Bahia: trágica comédia de erros

 

.

Policiais confundem direito de greve com barbárie; governo omite-se e procura isentar-se de responsabilidade; impasse golpeia sociedade e continua sem solução à vista

Por Chico Bicudo, em seu blog

Sugeri modestamente nas redes sociais que procuremos lançar um olhar para a greve da PM na Bahia com disposição para escapar do “lá ou cá, do tudo ou nada, dos anjos e demônios”, buscando também sutilezas e nuances de análise.

Greve é direito constitucional, instrumento de luta política, de emancipação do trabalhador. Reivindicar aumento de salário e condições dignas de trabalho, que minimizem a exploração pelo capital, é não só legal, mas justo e legítimo. Tais movimentos, no entanto, não podem ser conduzidos sob a ameaça de armas. Não podem por exemplo resultar em barricadas, ataques e incêndios a ônibus praticados por policiais, dentre tantos outros atos de barbárie, como denunciam moradores de Salvador. Sem generalizar – mas há certamente malandros, irresponsáveis e oportunistas no movimento, flertando muito de perto com o banditismo social, que se aproveitam da greve para fazer politicagem (não política) e disseminar pânico e terror na população, às vésperas do carnaval e em ano eleitoral.

Ao mesmo tempo, lamento, mas não me cheira bem essa tentativa de blindar e de santificar o governador Jaques Wagner, só porque ele é do PT – partido que, aliás, foi ponta de lança da greve da PM ocorrida na capital baiana em 2001, quando estava na oposição. Agora que é governo… Wagner foi no mínimo pouco hábil, politicamente insensível, omisso.

Escreve o jornalista Ricardo Kotscho, que inclusive é amigo de Jaques Wagner: “ex-líder sindical, não é possível que o governador não estivesse informado sobre o barril de pólvora armado pelos policiais militares às vésperas do Carnaval, quando embarcou para Havana, acompanhando a presidente Dilma Rousseff, na segunda-feira passada. No dia seguinte, a assembleia dos policiais decretou greve, que já conta com o apoio de um terço da categoria. (…) Deveria ter negociado e tomado providências antes, como bem sabe por sua formação sindical e a experiência de 2001, quando houve a primeira grande rebelião da PM”.

pena lúcida da jornalista Cynara Menezes tenta também fazer um convite à racionalidade. Ela lembra que não é mais possível aceitar que o governo petista jogue na conta do carlismo (legado de Antônio Carlos Magalhães) o cenário de caos que se instalou na capital baiana. “É correto que policiais, para fazer reivindicações, amedrontem a população? Não. Mas tampouco é correto que policiais, numa sociedade democrática, nem sequer tenham suas reivindicações ouvidas pelas autoridades. “Nem plano de cargos e salários eles têm”, diz o professor de Desenvolvimento Urbano Carlos Alberto da Costa Gomes, coordenador do Observatório de Violência da Bahia. Costa Gomes também é contra policiais intimidarem pessoas. Mas adverte que tudo chegou a esse ponto porque há 30 anos os policiais baianos pedem praticamente as mesmas coisas. Ou seja, não foram atendidos por ACM –nem por Jaques Wagner”, escreve a repórter de “Carta Capital”.

Claro está que o governo do estado também pisou feio na bola. Poderia ter evitado o confronto. Mas preferiu ignorar sinais evidentes de que algo não ia bem. Na segunda-feira, dia 06 de fevereiro, em entrevista publicada pela “Folha de São Paulo”, Jaques Wagner admite que a avaliação feita pelos órgãos de inteligência da administração municipal que monitoravam as assembleias dos policiais militares foi equivocada. É quase uma confissão de culpa: o governo foi surpreendido pelo tamanho do movimento grevista.

A sensação que fica é de uma mistura de soberba com descaso e desdém, algo como “vamos empurrar com a barriga, não vai dar em nada, deixa estar para ver como é que fica”. O problema é que ficou – e a situação agora está para lá de enroscada. As posições se radicalizaram, os policiais militares estão aquartelados, a Assembleia Legislativa foi cercada por tropas federais. Não há interlocução. E o governo agora não sabe muito bem o que fazer.

E só para fechar com mais um convite à reflexão – na verdade, é uma provocação ao cabo-de-guerra PT x PSDB que monopoliza (e empobrece ao extremo) o debate político nacional: já imaginaram se uma greve da PM explodisse em São Paulo e Geraldo Alckmin estivesse no exterior? O que estaríamos escrevendo nos blogs e nas redes sociais? Pois é.

Leia Também:

2 comentários para "Bahia: trágica comédia de erros"

  1. Washington Luis Leite disse:

    Quem visitou a Bahia nesses últimos anos, sabe que socialmente a “coisa” estava insustentável: mta. violência, pobreza, descaso e miseria. Certamente a eclosão do movimento era inevitável, trazendo consigo interesses escusos, politicagens, intimidações, oportunismos, etc, mas o terreno estava propício para esse cenário. Podemos analisar um movimento político sob vários pontos de vista, e, no caso específico, o estilo “laisser faire” do dirigente petista chama a atenção. Esse é o preço da omissão: o futuro político do Governador da Bahia está fadado ao fracasso.

  2. erton disse:

    Depois disso o futuro político de Jacques Wagner fica comprometido.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *