A primeira encruzilha de Obama

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O pacote de estímulo à economia é insuficiente e o novo socorro ao sistema financeiro, obscuro. Analistas norte-americanos sugerem que o esforço do presidente para agradar gregos e troianos pode ser má idéia

Nos EUA, epicentro da grande crise econômica, ontem (18/2) foi mais um de más notícias. Provocadas há semanas pelo presidente Obama, que cobrou contrapartidas para o apoio financeiro que solicitam, as indústrias automobilísticas reagiram com mais do mesmo. Querem 39 bilhões de dólares para não falir. Mas planejam usar o dinheiro público para uma “reestruturação” que significa… demitir: 47 mil trabalhadores, em todo o mundo, só no caso da General Motors. A Casa Branca hesita (veja nota abaixo). Os mercados tremem: os novos sinais de incerteza derrubaram as bolsas de valores nos EUA, num movimento que se espalhou pelo mundo. A assinatura, pelo presidente, de medidas de estímulo à economia estimadas em cerca de 800 bilhões de dólares acabou ofuscada.

Textos publicados nos últimos dias, por dois importantes analistas norte-americanos, argumentam que a postura conciliadora adotada por Obama na campanha eleitoral, e nas primeiras semanas de governo, podem levá-lo a perder tempo e apoio preciosos.  O primeiro é Paul Krugman, Prêmio Nobel de Economia. Nos últimos dias, ele dedicou sua coluna no New York Times à análise do pacote de US$ 800 bi. Julgou-o insuficiente e desfocado. Considera que o Estado precisaria, para evitar uma recessão muito profunda, estimular a economia com ímpeto semelhante ao da II Guerra (sem recorrer às armas, evidentemente…) — ao fim da qual a dívida pública havia chegado a 110% do Produto Interno Bruto, contra os 40% de hoje.

Ainda há, é claro, tempo para agir. Mas Krugman está particularmente preocupado com o clima político que prevalece nos Estados Unidos. Segundo ele, os conservadores agem de maneira inteiramente irresponsável. Arrogante, o Partido Republicano cortou, no Senado, algumas das medidas propostas por Obama para garantir direitos aos mais pobres. Também exigiu que parte do estímulo saísse na forma de corte de impostos Buscando um entendimento, os democratas recuaram. Num dos textos (leia o ClipEconomia de hoje), Krugman lamenta: “sinto um frio na espinha ao imaginar que os EUA podem não ser capazes de enfrentar seu maior desafio econômico em 70 anos. Os melhores estão convictos, mas parecem perigosamente tentados a meias-medidas. E os piores estão, como sempre, tomados por intensidade passional, vergonhosa diante do fracasso grotesco de sua doutrina”.

O segundo analista intranquilo é Robert Kuttner, co-editor da revista progressista Prospect e um dos criadores do thinktank progressista Demos. No site da revista, ele examina (também no ClipEconomia) um pacote bem mais polpudo (cerca de 2 trilhões de dólares), proposto semana passada pelo secretário de Tesouro de Obama, Timothy Geithner, para saneamento do setor financeiro. As medidas, que eram aguardadas com expectativa, foram recebidas com desânimo e vistas por quase todos os comentaristas como “confusas”.

Kuttner estima que, por trás da aparente incerteza, há uma tentativa de dissimulação. Ex-presidente do Banco Central de Nova York, com fortes laços com o mercado financeiro e o pensamento econômico mais ortodoxo, Geithner teria embutido no pacote mecanismos que permitem uma nova transferência de recursos aos bancos privados. Parte do dinheiro sairia do Tesouro. Outra parte, dos fundos de hedge e private equity, que poderiam assumir o controle de instituições financeiras insolventes. Nesse caso, contudo, nota o artigo, elas acabaria nas mãos precisamente dos segmentos mais desregulamentados e especulativos do sistema.

Até o momento, a manobra fracassou. Mas Kuttner repara que, também aqui, há a tentação perigosa de tentar resolver com meias-medidas uma crise potencialmente devastadora. “Geithner rejeita expresssamente as soluções mais diretas: o controle governamental dos grandes bancos ou, ao menos, a presença ampla do Estado em seus conselhos”, frisa o texto. Ao agir assim, o secretário do Tesouro estaria “brincando de roleta com o banco mais importante dos EUA, o Federal Reserve, que arriscaria ao menos mais de um trilhão de dólares”.

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