Energia: a saudável opção do lixo

Pouquíssimo conhecida, geração de eletricidade a partir da queima de resíduos pode reduzir em 88% volumes de detritos — mas precisa eliminar emissões tóxicas

Por André Trigueiro, no Envolverde

am4 O lixo que vira energia

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Pouquíssimo conhecida, geração de eletricidade a partir da queima de resíduos pode reduzir em 88% volumes de detritos — mas precisa eliminar emissões tóxicas

Por André Trigueiro, no Envolverde

A demanda por energia no mundo cresce de forma tão preocupante quanto o volume de lixo. Harmonizar de forma inteligente essas curvas de crescimento constitui um dos grandes desafios tecnológicos da atualidade. Essa é a razão pela qual vem crescendo rapidamente o número de países que investem no aproveitamento energético do lixo. São basicamente duas as rotas tecnológicas empregadas para alcançar esse objetivo: a queima direta dos resíduos (waste-to-energy) ou a queima do biogás produzido a partir da decomposição da matéria orgânica do lixo.

Existem hoje no mundo aproximadamente 1,5 mil usinas térmicas que queimam o lixo para gerar energia ou calor. O Japão, o bloco europeu, a China e os Estados Unidos lideram o ranking. No Brasil, não há térmicas com esse perfil em operação, embora alguns municípios estejam bastante interessados no assunto. A tecnologia é cara e o custo do megawatt-hora bastante elevado em relação à energia convencional. A vantagem é a transformação do lixo queimado a aproximadamente 12% de seu tamanho original em cinzas, que podem ser usadas (se forem inertes) como base de asfalto ou matéria-prima para a construção civil. Sem uma política pública que estimule essa fonte de energia com a redução de impostos e outros incentivos, ela continuará desprestigiada e marginal.

Ainda não está completamente superada a polêmica envolvendo a emissão de substâncias cancerígenas — dioxinas e furanos — que seriam liberadas a partir da queima do lixo. Nos países em que a combustão dos resíduos foi autorizada, o entendimento é de que a queima acima de 900º C eliminaria o risco de contaminação. Em alguns desses países, onde a consciência ecológica é maior — Alemanha, por exemplo — foram exigidas novas tecnologias que assegurassem a qualidade dos gases emitidos.

No Brasil — onde a disponibilidade de terra torna a opção pelos aterros menos complicada do que na maioria dos países desenvolvidos –, a exploração energética do lixo tem sido possível a partir da queima do gás do lixo, também chamado de biogás. A matéria orgânica descartada como lixo (especialmente restos de comida, podas de árvore e restos de animais e vegetais) leva aproximadamente seis meses para se transformar em metano, um gás combustível que agrava o efeito estufa. A simples queima do metano, sem nenhum aproveitamento energético, já assegura um benefício ambiental por transformar CH4 (metano) em CO2 (dióxido de carbono). O metano é de 20 a 23 vezes mais danoso para a atmosfera do que o dióxido de carbono.Na lógica do empreendedor, o retorno do capital investido se dá por duas vias: a emissão de créditos de carbono (quando uma certificadora da ONU mede a quantidade de metano queimado e converte esse número em papel com valor de mercado para os países ricos signatários do Protocolo de Kyoto que assumiram o compromisso de reduzirem suas emissões) e a venda de energia elétrica.

São Paulo (a cidade mais populosa e com o maior volume concentrado de lixo do país) largou na frente em 2004, instalando a primeira usina de biogás do país no aterro Bandeirantes. Depois, instalou a segunda no Aterro São João. Juntos, esses dois aterros (que já não recebem mais lixo) respondem por mais de 2% de toda a energia elétrica consumida na maior cidade do país. Em três leilões, foram vendidos mais de R$ 70 milhões de créditos de carbono, dos quais 50%, por contrato, ficaram com a Prefeitura. Uma receita extra, de onde muitos jamais esperavam receber um dia qualquer centavo.

