mais, poderá ler um livro de respeitado jornalista editado pela Companhia das Letras
    http://pt.wikipedia.org/wiki/Blackwater_-_A_Ascens%C3%A3o_do_Ex%C3%A9rcito_Mercen%C3%A1rio_Mais_Poderoso_do_Mundo
    o que mais deve ser teoria da conspiração pra vc, vejamos:
    ex-executivos da monsanto trabalhando na FDA (agencia reguladora estadunidense, similar a Anvisa) e liberando uma serie de produtos no mercado sem a devida pesquisa científica, como a soja transgenica?
    sabes o que eh uma soja transgenica? trata-se de uma semente geneticamente modificada para resistir a um violento veneno vendido pela mesma monsanto! FDA, em 1996, liberou esta semente no mercado justificando que era praticamente igual a semente crioula.
    Pesquisas posteriores comprovam q a semente transgenica eh cancerigena. Mas o q prevaleceu são os interesses d quem a jogou no mercado, e desde entao esta presente na sua mesa no suco de caixinha, na carne de soja comprada no mercado pretensamente naturalista, e em muitos outros produtos industrializados.
    Portanto, tenhas cuidado com o rotulo “teoria da conspiração”, por vezes eh a resposta automatica de tolos desinformados.
    saiba mais aqui:
    http://www.youtube.com/watch?v=gkQN5gopWSU&feature=related

  5. …add no face; até porque, mesmo em rede "não podemos se entregá pros home…mas de jeito nenhum!", mesmo que seja o Grande Irmão e a peleia seja grande!Melhor ainda… Excelente artigo, Dr.!

  6. Esta dita luta por “liberdade” no Facebook existe pois o desenvolvimento tecnológico da ferramenta não está conseguindo acompanhar a demanda. A conta é bloqueada como uma maneira de impedir que o “vírus” que a atacou fique em quarentena, e desta forma não contamine toda a rede.
    O Facebook tem muitas falhas, e este procedimento, o bloqueio de contas atacadas por vírus, é uma destas, mas deve-se levar em conta outros fatores que vão além de teorias conspiratórias. Sim, o Facebook não liga a mínima para o que você publica, é só uma questão de higiene o bloqueio de sua conta.

  7. Anderson disse:

    Nao sabes q a microsoft eh proprietária do facebók?
    portanto, nao surpreende a tosca censura.
    O q mais surpreende eh que as pessoas facilmente tornem-se reclusas de um sitio virtual, pouco refletindo sob os controles aos quais se submetem.
    Lembras do icq? Criativo programinha de bate-papo que permitia vc iniciar conversa com qualquer pessoa no planeta q estivesse conectada nakele istante!
    eis q a microsoft conseguiu q o programinha adoravel fosse abandonado em detrimento do canhestro msn, que nao permite este mergulho no ciberespaço, pois com o canhestro eh necessario vc possuir email da pessoa com quem pretendes conversar, enquanto o icq permitia vc contactar conhecidos e desconhecidos em qualquer lugar!
    Ora ou outra vejo alguem se surpreendendo com bloqueios de facebook, ora, nada mais obvio…

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