A guerra sem fim no Afeganistão

Enquanto Obama promete retirar as tropas até 2014, novos grupos guerrilheiros ocupam o vazio deixado pela Al-Qaeda e fazem da região um quebra-cabeças sem solução à vista.

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Por Syed Saleem Shahzad, do Asia Times Online (nele publicado em 16 de dezembro de 2010) | Tradução: Bruno Cava

Richard Holbrooke, o emissário especial dos Estados Unidos para o Afeganistão e o Paquistão, que morreu na segunda-feira [13/12/10] aos 69, havia concluído que a guerra que se arrasta por nove anos no Afeganistão tem que acabar.

Parar a guerra não será fácil. A situação em curso não é tão simples.

Por exemplo, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) se diz bem-sucedida contra o Talibã nas províncias de Kandahar e Helmand, mas o que aconteceu foi que grupos afiliados a Al-Qaeda ocuparam o vazio deixado e vão continuar a batalha.

Da mesma forma, o Paquistão reclama sucesso em regiões tribais, porém grupos mais contestadores e ideologicamente motivados emergiram para se apossar da guerra.

Wali Mohammad, o irmão do comandante massacrado do Talibã Nek Mohammad (veja O legado de Nek Mohammed [em inglês], no Asian Times Online, de julho de 2004) assumiu o comando dos militantes no Waziristão do Sul.

Na última semana [5-11/12/10], o chefe do exército General Ashfaq Parvez Kiani, acompanhado por outros oficiais-generais e membros da imprensa, viajaram ao Waziristão do Sul para desfilar a “vitória” dos militares contra os guerrilheiros. Eles foram recepcionados por quatro mísseis. Ninguém se feriu, mas a mensagem é clara – os guerrilheiros estão de volta.

Antes da operação do ano passado no Waziristão do Sul, o exército encerrou um acordo de paz com a tribo Wazir e isolou a tribo Mehsud, liderada por Hakeemullah Mehsud, o líder do Terik-e-Talibã (TTP – Talibã Paquistanês). Isto forçou os Mehsuds a fugir ao Waziristão do Norte. Os militares então assumiram o controle das regiões dos Mehsuds, tais como Ladha e Makeen.

No entanto, numa torção que ilustra a mudança de ideologias nas regiões tribais, Wali Mohammad, um Wazir do Waziristão do Sul, que supostamente era rival dos Mehsuds, passou a hostilizar o exército – uma manobra que surpreendeu muitos observadores.

Wali Mohammad is now the commander of the TTP in South Waziristan and head of its suicide-bombing wing. 

Relatório sobre o Afeganistão.

O presidente dos EUA  Barack Obama agendou para quinta-feira [18/12/10] o relatório sobre a estratégia no Afeganistão. “Estamos num lugar melhor agora do que estávamos há um ano”, Obama disse no mês passado num encontro da OTAN. A secretária de estado Hillary Clinton, enquanto isso, disse que “de todos os ângulos”, houve progresso.

Numa visita ao Afeganistão na semana passada [5-11/12/10], o secretário de defesa americano Robert Gates disse a repórteres que ele “estava convencido que nossa estratégia está funcionando e que nós seremos capazes de atingir as metas-chave definidas pelo presidente Obama”.

O relatório foi elaborado pelo Conselho de Segurança Nacional, com dados do General David Petraeus, o comandante das forças dos EUA no Afeganistão; e por outros oficiais. Espera-se que Obama reafirme a promessa de começar a reduzir as tropas de combate americanas no próximo julho, um processo agora marcado para ser concluído no final de 2014.

De acordo com vários funcionários da administração que falaram sob a condição de anonimato, os aspectos mais positivos baseiam-se nos relatórios militares de Patraeus, que tem descrito operações bem-sucedidas nos bastiões do Talibã de Kandahar e ao redor dele, a segunda maior cidade do Afeganistão, e na província do sudoeste Helmand. Petraeus também citou a eliminação, por morte ou captura, de centenas de comandantes talibãs e líderes políticos locais, em incursões das forças especiais americanas.

No entanto, um desenvolvimento fundamental está faltando na avaliação.

Este mês, houve um ataque suicida mal-sucedido contra Nawab Aslam Raisani, o ministro-chefe da província do sudoeste Balochistan. Foi assumido pelo LJ – o Lashkar-e-Jhangvi al-Alami (Internacional) – uma organização sectária antixiita que opera dividida em diversos grupos. A ala internacional tem forte filiação com a Al-Qaeda.

O sudoeste de Paquistão e Afeganistão é o lar do clã Kandahari, que é muito leal ao líder talibã Mullah Omar. Apesar da presença intensa do Talibã em Helmand e Kandahar, no Afeganistão, e nas regiões paquistanesas de Chaman e Quetta, a Al-Qaeda nunca foi capaz de mobilizar significativamente os pashtuns locais.

A Al-Qaeda está abrigada ou na área sudeste do Afeganistão ou nas regiões tribais do noroeste do Paquistão.

O Baloquistão não tinha história de violência sectária até depois de 2003, quando alguns membros do grupo étnico Baloch, pertencentes à LJ, foram acusados. O Talibã se distanciou da LJ. Nos últimos anos, a área sudoeste do Paquistão e do Afeganistão foram avaliadas como território do Talibã.

Contudo, um número crescente de ataques guerrilheiros no Baloquistão contra  os comboios de mantimentos afegãos organizados pela OTAN trazem a marca da Al-Qaeda. A maioria dos ataques foi conduzida nas áreas étnicas dos Balochs, onde as forças de segurança paquistanesas agora acreditam haver colaboração entre os insurgentes Balochs anti-Paquistão e membros da LJ.

A brutal e ultrarradical LJ já cooperou com o grupo Jundallah [NT.: Soldados de Alá, também conhecido por Movimento de Resistência Popular do Irã] no Baloquistão iraniano e agora se espera que amplie as suas operações a Kandahar e Helmand, assumindo a luta do Talibã.

O presidente paquistanês anterior Pervez Musharraf escreveu num artigo no domingo [12/12/10] que ele foi aconselhado pela comunidade internacional a aceitar o governo talibã, mas não concordou. No seu texto ao Wall Street Journal, disse “Tivesse o mundo escutado meu aviso, as circunstâncias seriam bem diferentes”.

Os americanos também jamais acataram a idéia, em 2001, de negociar com o Talibã e isolar a Al-Qaeda. Em 2010, Holbrooke percebeu essa verdade junto de outros agentes diretores em Washington. Mas é tarde demais.  A guerra desenvolvida nas cavernas da Al-Qaeda e em regiões tribais paquistanesas está sendo conduzida de maneira que, quando um grupo de insurgentes é pacificado, outro novo irrompe e toma seu lugar. Esta é uma guerra sem fim.

Syed Saleem Shahzad é o editor-chefe da sucursal paquistanesa do Asia Times Online e autor do livro Dentro da Al-Qaeda e o Talibã – 11/9 e Além (ed. Pluto, Reino Unido, no prelo). E-mail de contato: [email protected]

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