Do outro lado da Via Dutra, no município de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, o gigantesco Aterro de Gramacho (que até ser encerrado em junho do ano passado ostentava o título nada honroso de maior aterro de lixo da América Latina) hospeda uma empresa privada que investiu mais de R$ 250 milhões para poder explorar o biogás acumulado em quase 35 anos de lançamentos diários dos resíduos do Rio de Janeiro e de boa parte da Região Metropolitana. Por contrato, a empresa se comprometeu a fornecer para a Refinaria Duque de Caxias (da Petrobras) 70 milhões de m³ de biogás por dia pelos próximos 15 anos. Esse volume de gás, que seria suficiente para abastecer todas as residências e todos os estabelecimentos comerciais do Estado do Rio, vai suprir 10% da demanda energética da Reduc. O biogás será retirado com a ajuda de 300 poços (260 já foram instalados) que bombearão o combustível até uma estação de tratamento construída no próprio aterro. Ali o gás será limpo, seco e bombeado através de um gasoduto de 6 km de extensão até a refinaria (pelo menos 1,2 km de tubulações passarão debaixo de áreas de mangue e rios). A operação será iniciada ainda neste primeiro semestre.

Num país que gera 182.728 toneladas de lixo por dia, dá pra imaginar o que isso significa em termos de energia? Pelas contas do Ministério do Meio Ambiente, considerando apenas os 56 maiores aterros do país, o biogás acumulado seria suficiente para abastecer de energia elétrica (311 MW/h) uma população equivalente à do município do Rio de Janeiro (5,6 milhões). O cenário para 2020 aponta uma produção ainda maior de energia (421 MW/h) , suficiente para abastecer quase 8,8 milhões de pessoas, a população de Pernambuco.

Em outro estudo lançado esta semana pela Abrelpe (Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais) se deteve na análise de 22 aterros sanitários que já manifestaram interesse explorar o gás do lixo. Segundo o “Atlas Brasileiro de Emissões de GEE (gases de efeito estufa) e Potencial Energético na Destinação de Resíduos Sólidos”, o biogás estocado nesses aterros (280 MW/h) poderia abastecer 1,5 milhão de pessoas. Para isso, seriam necessários investimentos de aproximadamente R$ 1 bilhão. Até 2039, esse potencial poderá chegar a 500 MW/h, o suficiente para abastecer 3,2 milhões de pessoas, o equivalente à população do Rio Grande do Norte.

Embora o Brasil necessite importar dos Estados Unidos a microturbina que transforma o biogás em energia elétrica, aproximadamente 80% das instalações contam com equipamentos fabricados no Brasil. É consenso entre os especialistas do setor que o Brasil deveria estimular o aproveitamento energético do lixo com uma política pública específica, que desonerasse os custos e estimulasse novos investimentos.

Em um país onde a produção monumental de lixo gera enormes impactos socioambientais, a geração de energia elétrica a partir dos resíduos é uma ideia que merece atenção, investimentos e um ambiente de negócios favorável à inclusão do biogás em nossa matriz energética.

André Trigueiro é jornalista com pós-graduação em Gestão Ambiental pela Coppe-UFRJ onde hoje leciona a disciplina geopolítica ambiental, professor e criador do curso de Jornalismo Ambiental da PUC-RJ, autor do livroMundo Sustentável – Abrindo Espaço na Mídia para um Planeta em Transformação, coordenador editorial e um dos autores dos livros Meio Ambiente no Século XXI, e Espiritismo e Ecologia, lançado na Bienal Internacional do Livro, no Rio de Janeiro, pela Editora FEB, em 2009. É apresentador do Jornal das Dez e editor chefe do programa Cidades e Soluções, da Globo News. É também comentarista da Rádio CBN e colaborador voluntário da Rádio Rio de Janeiro.

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3 comentários para "Energia: a saudável opção do lixo"

  1. Val Frei disse:

    Isso é boa notícia! Danilo Eduardo Miranda!

