Escapando da armadilha neonazista

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Numa Alemanha onde crescem a extrema-direita e a xenofobia, uma organização ajuda militantes dos grupos nazistas na difícil ruptura com suas células

Por Gabriela Whitehill, na Vice

A EXIT Deutschland é uma organização antinazista que ajuda pessoas a escaparem do jogo de extrema-direita em que acabaram presos e a se reabilitarem. Fundada pelo ex-policial Bernd Wagner e pelo ex-líder nazista Ingo Hasselbach, a organização faz um trabalho muito similar ao de um programa de proteção à testemunha — sair de uma célula ou grupo neonazi não é bolinho, e muitas pessoas que decidem deixar a vida de extremismo vivem com medo de ser atacadas pelas que estão tentando deixar pra trás.

A EXIT Deutschland ganhou manchetes no ano passado com a engenhosa ideia da camiseta “cavalo de Troia”. No décimo aniversário do festival de direita Rock For Deutschland, camisetas pretas estampadas com caveiras e com o slogan “Hardcore Rebels” foram distribuídas de graça. No entanto, quando as camisetas eram lavadas, o desenho desbotava e mostrava outra mensagem: “O que essa camiseta pode fazer, você também pode — vamos te ajudar a romper com o extremismo de direita”. Os organizadores do Rock For Deutschland enviaram rapidamente um boletim em massa para os participantes sobre o esquema, mas o estrago já estava feito. Depois de tudo, até membros de fóruns neonazistas admitiram que foi uma boa ideia.

Recentemente a extrema-direita anda levantando de novo a sua cabecinha escrota na Alemanha, e principalmente por causa do PND, o Partido Nacional Democrata— extremistas de direita de terno. Já se tentou declarar o partido ilegal — uma vez em 2003 e depois em 2011, e vários políticos pediram seu banimento depois que ligações do PND com células terroristas nazis foram descobertas. Recentemente, uma célula de direita terrorista chamada National Socialist Underground foi acusada de matar oito lojistas estrangeiros e uma policial entre 2000 e 2007. Apesar disso, os neonazistas alemães — que já foram um grupo marginal — parecem estar cada vez mais descarados e ativos na sociedade.

Conversei com Bernd Wagner, CEO da EXIT, criminologista e especialista em extremismo de direita, para falar um pouco mais sobre a EXIT Deutschland e o que ele acha do aparecimento de partidos de extrema-direita na Alemanha e no resto da Europa.

VICE: Como vocês ajudam os neonazistas que querem deixar suas vidas de extremismo para trás?

Bernd Wagner: Primeiramente, muitas conversas individuais são conduzidas para esclarecer a vida anterior da pessoa, o nível de ameaça à sua segurança, seus objetivos pessoais, obstáculos para a saída, etc. Aí um plano individual de fuga é montado. Uma coisa importante: a EXIT não paga benefícios financeiros ou sociais. Podemos providenciar contatos, novas perspectivas e fornecer respostas para as questões de segurança e sociais. Vamos aconselhar em todas as situações com nossa experiência. O desejo de deixar o movimento se alimenta das próprias dúvidas individuais e de uma pressão interna para mudar sua vida. Para essas pessoas, a ideologia, o grupo e o movimento se tornaram inúteis.

Que perigos uma pessoa corre ao deixar um movimento de extrema-direita?

Deixar a extrema-direita tem muitos problemas. De um lado, essas pessoas enfrentam ameaças de violência física (vingança), terror psicológico, perseguição e rompimento com seus antigos “companheiros”. Além disso, ele ou ela estará, por um tempo indefinido, num “buraco social”, porque suas antigas relações se quebraram e um novo círculo de amigos e conhecidos ainda não existe. Se ele ou ela for um conhecido neonazista, vai entrar num novo ambiente de desconfiança e rejeição. Outro problema é retornar para a família, o que nem sempre é fácil depois de muitos anos como neonazista. Depois há os problemas de trabalho, social e educacional, a dificuldade de se ter antecedentes criminais — estas são apenas algumas das questões com que os desistentes terão que lidar.

Ingo Hasselbach

Houve algum caso em que um neonazista reabilitado voltou a suas crenças extremistas?

Desde 2000, 443 casos individuais foram processados. Desses, tivemos nove recaídas.

É uma boa taxa. Qual foi o caso mais difícil em que você trabalhou?

O caso mais difícil esteve aberto por sete anos e continua pendente. É uma mulher e seus filhos, que deixaram o movimento e cujo pai continua ativo na cena. Acontece que a legislação alemã é totalmente inadequada para esses “casos de saída”. O pai continua tentando entrar em contato com as crianças e os tribunais não são flexíveis o suficiente para responder a problemas individuais. A lei simplesmente está errada, e nesses casos vemos como os direitos humanos são traídos pela burocracia e pela aplicação irrefletida da lei.

Como você acabou trabalhando com Ingo Hasselbach?

Eu o conhecia desde a época em que era detetive da polícia e o vigiava por causa de seus crimes de extrema-direita. Depois de sua saída do movimento, desenvolvemos um relacionamento mais próximo e surgiu a ideia do EXIT.

As camisetas “cavalo de Troia”. Depois de lavadas, o logo Hardcore Rebels desbota e se lê: “O que essa camiseta pode fazer, você também pode –  vamos te ajudar a romper com o extremismo de direita”.

As camisetas cavalo de Troia foram incríveis. De quem foi a ideia?

As camisetas foram uma ideia da equipe EXIT e de um doador anônimo, que desenvolveu a tecnologia de produção. Esse trabalho público é uma parte importante do modelo EXIT e algo necessário para manter nossa presença no movimento. Estamos planejando conduzir ações similares, ou completamente diferentes, no futuro.

O número de pessoas de extrema-direita tentando acessar o seu grupo aumentou ou diminuiu nos últimos tempos?

Os números são bem constantes.

O PND é o rosto “aceitável” do extremismo de direita. Esse grupo é perigoso para os jovens da Alemanha?

Definitivamente. O partido atua como uma entrada relativamente central para o movimento. Com sua própria organização jovem, publicidade com alvo nas escolas [o Project Schoolyard, por exemplo] e nos trabalhos relacionados aos jovens [como esportes, brigadas de incêndio jovens, clubes, etc.]; o PND éo centro mais importante de recrutamento da extrema-direita.

Em sua opinião, por que as tentativas de banir o partido falharam?

Como muitos agentes disfarçados estão envolvidos na liderança do PND, os tribunais alemães não conseguem decidir se as informações recebidas contra o PND são verdadeiras. Além disso, como frequentemente acontece, o problema é simplesmente subestimado pelas autoridades.

Vários partidos de direita na Europa são bastante xenófobos. Qual a sua visão sobre a situação da imigração na Europa? Isso tem sido usado como ferramenta, como uma desculpa para empregar o racismo com “motivo”?

Veja os argumentos centrais do PND: essa imigração está diretamente conectada com a competição no mercado de trabalho, eles querem uma compensação pelas políticas familiares dos democratas que falharam, isso leva ao crime e ao parasitismo social. Portanto, o PND usa a imigração direta e abertamente como um meio de recrutar eleitores e membros. Imigração é uma boa propaganda pra eles.

Para terminar, o trabalho que você faz é admirável, mas deve ser difícil na maioria das vezes. Em algum momento você já pensou em desistir de tudo?

Sim, infelizmente é quase sempre o caso.

Saiba mais sobre o EXIT Deutschland aqui.

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