O beco sem saída do PSDB

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Depois do obscurantismo eleitoral de José Serra, as falhas de FHC e, sobretudo, os acertos de Lula em política econômica e social, os tucanos não conseguem acertar a mão e construir uma força opositora para o país. E, quando poderiam voltar ao poder, o ex-governador de São Paulo estragou tudo

Por Luis Nassif

Dilma vai para a Europa e faz recomendações aos governos nacionais. Em editorial, o Estadão critica sua postura professoral. Aí o senador Álvaro Dias ecoa as críticas no Senado, em mencionar a fonte. E o mesmo faz José Serra no Twitter. Na entrevista de Aécio Neves ao Estadão, a falta absoluta de ideias.

E só. Consultem os jornais, rádios, as últimas declarações de políticos e lideranças tucanas. Resumem-se a isso, críticas pontuais, em geral pautadas pela mídia.

Há dois tipos de políticos que aspiram à presidência. Aquele que traz novas ideias que mudam primeiro seu partido, depois o país; ou aquele que reflete as ideias e valores de determinados grupos e, especialmente, de seu partido político.

Obviamente Aécio não é gerador de ideias próprias. Mas e o PSDB? Como solta assim no ar o balão do seu candidato, sem sequer ter se dado ao trabalho de costurar um programa, um conjunto mínimo de ideias que fosse? Cadê seus pensadores, seus estrategistas? Como é que se monta um discurso oco em cima de uma mera pesquisa de opinião?

Ouso supor que o partido está em um beco sem saída.

O núcleo financista do partido – hoje em dia encastelado na Casa das Garças – tem interesses próprios. O PSDB foi apenas a escada para se lançarem ao poder. Embarcaram de carona na onda neoliberal, traduziram os bordões e o jogo de interesses para o português, usaram o partido que tinham à mão. E nada mais.

O núcleo desenvolvimentista sumiu. Os irmãos Mendonça de Barros resolveram aderir ao mercadismo do dia-a-dia e o núcleo FGV-SP (de Bresser-Pereira e Nakano) está fora do barco faz tempo.

De seu lado, Serra transformou seu entorno no mais puro esgoto político. Jogou pelo ralo as ideias de um grupo de técnicos respeitáveis, assumiu sua própria ignorância econômico-político-administrativa, passou a exigir dos seguidores provas seguidas de vilania e trouxe à tona a cara de um partido que já não tinha ideias para oferecer. Nem o DEM, na fase mais iracunda, conseguiu chegar perto da imagem medieval que Serra conferiu ao PSDB.

Sempre torci para que o PSDB conseguisse se refundar, apresentar-se como uma oposição legitima e civilizada, exorcizando os fantasmas da última eleição. Seria o amadurecimento final do modelo político brasileiro. Apostei em Aécio como uma alternativa do partido ao cenário de trevas representado pelo Serra, muito mais pela concepção administrativa que seu governo desenvolveu. Mas não tem fôlego para se impor. A sorte do país é que, com Aécio ou sem Aécio, também não há retorno para Serra.

A cada dia que passa fica cada vez mais claro que o partido entrou em um caminho sem futuro. Perdeu massa crítica de pensadores. Com Serra, perdeu legitimidade junto aos meios intelectuais e à opinião pública esclarecida. Os sociólogos e cientistas políticos da USP desempenham apenas papel de viúvas de FHC, sem conseguir entender ou elaborar o novo. O próprio FHC recolheu-se a uma merecida aposentadoria. Faltava apenas o reconhecimento de fora para aplacar suas angústias. Dilma forneceu-lhe o reconhecimento.

Cumprir-se-á o vaticínio de José Sarney, que, em 2009, previu que a oposição sairia do seio das forças coligadas à situação.

Jogo de xadrez

Passados mais de 20 anos da primeira eleição direta do país pós-64, é interessante notar como se deu o xadrez político.

Fernando Collor surgiu com o discurso novo, que mudou o país. Não colheu os frutos por ser um desastre político. FHC herdou o discurso modernizante de Collor, e atraiu – meramente pelo efeito imã do poder – as melhores ideias acumuladas ao longo dos dez anos anteriores. Havia um genuíno sentimento centro-esquerda em curso, aspirando a modernização mas com responsabilidade social.