  2. Olá André,
    Como o post acima já pontuou vários aspectos que negam a sua proposta de incentivar incineração. Concluo o post anterior dizendo que anterior ao quê fazer com a imensa quantidade de lixo gerada diariamente? Deveriamos deslocar a pergunta para porquê geramos toneladas de lixo diariamente?
    Sou professor da UFRN, Natal, e venho investigando sobre residuos sólidos e sociedade há pelo menos 13 anos. Caso seja do teu interesse, dá uma olhada em algumas de minhas publicações no link do meu curriculo lattes.
    Caso queira entrar em contato, seria um prazer um debate mais aproximado sobre essa questão tão preponderante para a sociedade brasileira.
    Um abraço!

  3. Dan Moche Schneider disse:

    A incineração de resíduos, André Trigueiro, não é alternativa de gestão. Ela é onerosa e insustentável, difícil de ser justificada com os imperativos ecológicos e sociais do século XXI.
    O desaparecimento dos resíduos e sua transformação em energia elétrica pela incineração torna essa alternativa uma tentação. Mas lembra, André, na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma.
    A incineração não faz desaparecer o lixo. Pelo contrário, transforma milhares de toneladas dos mais variados materiais em trilhões de minúsculas partículas, que se combinam entre si e formam centenas de novas substâncias, muitas delas perigosas e sequer conhecidas, que devem ser capturadas com os gases e, posteriormente, acondicionadas e dispostas de forma ambientalmente adequadas em aterros para resíduos perigosos. A frança, que incorporou os restos da incineração no asfalto, descobre agora que, com o tempo, eles migraram novamente para o ambiente,.
    A incineração gera cinzas tóxicas e emissões tóxicas, que em nosso país serão geridas e monitoradas precariamente. Estamos ainda nos restabelecendo do choque do Estado (órgãos ambientais) mínimo(s).
    A incineração provoca despesas públicas imensas comprometidas por períodos de até quarenta anos; é das alternativas de gestão de resíduos que mais gera gases de efeito estufa e a que mais desperdiça energia; veja, André, reciclar os resíduos secos economiza quatro vezes mais energia do que aquela que é gerada por sua incineração.
    A incineração é das alternativas de gestão que menos gera postos de trabalho e que compete com os catadores de materiais recicláveis pelos materiais recicláveis “secos”. Como será possível integrar 800 mil catadores por meio da reciclagem dos resíduos secos se são justamente os resíduos secos que dão o poder calorífico para a produção de energia no inicnerador? Não dá aqui, André, lembrando uma bela e recente campanha da CNBB, não dá para servir a dois senhores simultâneamente.
    Nossa tarefa no século 21 não é encontrar melhores formas de destruição de materiais descartados, mas parar de fazer embalagens e produtos que têm de ser destruídos. Eliminar de uma vez por todas a obsolescencia programada e objetos descartáveis. Parar de produzir objetos que não sejam socialmente úteis ou que provoquem impactos sérios por sua disseminação.
    O problema acontece pela mistura de materiais, e deixa de ser problema quando coletado separadamente. Resíduo domiciliar pode ser resolvido pelo uso de baixa tecnologia – compostagem/biodigestão (fração úmida), como você bem apontou em seu artigo, e triagem/reciclagem (fração seca).
    Agora é a hora de investir na cadeia da reciclagem. As prefeituras e o setor produtivo devem priorizar a coleta seletiva e o pagamento aos catadores pelos serviços de coleta e triagem realizados e pela venda dos materiais.
    A prioridade é a coleta seletiva (e a compostagem/biodigestão) e não a incineração e qualquer outra tecnologia que concorra com a reciclagem. O BNDES deve priorizar o financiamento de galpões de triagem manuais e mecanizadas, unidades de biodigestão e compostagem e aterros sanitários, conforme determina a Lei.

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