Pequena sabatina ao artista

 

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Foto: arquivo pessoal de Sérgio Britto

Sérgio Britto, cantor, compositor e tecladista dos Titãs, fala ao Diversos Afins sobre seu mais recente disco solo e revela os planos da banda para novo trabalho, que amplie seus laços com a brasilidade

Por Fabrício Brandão

Uma das mais valiosas virtudes do universo musical é poder proporcionar aos seus apreciadores uma infinidade de caminhos possíveis. E falar dessa variedade não implica num mero registro quantitativo, como se tudo fosse guiado por índices estatísticos do deus mercado. Afastando-nos da noção de juízos de valor simplistas, é sadio arrematar que há espaço para toda a sorte de expressões, guardadas, é claro, as necessárias medidas que diferenciam a multiplicidade dos gêneros. Para quem possui uma trajetória consolidada em torno de uma banda, trilhar as veredas de um caminho individualizado é muito mais do que um desafio criativo, aponta para o exercício crucial e autônomo de se operar escolhas.

De todo o dito, há quem se encaixe com precisão nessa perspectiva de abrir as fronteiras do novo e retirar daí um trabalho que traga em si um mergulho no próprio âmago. É o caso de Sérgio Britto, cantor, compositor e tecladista dos Titãs, banda que ajudou, de modo especial, a construir e firmar a história do rock brasileiro. Ao longo de sua intensa vivência musical, Sérgio pôde experimentar um complexo percurso de saberes e sabores, desde os primórdios e o ápice dos Titãs até as investidas mais atuais. No tempo presente, corre em suas veias o fluxo trazido pelas imagens contidas em seu terceiro disco solo: SP 55. Some-se a isso o fato de o álbum assinalar uma via autoral que sabe fazer adequado uso dos recursos da memória e de marcas íntimas da vida do artista. Os passos de então trazem um Sérgio profundamente comprometido com o que de melhor sua música possa trazer às pessoas, tudo embutido numa opção que bebe na fonte genuína de nossas brasilidades. E foi tratando de estes e outros afins pertinentes à sua carreira que Sérgio Britto travou conosco uma breve conversa.

DIVERSOS AFINS – Para desenvolver um trabalho solo, ainda mais se tratando de um artista integrante de uma banda há muito consolidada no cenário musical, como é o seu caso, o sentido de liberdade e autonomia parece conferir um sabor especial aos rumos criativos. O que você considera mais importante nesse processo?

SÉRGIO BRITTO – Trabalhando como artista solo, experimento um tipo de liberdade e descompromisso que é impossível ter em grupo. O simples fato de ter que fazer escolhas sozinho me estimula e entusiasma tremendamente. Esse movimento me fez, acredito eu, continuar crescendo artisticamente. Depois de tantos anos fazendo música, acho que é isso o que realmente importa.

DA – Muitas vezes, quando se deseja comparar vivências experimentadas por diferentes gerações, há uma certa tendência em escalonar juízos de valor, colocando numa balança o que há de melhor ou pior, sobretudo no que se refere a composições. Para aquela geração que deu origem aos Titãs como essas questões se apresentavam? O sentido de transgressão era maior?

SÉRGIO BRITTO – Acho que a própria sociedade brasileira, por causa da circunstância histórica, ansiava por um pouco mais de transgressão. Certas coisas precisavam ser ditas de forma mais contundente, mais agressiva. Nesse sentido tudo nos empurrava pra esse lado.

DA – SP55, seu mais recente trabalho solo, percorre um universo de memórias pessoais. Como falar de intimidades e tantos outros recantos particulares da vida sem soar nostálgico ou excessivamente emotivo?

SÉRGIO BRITTO – Canções são boas ou ruins, não importa muito o assunto. Sei muito bem que existe prevenção com artistas que tratam desse universo mais “íntimo” ou são mais líricos, mas sinceramente não me preocupei com essa questão. Músicas “transgressivas” também podem soar extremamente ingênuas ou gratuitas…

Acredito que quando se faz esforço para desenvolver uma “voz própria”, no meio do caminho, a gente se livra dos clichês, das obviedades.

DA – Chama atenção no disco a sua incursão por gêneros como o Samba, MPB e Bossa Nova. De onde partiram tais escolhas?

SÉRGIO BRITTO – São gêneros que conheço desde sempre e com os quais tenho intimidade. Desde o início da minha carreira solo, a vontade era a de encontrar uma sonoridade que me identificasse e diferenciasse dos Titãs. À medida que fui compondo e gravando o SP55, resolvi focar na questão da brasilidade. Fui excluindo músicas, tirando guitarras, etc. Acabei estabelecendo balizas estéticas para que o disco soasse realmente diferente do que eu já havia feito com a banda.

DA – Percorreu muitos caminhos para chegar ao repertório definitivo de SP55?

SÉRGIO BRITTO – Gravei muita coisa e, apesar do disco ter 18 músicas, acabei deixando várias canções de fora: algumas simplesmente não faziam parte deste projeto. Esse caminho, na verdade, começou a ser trilhado quando gravei o meu primeiro trabalho solo, “A minha cara”. Naquela época, eu já queria fazer um disco de Pop com brasilidade explícita; cool, com canções mais elaboradas do ponto de vista melódico e harmônico.

DA – As letras presentes no disco remontam a uma viva poesia cotidiana, feita de reminiscências e observações marcantes da existência. Baseado nisso, como é a sua relação com a literatura?

SÉRGIO BRITTO – Leio desde que me conheço por gente, mas de forma errática. Gosto de poesia e literatura, é claro, mas acho que o que realmente moldou a minha maneira de fazer canções foram outras canções. Não sei se um grande poeta daria um bom songwriter… Acredito que não. Ninguém aprende samba na escola. É preciso ter uma habilidade muito específica que só se adquire fazendo canções.

DA – Quanto aos Titãs, vocês já têm em mente algum novo projeto musical?

SÉRGIO BRITTO – Sim, estamos ensaiando e levantando material para um novo disco. Precisamos nos renovar e acredito que uma boa maneira de fazer isso seria investir nessa brasilidade de que estava falando. É claro que o que vai resultar disso será algo totalmente diferente do meu trabalho solo. Afinal de contas, os Titãs são uma banda de rock! Já fizemos uma incursão muito feliz nesse território: “Õ Blesq Blom”. A minha aposta é que o novo trabalho dos Titãs vai ser algo por aí, só que mais cru e nervoso.

DA – Após todos esses anos dedicados à música, você tem a sensação de ter alcançado um grau satisfatório de maturidade? Seu olhar sobre as coisas mudou bastante?

SÉRGIO BRITTO – Sim, mudou, é claro. O bacana da maturidade é poder sentir-se dono do seu próprio tempo, responsável pelas suas escolhas, pelos seus erros e acertos, etc. Às vezes, é trabalhoso, mas a sensação de compensação é muito maior.

 

 

 

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