Fosse um político de visão, FHC teria avançado nas privatizações mas, ao mesmo tempo, fechado o campo para a oposição, entrando decididamente na área social. Tinha quadros, novas ideias amadurecidas pelo país e uma grande conselheira em casa, dona Ruth. Mas limitou-se a entrar na onda financista mundial. Recebeu as ideias de mão beijada e não teve fôlego para elaborar em cima delas.

Não teve nem visão para perceber a armadilha cambial, montada pelo lado financista, nem sensibilidade para entender que a chave para os vinte anos de poder – ambicionados por Sérgio Motta – estava em dona Ruth, não nos Bachas da vida. Como nunca teve visão apurada dos grandes Estadistas, deixou uma avenida aberta para o discurso social do PT.

Eleito, Lula deu as cabeçadas iniciais previstas. Mas a bandeira social foi tão forte que ajudou-o a resistir ao episódio do “mensalão”. Depois, consolidou-se mapeando todos os diferenciais apregoados pela oposição e ocupando o espaço. Com sua intuição, fez o que FHC deveria ter feito no seu governo, para não abrir espaço para a oposição.

Com o Banco Central de Meirelles aplacou a oposição mercadista (a um custo alto para o país). Com as políticas sociais não populistas, consagrou-se mundialmente como o homem da inclusão. Com o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) levantou a bandeira da gestão dos investimentos públicos. Absorveu os movimentos sociais, trouxe o PT mais para o centro e foi jogando gradativamente o PSDB para a direita.

Esvaziou a campanha sistemática dos que o apontavam como ameaça à democracia, golpista etc. Finalmente, indicou para a presidência uma candidata com todas as características enaltecidas pelos seus próprios críticos – características acessórias, que não mudavam a essência do governo. Uma presidenta sem arroubos oratórios, classe média, estudada, mais comedida na política internacional, com mais gestão (em cima das bases plantadas), sem entrar em guerra com a mídia e encarnando a figura da “faxina” e pragmatismo nas questões de concessão e privatização.

Entende-se a sinuca de bico do PSDB.

Duas chances perdidas

Tenho para mim que as últimas duas chances do PSDB voltar ao poder foram desperdiçadas por José Serra.

A primeira, quando tornou-se governador de São Paulo. Já escrevi várias vezes: era muito mais fácil mudar São Paulo do que o Brasil. Com um pouco de visão e de boa vontade, poder-se-ia mobilizar as forças mais poderosas do país em torno de um projeto de governo – grandes empresas, sociedade civil consolidada, os melhores institutos de pesquisa do país, uma robusta rede de cidades médias, organizações empresariais e sindicais atuantes. Tendo a melhor plataforma para pavimentar a candidatura à presidência, a mediocridade de Serra matou a oportunidade. Na campanha, não tinha o que mostrar.

A segunda chance desperdiçada pelo PSDB foi quando abriu mão de Aécio Neves por Serra, na campanha de 2010. Tinha-se ainda uma Dilma Rousseff pouco conhecida – e, por isso mesmo, vulnerável às campanhas difamatórias produzidas. E tinha-se Aécio Neves com baixo grau de rejeição, imagem jovem e com uma marca forte de articulador político e de gestor. Além de Minas ter um dos maiores contingentes eleitorais do país.

Em meados de 2009, o sagaz deputado Saulo Queiroz, do DEM, mostrou que seria quase impossível vencer com Serra. A única chance da coligação seria com Aécio. Sua análise custou-lhe um exílio dentro do próprio partido. Serra soube e jogou sobre ele sua ira. Correligionários evitavam aparições em público com o deputado, para não incorrerem na ira de Serra.

Hoje, Saulo é secretário-geral do PSD, partido que nasceu das entranhas do DEM. O DEM é um partido moribundo. Dilma tornou-se conhecida, a exposição de Aécio o tornou menor do que a imagem que projetava. E o PSDB tornou-se um partido sem perspectivas de poder. Essa foi a derradeira herança de Serra – justamente o político que, nos anos 90, encarnava as esperanças de renovação do partido.

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