O menino de Guantánamo

Escritora inglesa cria, baseada em fatos reais, romance que denuncia indústria de delações montada pelos EUA para alimentar prisão infame

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Por Paulo Nogueira, no Diário do Centro do Mundo

Quer saber como Guantanamo se tornou o horror que é?

Leia Guantanamo Boy, da escritora inglesa Anna Perera. Uma versão em português foi lançada no Brasil pela Editora Agir.

Baixei a edição original no Kindle com um mero clique.  Uma espécie de milagre da aparição literária.

É uma ficção baseada na realidade. Khalid é um adolescente inglês. Seus pais são paquistaneses, e acabaram indo para a Inglaterra, como tantos conterrâneos, para  fugir da miséria de seu país. Para os ingleses era uma coisa boa, porque os imigrantes representavam mão de obra barata para funções humildes que os nativos não estavam nem um pouco interessados em realizar eles próprios.

Khalid vai visitar a terra dos pais.

Mas estava acontecendo o seguinte. Os Estados Unidos, na chamada Guerra ao Terror, estavam dando um dinheiro considerável a pessoas que denunciassem suspeitos de terrorismo. Era uma cifra que equivalia a meses, talvez anos de trabalho na miséria paquistanesa. Muitas pessoas inescrupulosas, para pegar o dinheiro, fizeram denúncias sem fundamento. Como não havia julgamento, como não havia advogado de defesa, como não havia procedimento legal nenhum, o delator ganhava uma pequena fortuna sem risco de descobrirem que ele mentira.

O acusado ia parar em Guantanamo.

É essa a história de Khalid. É essa a história de cerca de 60 garotos presos no Paquistão e no Afeganistão em situação obscura e enviados a Guantanamo. Pais e mães desesperados simplesmente não voltaram a saber de seus filhos. Na prisão as crianças foram tratadas como “combatentes do inimigo”, para usar uma expressão que vi dita num vídeo, pronunciada por um oficial americano que trabalhava em Guantanamo.

Só que os meninos “combatentes”, como mostraram os vazamentos realizados pelo Wikileaks, eram garotos inocentes como o Khalid do livro de Anna.

O que os Estados Unidos fizeram em Guantanamo é comparável ao que os soviéticos fizeram nos gulags tão bem descritos por Solzenitzin: reduzir o ser humano a nada. Subtrair pessoas do convívio com familiares, amigos, enviá-las a terras distantes e submetê-las a atrocidades.

Recomendei a minha filha Camila vivamente que leia este livro. Disse a ela que sugira aos professores que peçam aos alunos que leiam e discutam.

É uma aula de história contemporânea.

Anna, escritora de livros juvenis, sabe como fazer o leitor correr de página em página.

Ela vive em Londres. Ontem mesmo mandei um email a ela e combinamos um almoço no qual vou entrevistá-la.

Dou notícias.

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3 comentários para "O menino de Guantánamo"

  1. antonio rodrigues disse:

    eu me pergunto se os estados unidos pretendem ser top 1 do mundo ainda, até quando vão ter este status com tanta mentira? já está chegando perto de condições psicóticas tanta criação em tons de malvadeza. espero que o império passe a ser mais um país do mundo com modelo de democracia e respeito às pessoas tanto dentro das próprias fronteiras quanto fora! antonio rodrigues

  2. Eduardo Sarquis Soares disse:

    Prezado Paulo,
    Infelizmente, a realidade pode superar a ficção. Pode ser que Anna Perera tenha se inspirado no caso verídico de Omar Khar, canadense de família paquistanesa. Logo depois do Canadá propor nas Nações Unidas que se considerassem “child soldier” os adolescentes aliciados para guerras, com status de candidatos a re-educação e não de prisioneiros de guerra, o país teve de se confrontar com o caso do garoto preso, baleado, aos 16 anos de idade. Na batalha que resultou na prisão, todos os companheiros de Khar morreram, e também um soldado americano. O primeiro relatório do militar indicou que quem matara o americano com uma granada havia morrido no combate. Só que o report foi alterado posteriormente, e Khar foi acusado de ser o responsável pela morte do soldado. Enquanto o governo canadense nada fez para retirar o rapaz de Guantanamo, seu advogado, um militar americano, foi o que mais lutou para que ele fosse repatriado. No ano passado, com 22 anos de idade, ele foi condenado em um tribunal militar, depois de verificar que a única alternativa de voltar para casa (talvez) um dia, seria confessando a pretensa culpa.Está cumprindo pena, não sei exatamente onde, na esperança de poder pedir à justiça americana para ser expatriado e cumprir o que lhe restar no Canadá. Tenho a história registrada pela rede CBC canadense em inúmeros programas. No Brasil, consta que a rede Globo chegou a mencionar o caso, mas não assisti ao jornal que o divulgou.

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